Gravação de audiências e o direito à imagem no âmbito da LGPD
22 de abril de 2024, 19h19
A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18) é fundamental para garantir a segurança e privacidade das informações e dados pessoais coletados no dia a dia, bem como criar regras específicas para o tratamento destes dados.
Assim, a norma prevê que dados pessoais são aqueles que identificam uma pessoa, como por exemplo nome completo e número do CPF, enquanto os dados sensíveis abrangem informações como dados médicos, convicção religiosa, opinião política, entre outras especificações vinculadas a um indivíduo.
No que tange a imagem, ela é um direito de personalidade protegido pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso X, também abordado pela Lei nº 13.709/18 (LGPD), que elevou o direito à imagem ao nível máximo de proteção pelo novo sistema.
Caso concreto
Recentemente, durante uma audiência ocorrida no estado do Rio de Janeiro, a promotora de Justiça do caso identificou que o advogado estava gravando a audiência por meio de um celular, sem aviso prévio às partes presentes, tampouco permissão destas.
Diante do ocorrido, o juiz que realizava a referida audiência suspendeu o depoimento da testemunha, encerrou a sessão e ordenou a apreensão da gravação, o que causou um enorme alvoroço. Em sua defesa, o advogado citou o artigo 367, §5º e §6º do Código de Processo Civil, que dispõe o seguinte:
“Art. 367. O servidor lavrará, sob ditado do juiz, termo que conterá, em resumo, o ocorrido na audiência, bem como, por extenso, os despachos, as decisões e a sentença, se proferida no ato.
(…)
§5º. A audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação específica.
§6º. A gravação a que se refere o § 5º também pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial.”
Em contrapartida, a promotora de justiça invocou a LGPD, no sentido da ausência de consentimento das partes para a realização da gravação, o que se tornou um debate de legislações.
Reflexão necessária
Este acontecimento peculiar suscita a dúvida, em meio a debates jurídicos, de um tema complexo que envolve o direito à privacidade, a proteção de dados pessoais e as normas processuais vigentes.
Como exposto acima, o Código de Processo Civil permite que as partes gravem a audiência, independentemente de autorização judicial. Contudo, após a criação da LGPD, que tem como objetivo justamente a segurança dos dados sensíveis, há a necessidade de harmonia entre outros institutos já existentes no ordenamento jurídico.
Em vista disso, apesar de o CPC permitir a gravação sem a necessidade de autorização judicial ou consentimento das partes, a gravação não deve violar os direitos fundamentais do ser humano, como o direito à imagem e privacidade, garantidos pela CF/88 e pela LGPD.
Esse embate entre o direito de registrar e o direito à proteção da personalidade propõe um diálogo transparente entre as partes, no sentido de informar a realização da gravação, bem como a explicação do propósito, assegurando assim a utilização da gravação sem prejuízo aos direitos de personalidade e privacidade das partes.
Projeto de lei
Inclusive, há o Projeto de Lei nº 685/24 na Câmara dos Deputados, que propõe a regulamentação do direito à gravação de audiências, a fim de permitir maior transparência dos atos processuais, bem como o controle social sobre o Judiciário. O projeto sugere ainda a pena de 1 a 3 anos de reclusão para quem impedir a gravação, inserindo o crime na Lei de Abuso de Autoridade.
Por fim, a audiência citada acima foi retomada e prosseguiu normalmente, assim como a gravação do advogado.
O tema remete a uma reflexão necessária acerca da análise e aplicação das normas vigentes considerando o sistema normativo como um todo, como determina a melhor análise da hermenêutica jurídica, garantindo que a aplicação das leis respeite os avanços contemporâneos em matéria de privacidade e proteção de dados.
Portanto, enquanto a prevalência das normas ainda é discutida, a fim de definir até que ponto chega à autonomia da parte em gravar a audiência, bem como a garantia da proteção dos dados dos envolvidos, importante prevalecer o respeito e a transparência entres os presentes na ocasião.
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