A confluência entre o Direito e a cultura é cheia de franjas. Mas, se são interdependentes, essas duas áreas do conhecimento humano podem também se excluir, se o diálogo não for inteligente. Num exemplo paradigmático: seria ótimo se correspondesse à realidade que o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, de Tatuí (SP), ainda estivesse na condição de ostentar a posição de grande escola brasileira de ensino musical. Na atual conjuntura, a Organização Social Sustenidos é a gestora deste importante projeto de cultura e tudo mudou no ensino musical de excelência.
Esta O.S. conseguiu desagregar o projeto pedagógico do Conservatório e agora, com a “colaboração” da secretária Marília Marton (Cultura/SP), finaliza seu sepultamento. A Sustenidos assumiu no governo estadual anterior. Sua “metodologia” foi demitir músicos, encerrar as atividades da Orquestra Sinfônica do Conservatório de Tatuí, criada em 1985, Coro Sinfônico do Conservatório, Samjazz e todos os conjuntos musicais, que totalizavam cinquenta e três grupos.
O objetivo dos antigos diretores tatuianos, maestros José Coelho de Almeida e Antonio Carlos Neves Campos, já falecido, era propiciar ampla experiência na execução da música clássica e sempre levar os alunos a um ambiente musical de excelência.
É muito simples de entender. Todo método pedagógico do Conservatório tinha como suporte esses conjuntos musicais. Eram formados por 70% de professores (músicos profissionais) e 30% de alunos, em último estágio de aprendizado de seus instrumentos. A metodologia era ambientar esses futuros músicos em conjuntos profissionais. A Orquestra Sinfônica, que não mais existe, contava com 80 músicos e maestro de alto nível. O último foi Edson Beltrami, da equipe do maestro João Carlos Martins. E a mesma situação ocorreu com o Coro Sinfônico, sob a regência de Cadmo Fausto, e outros grupos musicais pedagógicos.
Não podemos nos calar
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O Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”. localizado em Tatuí
O golpe fatal no Conservatório será de responsabilidade da secretária Marília Marton, da Secretaria de Estado da Cultura do Estado de São Paulo. Este órgão governamental repassa verbas para a O.S. Sustenidos, atual gestora. Cerca de R$ 30 milhões anuais. O Conservatório sempre manteve em seu método de aprendizado o curso de Iniciação Musical, para alunos de 4 a 8 anos. A finalidade é descobrir talentos, ambientar as crianças e prepará-las para o ensino musical de alta performance. E, a partir dos oito anos, esses alunos, com conhecimento prévio de notas musicais, são direcionados à escolha de instrumentos de suas preferências e passam a frequentar aulas práticas, com professores/músicos profissionais.
A secretária Marília Marton, a partir de 2024, decidiu não abrir mais matrículas para o curso de Iniciação Musical. E só permanecem na escola cerca de 150 alunos ainda matriculados. O Conservatório de Tatuí, na contramão do aprendizado musical, só vai aceitar a inscrição de alunos com idade acima de oito anos. E já direcionados para a escolha do instrumento musical. Um raciocínio lógico leva a deduzir que, daqui a três anos, o Conservatório de Tatuí não contará com alunos devidamente preparados para a continuidade do ensino profissional e de alta performance.
É lamentável ter que expor publicamente este fato. Afinal, uma escola de música, com 70 anos de funcionamento e mantida pelos cofres públicos, não pode ser gerida por métodos aplicados por pessoas que desconhecem seu real funcionamento.
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Um decreto estadual, assinado em 1971 pelo governador Abreu Sodré, ainda em vigor, norteia o ensino musical do Conservatório. Desobedecer esse diploma legal e colocar em risco este importante projeto cultural, pode ser considerado, no mínimo, de administração amadora e de especialista em Projeto Guri. Cerca de 20 por cento da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) é composta por tatuianos natos. E tantas outras orquestras do Brasil contam com músicos profissionais, formados no Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, de Tatuí.
Nós, moradores desta cidade, distante apenas a 120 quilômetros de São Paulo, considerada a maior cidade do Brasil, não podemos assistir um fim tão melancólico para um projeto musical dessa envergadura. Não podemos nos calar. Devemos protestar, com toda veemência, contra a incúria e iconoclastia de administração, implantada a “fórceps”, na já denominada “melhor escola de música da América Latina”.