Ambiente jurídico

Supremo Tribunal Federal conclui julgamento da 'pauta verde'

Autor

6 de abril de 2024, 14h19

Em 14 de março de 2024 o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da chamada Pauta Verde ou Pauta Ambiental, diversas ações que tinham por objeto a proteção ambiental. A inclusão em pauta e o rápido julgamento denotam a preocupação da Corte Maior com grandes temas ambientais e prevalência que devem ter na pauta judicial, política e administrativa do país. Faço a seguir um resumo das ações.

Spacca
Ricardo Cintra Torres de Carvalho - desembargador TJ

Pode-se dizer que a Pauta Verde teve início, sem desconsiderar ações e decisões anteriores, com o julgamento em 3-11-2022 da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão  59-DF, Rel. Rosa Weber1, movida pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, Partido dos Trabalhadores – PT e Rede Sustentabilidade contra a União. A ação impugnava a omissão na implantação de prestações normativas e materiais de proteção da Amazonia Legal e, entre outras, das obrigações referentes à ativação do Fundo Amazonia, com ativos de mais de três bilhões de reais sem aplicação ante a extinção dos mecanismos essenciais à sua gestão.

A decisão se estende por 410 páginas e deixa claro que a proteção ambiental configura um direito fundamental; como consta de sua ementa: “[…] 7. O retrato contemporâneo da Amazônia Legal não responde aos deveres de tutela assumidos pelo Estado constitucional brasileiro, expressamente desenhado no art. 225 da Constituição e na arquitetura legislativa, como prescreve a Lei n. 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC. Tampouco responde à normativa internacional, devidamente ratificada e promulgada pelo Estado brasileiro, a demonstrar seu comprometimento político e jurídico com a centralidade e importância da tutela do meio ambiente, em particular a proteção contra o desmatamento e as mudanças climáticas, a saber a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas de 1992 (Decreto n. 2.652 de 01 de julho de 1998); o Protocolo de Kyoto, de 2005 (Decreto n. 5.445 de 12 de maio de 2015); e o Acordo de Paris, aprovado no final de 2015 e em vigor desde 2016 (Decreto n. 9.073, de 05 de junho de 2017) […]”. A paralisação do Fundo Amazonia, mantido por doações de países estrangeiros, decorreu da extinção do Comitê Orientador – COFA e do Comitê Técnico-Científico – CRFA pelos DF nº 9.759/19, 10.144/20 e 10.223/20 que implicou na suspensão da avaliação e aprovação de novos projetos e consequente aplicação dos recursos existentes. O tribunal determinou a reativação dos Comitês e, em sessenta dias, a adoção das providências necessárias à reativação do Fundo Amazonia.

Em 2004 foi instituído o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazonia Legal (PPCDAm), responsável pela queda do desmatamento nessa fase inicial e executado em diversas fases. Paralisado na gestão anterior [o PPCDAm foi relançado em sua 5ª Fase no início de 20232], o desmatamento cresceu substancialmente e o Partido Socialista Brasileiro – PSB ajuizou a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 760, Relatora Carmen Lucia, e a Rede Sustentabilidade ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ADO 54, Relator André Mendonça, ambas questionando a inércia do Executivo na execução do plano de prevenção ao desmatamento. As ações foram julgadas em conjunto em 14-3-2024, designado o Min. André Mendonça como relator do acórdão ainda não publicado. O Tribunal, por maioria, não declarou o estado de coisas inconstitucional, vencidos, nesse ponto, os Ministros Cármen Lúcia (Relatora), Edson Fachin e Luiz Fux.

Alternativamente, reconhecendo a existência de falhas estruturais na política de proteção à Amazônia Legal, o Tribunal determinou ao Governo Federal que assuma um “compromisso significativo” (meaningful engagement) referente ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica.

