Opinião

A era da busca pelo entendimento

Autores

  • Juliana Soares de Carvalho Regueira

    é advogada head da área de contratos e de agronegócio no VBD Advogados especialista em Direito Eletrônico MBA em Direito do Agronegócio Sustentabilidade e Comércio Exterior ambos pela Escola Paulista de Direito (EPD) e graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

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  • Giulia Dantas de Oliveira

    é advogada contratual no VBD Advogados e graduada em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

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4 de agosto de 2024, 13h29

O avanço da tecnologia tornou o acesso à informação mais democrático e vem revolucionando a forma como o conhecimento é buscado. À parte as discussões sobre a crescente disseminação de informações e notícias falsas e os possíveis mecanismos de controle e validação dos fatos, a questão é que hoje, em apenas um clique, conteúdos antes disponíveis somente em ambientes restritos, ou mesmo acadêmicos, podem ser consultados por qualquer um que tenha acesso à internet.

Unesco

Nesse sentido, é uma consequência quase lógica que o direito, como uma ciência essencialmente social, venha se adaptando a essa nova era. Tem se tornado latente a necessidade de buscar o alcance e conscientização da sociedade por meio de divulgação de informações técnicas e confiáveis, emitidas por fontes seguras. É nesse ambiente que áreas como legal design vêm ganhando espaço no mundo jurídico.

Segundo Margaret Hagan, o legal design é a aplicação do design centrado nas pessoas ao mundo do direito para criar serviços e sistemas jurídicos mais humanos, úteis e satisfatórios. É nesse ambiente que vemos a busca pela simplificação da linguagem jurídica, procurando uma comunicação clara e objetiva à sociedade, permeando não somente a internet e mídias sociais, como também o âmbito dos tribunais, das negociações contratuais e demais instrumentos jurídicos.

É nessa linha que, em 4 de dezembro de 2023, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), anunciou o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples (CNJ nº 144/2023), que tem como meta a adoção de uma linguagem direta e compreensível na produção das decisões judiciais e na comunicação geral do Judiciário, possibilitando maior acessibilidade da Justiça, bem como maior aprimoramento do exercício da democracia na sociedade.

O Pacto, que também prevê a inclusão da Língua Brasileira de Sinais (Libras), da audiodescrição e outras ferramentas similares, busca o abandono do famoso juridiquês e a adoção de uma linguagem simples e breve em todos os documentos jurídicos. O objetivo é possibilitar que qualquer cidadão entenda o impacto de uma decisão ou de um julgamento em sua vida prática, assegurando o pleno exercício do direito de informação previsto na Constituição. São cinco os eixos principais abordados pelo Pacto:

  1. Linguagem direta, simples e acessível, sem uso de jargões técnicos desnecessários, com elaboração de manuais e guias que contenham as expressões essenciais nos textos jurídicos
  2. Simplificação de eventos: os votos e pronunciamentos no Poder Judiciário devem ser resumidos e objetivos, sendo promovidos protocolos para minimizar formalidades em eventos, facilitando a comunicação
  3. Formação contínua dos magistrados e servidores para melhor elaboração de textos claros e acessíveis, bem como campanhas de conscientização para destacar a importância do acesso à Justiça
  4. Desenvolvimento de plataformas intuitivas, com informações claras e acessíveis. Recursos como áudio, vídeos explicativos e traduções serão utilizados para facilitar a compreensão dos documentos judiciais
  5. Articulação interinstitucional entre diferentes instituições e a sociedade, criando redes de defesa dos direitos de acesso à Justiça.

Há outros exemplos de iniciativas que visam ao uso da linguagem simples, como, por exemplo, a Resolução n° 113/2023 do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN), que instituiu a Política de Linguagem Simples e a ISO 24495-1:2023, que estabeleceu em junho/23 as diretrizes gerais para uma comunicação clara e objetiva.

