Um Enzo incomoda muita gente?

“Príncipe do lar”, “gigante”, “vencedor” são alguns dos significados atribuídos ao popular nome “Enzo”. Diz-se ainda que “Enzo” seria uma versão italiana do nome alemão Heinz, diminutivo de Heinrich, isto é, Henrique, traduzindo para o português [1].

Susanita, amiga de Mafalda, de Quino. Nome equivalia à Patricinha ou Mauricinho no Brasil dos anos 1980

O certo é que ser chamado de Enzo virou motivo de piada no Brasil. Enzo hoje é sinônimo de “mimizento”, “mimado”, “filhinho da mamãe”. Mais ou menos o que na infância dos anos 1980 chamávamos de “mauricinho”. Inicialmente, o nome ganhou destaque quando Cláudia Raia teve seu primeiro filho, Enzo Celulari, em 1997. Na época, parecia um nome chique, refinado, internacional.

De preferência nacional a motivo de chacota

O problema todo começou quando “Enzo” foi parar na casa de milhares de brasileiros. Em 2019, conforme o Portal da Transparência do Registro Civil, pelo segundo ano seguido, o nome Enzo liderou a lista de nomes mais registrados no Brasil, com 16.672 registros. Subitamente, o nome passou a soar de forma pejorativa.

Assim, no trabalho diário na Defensoria Pública Especializada no Atendimento de Registros Públicos da Comarca de Manaus, recebemos corriqueiramente pais e crianças que buscam a mudança de nome. “Quero mudar meu nome para João” [2], disse um dos enzos, com sete anos de idade, que buscou a Defensoria. Ele relatava que seu nome lhe envergonhava, pois era vítima de chacota até dos próprios familiares.

Mudança do prenome

Muito embora a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) tenha progredido bastante quanto à possibilidade alteração do prenome (parte do nome que vem antes do sobrenome), isso não se reflete quando se trata de pessoa menor de idade.

Segundo o artigo 56 da mencionada lei, “a pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial (…)”. No caso de arrependimento dos pais, a Lei nº 6.015/1973, em seu artigo 55, §4º, oportuniza a mudança do nome diretamente no cartório em até 15 dias após o registro, através da oposição fundamentada de qualquer dos genitores, perante o registro civil onde foi lavrado o assento de nascimento.

Por outro lado, não sendo caso de maior de idade ou ultrapassado o lapso temporal de 15 dias após o registro, o interessado deverá acionar a Justiça para mudar seu prenome. Nessa situação, terá que fundamentar seu pedido e, se possível, juntar provas do motivo pelo qual necessita da alteração. Mas quais seriam essas provas? Laudo psicológico ou psicossocial, relatos de profissionais que trabalham na escola da criança ou adolescente, prints de mensagens em redes sociais que atestam o tratamento jocoso do nome, a indicação de testemunhas que possam narrar em juízo a vergonha, humilhação e sofrimento pelo qual o autor da ação vem passando.

É bom lembrar, ainda, que a mudança de nome permitida de forma administrativa, ou seja, junto ao cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, é um procedimento pago. Portanto, se a pessoa não tiver condições de arcar com os valores das custas cartorárias, também deverá procurar os meios judiciais em busca de seu direito. Inclusive, tratando-se de hipossuficiente, poderá contar com a assistência jurídica da Defensoria Pública para lhe permitir o acesso à Justiça.

Direito à felicidade

O nome é elemento que edifica o direito da personalidade. Diz respeito à forma que o sujeito se identifica perante a sociedade, mas também traz sentimentos ao próprio titular. Esse sentir deve ter especial relevância. O direito à felicidade é um postulado decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, alçado à categoria de fundamento da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito.

Um “Enzo” pode incomodar muita gente, mas o importante é que, independentemente do nome, a pessoa se sinta confortável e feliz com sua identificação civil.

[1] Lista de chamada com sete ‘Enzos’ viraliza e vira meme na internet. Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2017/11/28/interna_nacional,920209/lista-de-chamada-com-sete-enzos-viraliza-e-vira-meme-na-internet.shtml. Acesso em 30/7/2024.

[2]    Nome fictício, criado para preservar a identificação do assistido.