Na sequência, por unanimidade, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ADPF 760 e na ADO 54, para determinar que: a) a União e os órgãos e entidades federais competentes (Ibama, ICMBio, Funai e outras indicadas pelo Poder Executivo federal), dentro de suas respectivas competências legais, formulem e apresentem um plano de execução efetiva e satisfatória do PPCDAm ou de outros que estejam vigentes, especificando as medidas adotadas para a retomada de efetivas providencias de fiscalização, controle das atividades para a proteção ambiental da Floresta Amazônica, do resguardo dos direitos dos indígenas e de outros povos habitantes das áreas protegidas (UCs e TIs), para o combate de crimes praticados no ecossistema e outras providencias comprovada e objetivamente previstas no Plano, em níveis suficientes para a coibição do desmatamento na Amazônia Legal e de práticas de crimes ambientais ou a eles conexos. Esse plano deverá ser apresentado ao Supremo Tribunal Federal em até sessenta dias, nele deverão constar, expressamente, cronogramas, metas, objetivos, prazos, projeção de resultados com datas e indicadores esperados, incluídos os de monitoramento e outras informações necessárias para garantir a máxima efetividade do processo e a eficiente execução das políticas públicas, considerados os parâmetros objetivos mencionados abaixo, devendo ser especificada a forma de adoção e execução dos programas constantes do plano, os recursos a serem destinados para atendimento dos objetivos, devendo ser minudenciados os parâmetros objetivos de aferição para cumprimento da decisão, a serem marcados pela progressividade das ações e dos resultados indicados na decisão, entre eles a redução anual efetiva de 3.925 km2 até 2027, correspondente a redução de 80% dos índices anuais em relação a média verificada entre os anos de 1996 e 2005, que deveria ter sido cumprida até o ano de 2020; a redução efetiva e continua, até a eliminação, dos níveis de desmatamento ilegal em TIs e UCs federais na Amazônia Legal, conforme dados oficiais disponibilizados pelo INPE/PRODES, respeitados os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais; e o aperfeiçoamento dos métodos de controle, informação, monitoramento e defesa da flora, da fauna e dos povos originários, melhor indicados na longa decisão.

Ao acompanhar o voto da relatora, o ministro André Mendonça reforçou que, apesar da retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), esse ainda é insuficiente no que diz respeito ao monitoramento, prevenção e combate à macro criminalidade. A seu ver, é preciso comprometimento efetivo do Governo Federal em relação ao futuro do meio ambiente, com acompanhamento constante, controle das políticas públicas e revisão das metas e indicadores.

As Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 743, 746 e 857, Relator André Mendonça, Relator p/acórdão Flávio Dino, foram movidas pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, Partido Socialista Brasileiro – PSB, Partido dos Trabalhadores – PT e pela Rede Sustentabilidade em decorrência das graves queimadas ocorridas na Amazonia Legal e no Pantanal em 2020, que em parte se repetiram nos anos seguintes; e pedem que seja determinada à União a tomada de providências e a elaboração de plano de prevenção e combate às queimadas nos biomas Pantanal e Amazônia. O Tribunal, por maioria, em decisão de 20-3-2024 (acórdão ainda não publicado), não reconheceu o estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental, vencidos os Ministros Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que o reconheciam; e por unanimidade julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nas ADPF 743, 746 e 857: I – Contidos nos itens i), “a.” e “a)” das três arguições, à luz da fundamentação exposta tanto na presente assentada, quanto por ocasião do julgamento da ADPF n° 760 e da ADO n° 54, para que o Governo federal apresente, no prazo de 90 dias, um “plano de prevenção e combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia, que abarque medidas efetivas e concretas para controlar ou mitigar os incêndios que já estão ocorrendo e para prevenir que outras devastações dessa proporção não sejam mais vistas”; promova a recuperação da capacidade operacional do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais – PREVFOGO, com planos a serem apresentados, fiscalizados e coordenados pelo Conselho Nacional de Justiça; aos governos estaduais e ao IBAMA a publicidade das licenças de supressão de vegetação, além de diversas determinações visando ao aperfeiçoamento do PPCDAm já mencionado.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 63-MS, Relator André Mendonça, a Procuradoria-Geral da República pediu ao Supremo Tribunal Federal que declare a omissão do Congresso Nacional na edição de lei federal que regulamente, em relação ao Pantanal Matogrossense, o § 4º do artigo 225 da Constituição Federal que assegura proteção especial a algumas regiões e alguns biomas do país (Pantanal Mato-grossense, Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Serra do Mar e Zona Costeira), definindo-os como patrimônio nacional e submetendo a sua utilização a condições especiais de exploração; a omissão se traduz em déficit de proteção a esse ecossistema, expressamente prevista na Constituição; pede que se estabeleça prazo razoável ao Congresso Nacional para que delibere e conclua o processo legislativo e pede a aplicação da Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) até a aprovação de norma específica sobre o Pantanal. A ação foi iniciada em 2021, conta com a intervenção de diversos amicus curiae e teve o julgamento iniciado em 7-12-2023 com a realização das sustentações orais; foi incluído diversas vezes em pauta, a última em 4-4-2024, sem informação do julgamento na página eletrônica do tribunal.

A mesma preocupação com a proteção ambiental e o esforço incessante para que a administração, os legisladores, os empreendedores e a população em geral compreenda que a preservação do meio ambiente não é um ônus, mas um benefício para todos, perpassa as decisões do Superior Tribunal de Justiça, dos tribunais estaduais e das Câmaras Reservadas ao Meio Ambiente, que tive a honra de integrar por tantos anos. A análise de seus acórdãos implicaria em extensão incompatível com este artigo, uma luta incessante para que o ecossistema e o planeta em que vivemos passe a ser uma preocupação de todos, e não apenas de alguns. Como mencionei em algumas palestras, o planeta não reclama nem contesta, o planeta se vinga.


Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!