Opinião

Contribuição ao FET do Tocantins segue inconstitucional após edição de lei e decreto

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22 de agosto de 2024, 13h28

No apagar das luzes de 2019, o estado do Tocantins criou, por meio da Lei Estadual nº 3.617/2019, o chamado Fundo Estadual de Transporte (FET), estabelecendo uma contribuição de 0,2% (posteriormente majorada para 1,2%), a ser recolhida pelos contribuintes que promovam operações de saídas interestaduais ou destinadas à exportação, ou a elas equiparadas, relativas a produtos de origem vegetal, mineral ou animal, incidente sobre o valor da operação destacado em nota fiscal. Na prática, algo equivalente a um adicional de ICMS na circulação de mercadorias, sem a garantia de imunidade das exportações.

Por meio da ADI nº 6.365, a contribuição foi julgada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal), tendo sido reconhecida a natureza tributária da contribuição ao Fundo, uma vez que sua exigência é compulsória.

Em síntese: demonstrada a compulsoriedade da exação e a sua natureza jurídica de tributo, a contribuição ao FET é inconstitucional porque o Estado não detém competência para instituir contribuições (cuja competência é exclusiva da União), ainda que a referida exação seja caracterizada como adicional de ICMS (eis que possui mesmo fato gerador e base de cálculo), o artigo 167, IV, da Constituição veda expressamente a destinação da arrecadação de impostos a órgão, fundo ou despesa e a contribuição onera operações de exportação que não podem ser tributadas, tendo em vista a imunidade do artigo 155, §2º, X, ‘a’, da Constituição.

O que parecia dar um fim à discussão, na prática, foi diferente: após o início do julgamento, com voto do ministro relator Luiz Fux pela inconstitucionalidade da exação (que posteriormente seria seguido à unanimidade pelos demais ministros), o estado do Tocantins, em 21/12/2023, se antecipando à iminente derrota no STF, editou a Lei nº 4.303/2023 (regulamentada pelo Decreto 6.725/2024), alterando o dispositivo da lei inconstitucional, numa clara tentativa de “constitucionalizá-la”.

A ideia foi simples: se inseriu no artigo 7º da Lei Estadual nº 3.617/2019 que a contribuição ao FET será cobrada como suposta condição para fruição de benefício ou incentivo fiscal de ICMS e para que o contribuinte usufrua da imunidade tributária nas exportações, como se a norma imunizante dependesse da opção por um suposto “regime especial”.

Palmas, capital do Tocantins

Buscou o estado do Tocantins enquadrar a contribuição ao FET como sendo facultativa, utilizando-se, para tanto, do racional presente na jurisprudência do STF, segundo o qual não são compulsórias as contribuições exigidas como contrapartidas à fruição de benefícios fiscais, as quais não possuem a feição de “tributos”. Em resumo, para o STF, o pagamento da contribuição exigida como contrapartida a um benefício fiscal é opcional, eis que o contribuinte pode simplesmente optar por não usufruir do benefício, hipótese em que a contribuição não será exigida.

Tocantins, portanto, se utilizou da expressão “como condição para” com o objetivo escapar à ratio decidendi adotada pelo Supremo, driblando a compulsoriedade da exação que a caracterizava como tributo inconstitucional.

A edição da Lei nº 4.303/2023, entretanto, não tem o condão de tornar a cobrança da contribuição ao FET, subitamente, constitucional, uma vez que a alteração de texto promovida pelo Estado é incapaz de alterar a substância da contribuição, tendo sido mantidos os vícios que ensejaram as inconstitucionalidades reconhecidas na ADI nº 6365.

Além disso, a partir da referida alteração legislativa, o Tocantins passou a entender que a imunidade das exportações dependeria da opção do contribuinte por um suposto “regime especial de controle de exportações”.

Imunidade constitucional aos contribuintes

Na prática, o Estado apenas estaria garantindo a fruição da imunidade constitucional aos contribuintes que recolham a contribuição ao FET e optem pelo “regime especial”, o que não é possível, afinal imunidade não configura “benefício fiscal”.

Em síntese: a imunidade, por estar na Constituição, retira a competência do Estado para exigir o tributo ou qualquer condicionante material à sua fruição, diferentemente do que ocorre com os benefícios fiscais (a exemplo de isenções, reduções ou diferimentos), concedidos pelo próprio ente tributante que, portanto, é competente para dispor sobre as condições exigidas para que se faça jus à benesse concedida.

Spacca

O Tocantins, ainda na tentativa de contornar a inconstitucionalidade do tema, opôs embargos de declaração no âmbito da ADI nº 6365 alegando, em síntese, uma suposta omissão do julgado em virtude da constitucionalização do tema com o advento da Lei Estadual nº 4.303/2023 que, segundo seu entendimento, esvaziaria o objeto da ADI nº 6365.

A empreitada do Estado, contudo, foi negada pelo STF, prevalecendo o entendimento de que a Lei Estadual nº 4.303/2023 não tem o condão de esvaziar o julgamento da ADI nº 6365, haja vista que, nas palavras do ministro relator, trata-se de “hipótese de revogação da norma com o nítido propósito de evitar a declaração da inconstitucionalidade já sinalizada pelo Tribunal”, o que aparenta configurar “fraude à jurisdição da Corte”.

O “novo FET”, portanto, não possui nada de novo, não passando de uma tentativa frustrada do Tocantins de driblar a jurisdição do STF.

O cenário não muda, mesmo com a edição da Emenda Constitucional nº 132 (reforma tributária), responsável por incluir o artigo 136 no Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que atribui competência aos Estados para instituição de contribuições, desde que condicionadas à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado no que tange ao ICMS.

No contexto de uma outra contribuição estadual (Fundeinfra no estado de Goiás), a reforma tributária (EC 132) foi utilizada como fundamento para que o STF julgasse prejudicada a ADI nº 7.363. Na oportunidade, a Corte Suprema entendeu que houve “alteração do parâmetro constitucional de controle”. Isto é, se a Constituição foi alterada, a ADI teria perdido o seu objeto, de modo que não foi apreciado o mérito daquela exação (que supostamente pode ter sido constitucionalizada com a referida emenda constitucional).

No julgamento da ADI nº 7.363, porém, o próprio STF reconheceu que o seu entendimento não se aplica à Contribuição ao FET, porquanto o Supremo julgou a cobrança inconstitucional previamente à conclusão da ADI nº 7.363, tendo a Corte afastado a equiparação entre as Contribuições, e de que o FET não é cobrado como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou tratamento diferenciado, relativos ao ICMS, não sendo aplicável, portanto, o dispositivo dos ADCT inserido pela reforma.

Por tudo isso, a cobrança da contribuição ao FET, por Tocantis, em que pese a alteração legislativa, permanece inconstitucional.

Sobre o tema, em recente decisão, a Vara de Execuções Fiscais de Palmas deferiu a liminar pleiteada pelo contribuinte, em caso sob nosso patrocínio, para suspender a exigibilidade da contribuição ao FET mesmo com relação aos fatos geradores posteriores à alteração legislativa.

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