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Perda de objeto deixa STJ sem tomar decisão sobre ausências em julgamentos

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23 de agosto de 2024, 8h51

Uma alteração legislativa levou a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça a declarar a perda do objeto de uma questão de ordem levantada para discutir o impacto da ausência de ministros durante os julgamentos.

Corte Especial do STJ concluiu julgamento sobre aplicação da Selic com base no artigo 406 do Código Civil

A questão foi levantada pelo ministro Luis Felipe Salomão em 6 de março, quando o colegiado decidiu que o índice adequado para corrigir condenações por dívidas civis, previsto no artigo 406 do Código Civil, é a Taxa Selic.

A proposta do ministro, relator do caso, era permitir a substituição da Selic por outros índices mais adequados — no caso, juros simples de 1% ao mês, como prevê o artigo 161 do Código Tributário Nacional, e correção monetária por algum dos índices oficiais.

Essa posição ficou vencida por 6 votos a 5. A ministra Maria Thereza de Assis Moura desempatou a votação. O problema é que o pleito foi encerrado na ausência de dois ministros que estavam habilitados a participar do julgamento.

Naquele 6 de março, a sessão da Corte Especial excepcionalmente foi iniciada na parte da manhã e continuou à tarde. Os ministros Francisco Falcão e Og Fernandes faltaram no primeiro período, mas estariam presentes após o almoço.

Sem eles, o julgamento ficou 5 a 5, o que exigiu o voto de desempate da então presidente. O ministro Salomão propôs interromper o julgamento para permitir que os colegas participassem da votação à tarde, medida que foi negada por Maria Thereza.

Isso levou à questão de ordem, com a proposta de anular o julgamento. Salomão também levantou questões práticas sobre como aplicar a Selic nos casos em que juros de mora começam a correr em período anterior à correção monetária.

O questionamento sobre o quórum levantou debate no colegiado e gerou pedido de vista do ministro Mauro Campbell, renovado por mais 30 dias em 15 de maio. O julgamento não foi retomado antes do recesso judicial de julho.

Porém, em 28 de junho, entrou em vigor a Lei 14.905/2024, que padronizou a questão discutida ao alterar a redação do artigo 406 do Código Civil. Dessa forma, não havia mais sentido em discutir as questões práticas decorrentes da aplicação da Selic.

Na quarta-feira (21/8), o ministro Salomão reconheceu a perda de objeto da questão de ordem. Assim, caiu por tabela a discussão sobre o quórum de julgamento por causa da ausência parcial dos ministros.

Quem faltou, faltou

A discussão era importante porque questões de quórum influenciam julgamentos no STJ. No caso da Corte Especial, Salomão disse que, se soubesse que a situação terminaria assim, teria pedido para o caso ser julgado à tarde. Naquela data, Francisco Falcão e Og Fernandes acabaram participando da continuação da sessão.

Responsável por conduzir os trabalhos na Corte Especial, a ministra Maria Thereza foi terminantemente contra anular o julgamento. “Não podemos votar e suspender o julgamento na espera de saber se um ministro virá ou não virá.”

Já o ministro João Otávio de Noronha apontou que situações como essa colocam em xeque a honorabilidade da Corte Especial. “Não há nulidade nenhuma. Se não estão, não participam. Se não participam, não votam. Senão vamos anular todos os julgamentos”, disse ele. A ministra Nancy Andrighi reforçou que o regimento interno deveria ser cumprido.

Debates de quórum

O caso da Selic foi um dos episódios em que questões de quórum geraram debates no tribunal.

Outro exemplo foi o caso do ex-jogador Robinho, julgado em 20 de março. Relator da matéria, o ministro Francisco Falcão votou por homologar a sentença italiana que condenou o ex-jogador a nove anos de prisão por estupro. A votação correu normalmente até o ministro Sebastião Reis Júnior, último a votar, argumentar que não cabia à Corte Especial avançar para impor o cumprimento imediato da pena e a fixação do regime fechado.

O então vice-presidente Og Fernandes, que estava presidindo o julgamento porque a ministra Maria Thereza estava ausente, quis ouvir os colegas sobre a questão.

O problema é que o ministro Herman Benjamin já tinha ido embora. Sem ele, desenhou-se a hipótese de um empate. Falcão fez pressão ao destacar que Benjamin acompanhou seu voto na íntegra e conseguiu fazer com que esse voto fosse considerado. Por fim, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva realinhou sua posição para acompanhar o relator e resolver a questão por 6 a 4.

A ministra Nancy Andrighi esteve presente na sessão, mas não votou porque estava dando uma palestra e perdeu as sustentações orais. Mais tarde, o julgamento ficou desfalcado também de Villas Bôas Cueva, que precisava receber candidatos a uma vaga de ministro em seu gabinete, e Luis Felipe Salomão, que tinha compromissos na Corregedoria Nacional de Justiça.

Outro episódio ocorreu na sessão seguinte, em 3 de abril, quando a Corte Especial votou a possibilidade de reduzir seguidas vezes o valor da multa por descumprimento de decisão judicial. Às 16h41, Francisco Falcão pediu a palavra e disse que precisaria sair às 17h. A ministra Maria Thereza devolveu dizendo que o caso em julgamento era de sua relatoria. “Então vamos pedir para que os colegas façam um resumo ou eu peço vista. Eu vou ter de sair. Eu avisei Vossa Excelência há mais de uma hora”, disse Falcão. O julgamento seguiu de forma acelerada e foi encerrado às 16h55.