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região escolheu 14 processos que serão julgados pela 5ª Turma do Tribunal à luz dos recursos previstos no Pacto. A desembargadora Ilse Marcelina Bernardi Lora foi a primeira a ler o voto nas duas versões; na tradicional, onde diz “admito o recurso ordinário do autor e as contrarrazões, dou-lhe provimento para afastar a declaração de inépcia da petição inicial, bem como a extinção do feito, sem resolução do mérito, determinando-se a remessa dos autos ao juízo de origem para o prosseguimento do feito, como entender de direito, prejudicada a análise dos demais tópicos recursais, nos termos da fundamentação”; e na simplificada, “o recurso do trabalhador foi aceito, e o processo voltará à vara do trabalho para continuar. Com isso, não é necessário analisar agora os outros pedidos do recurso”.

Projeto para traduzir termos jurídicos

A Defensoria Pública do Paraná, observando o 1º eixo mencionado, lançou o projeto “Descomplica — Humanizando a justiça através da tecnologia e da linguagem”, que será responsável por traduzir mais de 200 termos e expressões usadas no sistema de processo eletrônico.

Spacca

Igualmente, são aderentes ao Pacto os tribunais de São Paulo, Distrito Federal, Paraíba, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, bem como o STF que já lançou cartilhas explicando alguns direitos e deveres dos cidadãos, entre outros. E, visando ter mais adeptos, o CNJ instituiu o selo Linguagem Simples, com procedimentos estipulados na Portaria nº 143/2024. O selo será concedido anualmente, sempre em outubro, mês em que se comemora o Dia Internacional da Linguagem Simples.

No âmbito dos contratos, o Pacto Nacional tem conexão direta com o processo interpretativo do negócio jurídico prescrito no Código Civil, em especial nos artigos 112 e 113. Em síntese, dispõe o artigo 112 que “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”, enquanto o artigo 113 prevê que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

Da combinação das disposições, temos que o negócio jurídico deverá ser interpretado tanto em consideração à vontade objetivamente manifestada, que é a redação contratual, quanto o desejo real das partes nela consubstanciado, tudo equilibrado pela aplicação da boa-fé objetiva.

É dizer que o contrato, enquanto instrumento jurídico que formaliza o encontro de vontades manifestado pelos contratantes, deve ter uma linguagem simples, clara e objetiva, de modo a buscar refletir, com o maior grau de transparência possível, a real vontade das partes ou, sendo um documento imposto por uma das partes, o maior nível de entendimento sobre as obrigações contraídas. Além de uma compreensão integral das penalidades previstas.

A título de exemplo recente, cita-se a decisão da juíza Cintia Adas Abib, publicada em 20 de junho de 2024, da Comarca de São Caetano do Sul/SP. A magistrada determinou a nulidade de um contrato de férias compartilhadas, obrigando as empresas envolvidas ao integral reembolso dos valores pagos pelos autores, com correção monetária acrescidos de juros mora de 1% ao mês a partir da data da última citação. A nulidade processual derivou de falta de clareza contratual e caráter abusivo nas condições impostas, elementos que poderiam ter sido evitados se a ré tivesse seguido o Pacto Nacional.

Todos esses institutos e medidas permeiam o mesmo objetivo: a democratização da informação e a desmistificação do direito como uma área restrita e inacessível. Em contraponto ao que diz o ditado, informação só é poder se for bem compreendida e analisada. Caso contrário, não pode ser usada como fator de decisão. Então, quanto mais aderentes, claras e acessíveis à sociedade, maior será a eficiência dos processos e negócios jurídicos que serão celebrados de forma justa para os envolvidos.

Autores

  • é advogada, head da área de contratos e de agronegócio no VBD Advogados, especialista em Direito Eletrônico, MBA em Direito do Agronegócio, Sustentabilidade e Comércio Exterior, ambos pela Escola Paulista de Direito (EPD), e graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

  • é advogada contratual no VBD Advogados e graduada em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

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