Rusga interminável

Divergência no Supremo reaquece debate sobre acesso a dados financeiros para inquéritos

Autor

16 de agosto de 2024, 8h51

Ao analisar a validade de informações financeiras sigilosas compartilhadas pela Receita Federal ou pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a pedido dos órgãos de persecução penal, o Judiciário agora tem duas posições legitimadas por interpretações do Supremo Tribunal Federal.

Plenário do STF ainda não analisou hipótese em que dados são solicitados por órgãos de persecução penal

Uma, encampada pela 1ª Turma do STF, por unanimidade de votos, indica que esse compartilhamento é válido, sem qualquer necessidade de passar por controle prévio do Judiciário.

Outra, definida pela 2ª Turma da corte, também sem divergência, diz que não é possível pedir esses dados sigilosos para subsidiar investigação criminal sem antes obter uma autorização judicial.

O caso julgado na 1ª Turma trata do compartilhamento de relatórios de inteligência financeira do Coaf com o Ministério Público. Já o da 2ª Turma trata de informações compartilhadas pela Receita Federal.

A disciplina para os dois casos é a mesma. A indefinição causada por essas posições antagônicas, além de gerar a necessidade de pacificação pelo Plenário do STF, abre a possibilidade de reflexão pelas demais instâncias.

Nesta terça-feira (13/8), a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça retirou de pauta três casos sobre o tema. Relator de um deles, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca destacou que seria necessária uma melhor reflexão.

A ministra Daniela Teixeira, relatora dos outros dois, concordou. Já a 6ª Turma ainda não teve oportunidade de se manifestar sobre o tema. O STJ ainda não registra decisões ou acórdãos baseados no julgamento da 2ª Turma do STF.

Miríade de interpretações

A controvérsia parte de uma posição firmada pelo Plenário do próprio STF. Em 2019, o tribunal concluiu que o compartilhamento, de ofício, de informações sigilosas pelos órgãos de inteligência (Coaf) e fiscalização (Receita Federal) para fins penais, sem autorização judicial prévia, é constitucional.

Ao interpretar as teses do STF, o STJ inicialmente entendeu que, quando a informação é obtida pelo caminho inverso (por iniciativa do órgão de investigação), é necessário passar pelo crivo do juiz antes.

Essa interpretação foi derrubada pela 1ª Turma do STF, que confirmou decisão do ministro Cristiano Zanin em reclamação constitucional ajuizada contra um acórdão do STJ. O julgamento ocorreu em abril de 2024.

Já a 2ª Turma do STF fixou sua posição em junho, em recurso extraordinário que também tem como origem um acórdão do STJ.

O STJ, a princípio, fez uma adequação e, recentemente, avançou na discussão ao estabelecer que esse compartilhamento só é válido se já houver inquérito.

Tema urgente

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o tema é importante e atual porque o uso dessas informações pelos órgãos de persecução penal se tornou mais importante do que nunca.

Em dez anos, o Coaf aumentou em 1.339,4% o número de relatórios de inteligência financeira produzidos por iniciativa das Polícias Civil e Federal e do Ministério Público. Em 2023, o órgão produziu e entregou média de 38 relatórios por dia.

MPs e polícias podem solicitar dados porque tanto a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998) quanto o Estatuto do Coaf (Decreto 9.663/2019) autorizam o intercâmbio de informações de inteligência financeira.

Também têm essa prerrogativa a Controladoria-Geral da União (CGU), órgãos do Poder Judiciário e Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).

Já no caso da Receita Federal, o compartilhamento de ofício é autorizado nas hipóteses em que há a produção de representação fiscal para fins penais, diante do indício de crimes financeiros.

O tema contrapõe a eficiência da investigação em um mundo de criminalidade digitalizada e pulverizada e direitos fundamentais — o risco é de que Coaf e Receita se tornem repositórios de informações e permitam a prática de pesca probatória (fishing expedition).

RE 1.393.219
Rcl 61.944

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!