Laranja azeda

Mulher eleita também perde mandato se partido fraudou cota de gênero

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15 de agosto de 2024, 14h22

Para o Tribunal Superior Eleitoral, não há contrassenso em cassar o mandato de uma mulher se o partido dela praticou fraude à cota de gênero nas eleições. Nesse caso, toda a chapa envolvida deve ter o registro indeferido.

Voto de André Ramos Tavares aplicando a jurisprudência prevaleceu no TSE

A conclusão foi alcançada nesta quinta-feira (15/8), quando a corte concluiu julgamento que trata das eleições para a Câmara dos Vereadores de Granjeiro (CE), em 2020.

O tribunal reconheceu a fraude à cota de gênero praticada pelo Republicanos, que usou duas candidaturas fictícias para alcançar o patamar mínimo de 30% de mulheres na lista, exigido pela lei eleitoral.

Pela jurisprudência do TSE, a fraude gera o indeferido do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) do partido — o documento que lista os candidatos para determinada eleição.

O problema é que isso levaria à cassação do registro da única mulher eleita: Renagila Viana. Além disso, a cassação do Drap do Republicanos deixaria a Câmara Municipal de Granjeiro 100% ocupada pelo PSDB, partido do prefeito.

Esse cenário levou três dos sete ministros do TSE a propor três soluções diferentes. Em comum, elas visavam a evitar a cassação de Renagila Viana, tendo em vista que o objetivo da cota de gênero é aumentar a representatividade política feminina.

Com quatro votos, venceu a proposta do relator, ministro André Ramos Tavares, de aplicação fria da lei e da jurisprudência do TSE. Renagila perde o mandato e Granjeiro passará por retotalização dos votos.

A Câmara Municipal será 100% tucana, mas não necessariamente masculina: pelos cálculos do setor técnico apresentados no voto-vista do ministro Alexandre de Moraes, outras duas mulheres ocuparão cadeiras até 31 de dezembro, quando termina a legislatura.

Cassar todo mundo

A ministra Cármen Lúcia e os ministros Alexandre de Moraes e Nunes Marques acompanharam o relator e formaram a maioria vencedora.

Ao votar no caso, em maio, Alexandre apontou que não seria saudável para a democracia superar os precedentes sobre fraude à cota de gênero, por indicar aos partidos que esse ilícito poderia ser benéfico aos infratores em alguns casos.

“Estaremos indicando que, se o partido precisa lançar três, quatro ou cinco mulheres para cumprir a cota de gênero, eles podem lançar quatro candidaturas-laranja e concentrar todos os recursos para eleger uma única mulher”, continuou.

A primeira proposta divergente foi feita pelo ministro Floriano de Azevedo Marques. Para ele, caberia anular apenas os votos dos homens que integraram a chapa do Republicanos. Como as candidatas-laranja tiveram votação zerada, isso preservaria a eleição de Renagila Viana.

Com a anulação parcial, o quociente eleitoral precisaria ser recalculado, o que não seria suficiente para afastar a eleição de Viana.

Nesta quinta, o ministro Raul Araújo divergiu em maior extensão, propondo reconhecer a fraude à cota de gênero, mas manter todos os eleitos pelo Republicanos em seus cargos na Câmara Municipal.

Isso evitaria que a aplicação da lei atuasse contra seu principal objetivo, de garantir representatividade feminina nos cargos proporcionais. E ainda preservaria a necessária oposição naquele legislativo.

“Nem no campo do Direito Penal as regras são inflexíveis”, destacou o magistrado ao votar. Ele ainda acrescentou que essa modulação mais ampla dos efeitos da decisão valeria apenas para o caso de Granjeiro, sem se aplicar nas eleições de 2024 e seguintes.

Manter votos femininos e voto de legenda

A terceira solução proposta foi da ministra Isabel Gallotti, para quem seria possível manter todos os votos destinados às mulheres que não tenham participado da fraude, além dos votos dados apenas para a legenda.

Em sua visão, mulheres eleitas em chapas que praticam fraude à cota de gênero são vítimas da conduta do partido, embora possam ter se beneficiado do ilícito.

“Caracterizada fraude a cota de gênero, caso tenha sido eleito alguma mulher, o mandato dela deverá apenas ser preservado se os votos por ela obtidos forem suficientes para sua eleição após o recalculo do coeficiente eleitoral e partidário”, disse.

RESpe 0600003-05.2021.6.06.0062

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