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Falta de políticas públicas em defesa da mulher compromete efetividade da Lei Maria da Penha

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10 de agosto de 2024, 9h46

Marco Legislativo da defesa da mulher brasileira, a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) completou 18 anos no último dia 7 de agosto e, apesar de todas as conquistas que representa, tem sua eficácia comprometida pela ausência de políticas públicas. Essa é a opinião da totalidade de especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Sancionada em 2006, a Lei Maria da Penha estabelece que qualquer caso de violência doméstica e familiar é crime, deve ser objeto de inquérito policial e remetido ao Ministério Público.

Especialistas apontam a importância de políticas públicas para garantir efetividade da Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha é considerada um marco por reunir uma série de inovações como estabelecer formas de violência doméstica contra a mulher como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral e permite a prisão em flagrante do agressor.

Também estabelece a obrigação de comparecimento dos agressores a programas de recuperação e reeducação e majora em um terço a pena em casos de violência doméstica contra a mulher.

Apesar de todas as inovações, a Lei Maria da Penha não foi capaz, nesses 18 anos de vigência, de reduzir os casos de violência contra a mulher no Brasil. Em 2023, ao menos oito brasileiras foram vítimas de violência doméstica a cada 24 horas. Os dados são da Rede Observatórios de Segurança que monitorou nove estados: Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.

Política pública

A presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, Patrícia Vanzolini, destaca que a Lei Maria da Penha já foi considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) a terceira melhor de proteção à mulher do mundo, atrás apenas da espanhola, de 2004, e da chilena, de 2005. Essas duas preveem educação e conscientização nas escolas.

Ela defende a importância da educação no combate à violência contra a mulher. “Os meninos e meninas reproduzem o que aprendem. E é na escola o lugar de aprendermos o que é certo. Se não houver, de fato, uma educação intensa para desconstruir o machismo estrutural, nós vamos só ficar enxugando gelo”, lamentou.

A juíza Tatiane Moreira Lima, uma das uma das coordenadoras da Secretaria Apamagis Mulher, tem opinião parecida. “O aumento nas estatísticas de violência contra a mulher aponta para problemas que vão além da necessidade de tornar a lei mais gravosa. Embora o endurecimento das penas possa ter um efeito dissuasório, o problema é multifacetado e requer abordagens integradas. Trata-se aqui de uma violência epidemiológica; portanto, parte de sua situação enseja uma abordagem, além de jurídica e social, de saúde pública. Mudanças culturais são essenciais para combater a violência de gênero, em especial o trabalho psicossocial com o agressor, investindo-se também em programas de prevenção e em redes de apoio robustas para que as vítimas possam sentir-se encorajadas a buscar a proteção e a quebra de eventual ciclo de violência”.

A magistrada lembra que a legislação de combate a violência contra a mulher endureceu nos últimos anos, mas que tal disposição legislativa, desacompanhada de políticas públicas concretas levam ao descrédito da força da própria lei. “A Lei Maria da Penha, por melhores que sejam seus instrumentos, é uma lei, tendo sua efetividade condicionada ao desejo social de sua aplicação nos termos em que firmada”, resume.

Acolhimento do Estado

A advogada Christiany Pegorari Conte entende que a Lei Maria da Penha mudou o paradigma de análise das situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, intensificou a produção legislativa de proteção a mulher, criou as medidas protetivas e estimulou a criação de uma estrutura específica de atendimento à mulher vítima de violência.

“Não faltam legislações. Ainda precisamos investir em políticas públicas voltadas a prevenção da violência e a promoção da igualdade de gênero, no aprimoramento da estrutura de atendimento multidisciplinar à mulher, na formação/capacitação dos profissionais que atendem às mulheres vítimas de violência para evitar a falta de informações/orientações adequadas e a revitimização. Por fim, é importante que as situações apresentadas ao poder judiciário sejam analisadas sob a perspectiva de gênero, conforme orientações do CNJ (Recomendação n. 128/22 e Resolução 492/23)”, defende.

Maira Scavuzzi, advogada criminalista, entende que para mudar a realidade e diminuir os casos de violência o caminho não é questionar a lei, mas sim a estrutura que o Estado brasileiro oferece para proteção efetiva da mulher.

“A Lei, por si só, não basta. Os Estados têm a infraestrutura e os recursos necessários para acolher a mulher vítima de violência doméstica? O número de delegacias especializadas é suficiente? Os funcionários públicos estão adequadamente treinados para tratar os casos de violência doméstica? Conseguimos conscientizar a mulher, especialmente a que está em situação de vulnerabilidade, sobre quais situações configuram violência doméstica e sobre os direitos e os recursos que a lei garante? Se não respondermos positivamente a essas questões, alterações legislativas terão impacto limitado sobre o índice de violência doméstica. É inócuo cogitar da inserção textual de mecanismos mais gravosos sem, antes, enfrentar os obstáculos materiais que restringem a efetividade da lei”, defende.

Por fim, Daniela Poli Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados & Associados, entende que aumentar as penas pode ter um efeito dissuasório, mas não resolve o problema estrutural da violência de gênero. “A aplicação efetiva da lei, a rapidez na concessão de medidas protetivas, e o fortalecimento das redes de apoio às vítimas são ações que podem ter um impacto mais significativo. O problema é mais profundo, envolvendo fatores culturais, sociais e econômicos que perpetuam a violência contra as mulheres. Assim, além de possíveis alterações legislativas, é crucial investir em políticas públicas integradas que abordem esses fatores subjacentes. Isso inclui educação para a igualdade de gênero, campanhas de conscientização, e o fortalecimento dos serviços de proteção e apoio às vítimas”, aponta. A lei é boa, mas a sociedade tem muito que avançar.

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