A 3ª Seção do STJ, colegiado que mais sofreu com ausências neste ano, chegou a mudar o rito de julgamento para se adequar. Isso aconteceu em 28 de fevereiro, quando estava na pauta o julgamento para estabelecer tese sobre a obrigatoriedade da redução da pena-base quando há o afastamento de circunstância judicial negativa contra o réu condenado. A ministra Daniela Teixeira e o ministro Joel Ilan Paciornik estavam ausentes por problemas de saúde. Isso significa que o precedente qualificado seria construído com sete dos nove votos possíveis.

Para não atrasar o andamento do caso, o colegiado adiou as sustentações orais e começou pelo voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior, que leu a ementa. O ministro Messod Azulay pediu vista. Mais tarde, em 22 de junho, o julgamento foi retomado com a manifestação das partes, mas teve novo pedido de vista. Isso ocorreu na única das nove sessões do primeiro semestre em que a 3ª Seção teve composição completa, graças a um combinado dos ministros.

Combinado e adiamentos

Questões de quórum também têm levado a adiamentos de julgamentos. A 3ª Seção, por exemplo, tinha planejado começar a julgar a revisão da Súmula 321 do STJ, que veta pena abaixo do mínimo legal, em 24 de abril, mas três ministros estavam ausentes.

Cogitou-se adiar a sessão para 8 de maio, mas outros três adiantaram que não poderiam comparecer. Ficou, então, para a sessão seguinte. Presidente do colegiado, o ministro Ribeiro Dantas fez um apelo aos colegas. “Na sessão de 22 de maio vamos ver se teremos quórum completo para tentar julgar esse assunto de tanta importância.” O julgamento começou, teve pedido de vista e foi concluído em 14 de agosto.

Em outros colegiados, os adiamentos por um ou outro motivo também são constantes. O ministro João Otávio de Noronha deu um exemplo durante sessão da 2ª Seção, em 24 de abril. Ele relatou que um advogado foi a seu gabinete e reclamou da demora na retomada de um caso que estava com pedido de vista, após oito adiamentos. O advogado contou que, nesse período, mudou de categoria no programa de pontos de uma companhia aérea por causa da quantidade de viagens feitas. “Já era diamante só de ir e voltar de São Paulo a Brasília, pela demora no julgamento.”

O relato foi feito enquanto a 2ª Seção discutia se o ministro Marco Buzzi poderia ou não votar em um repetitivo. O fator impeditivo era sua ausência na sessão em que as sustentações orais foram feitas — ele havia passado por problema cardíaco e estava se recuperando. A conclusão foi de que não seria possível incluir seu voto. Mas levantou-se a ideia de se discutir uma alteração no regimento interno para que isso seja possível, o que, em tese, flexibilizaria a necessidade da presença dos ministros nos julgamentos.

O tribunal já admitiu pedido de vista de ministro que não se encontrava presente. Um exemplo é o do AREsp 1.769.050. Em 12 de dezembro de 2023, o julgamento foi retomado com voto-vista do ministro Mauro Campbell, mas acabou suspenso para aguardar Francisco Falcão, que estava ausente e registrou pedido de vista no sistema. O caso já tem quatro votos e maioria formada, mas ainda não foi concluído, oito meses depois.

Ossos do ofício

Há uma série de fatores que levam os ministros a se ausentar das sessões. Há participação em eventos e missões institucionais. Alguns tiveram problemas de saúde relevantes em 2024. Outra parte precisa lidar com o acúmulo de funções: dois ministros da casa integram também a composição titular do Tribunal Superior Eleitoral, sendo um deles na posição de corregedor da Justiça Eleitoral.

O vice-presidente do STJ é também o corregedor da Justiça Federal. Outros quatro ministros compõem o Conselho da Justiça Federal. Por fim, ainda ficam a cargo de ministros da casa a direção-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e a Corregedoria Nacional de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça.

As atas de julgamento do tribunal mostram que, quanto maior o colegiado, maior a probabilidade de a sessão de julgamento estar incompleta. As ausências pontuais nas seis turmas de julgamento se tornam quase a regra nas seções e na Corte Especial — nenhuma dessas teve mais de metade das sessões com quórum completo no primeiro semestre deste ano.

Juntando todos os colegiados, o STJ fez 147 sessões ordinárias de julgamento no período, sendo 48 delas com quórum incompleto (32,6%). Em outras 99 (67,3%), ninguém faltou. A conta não inclui as sessões de abertura e encerramento do semestre judicial, feitas pela Corte Especial.

As secretarias de alguns colegiados registram em ata as ausências temporárias ou ocasionais dos ministros durante as sessões. Em outros, o registro é menos rigoroso. Dos 31 ministros em atuação atualmente — duas cadeiras estão vagas —, apenas seis (19,3%) não perderam nenhuma sessão no primeiro semestre. Os outros 25 somaram um total de 70 ausências, todas justificadas, ainda que internamente apenas.

O que poderia minimizar os problemas seria o aumento do rol de processos passíveis de julgamento virtual. Nesse caso, as sessões são abertas pelo relator e duram sete dias, período no qual os demais integrantes podem analisar a matéria e se posicionar. O Pleno do STJ, que reúne todos os seus membros, vai decidir se isso é possível e necessário.

REsp 1.795.982

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