Opinião

Projeto de lei pretende instituir regulação de monetização de dados pessoais

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3 de abril de 2024, 15h19

O PLP (Projeto de Lei Complementar) nº 234/23 [1], que está tramitando em regime de urgência na Câmara dos Deputados e aguarda parecer da Comissão de Defesa do Consumidor, pretende criar o ecossistema brasileiro de monetização de dados através da Lei Geral de Empoderamento de Dados (LGED), ao qual todas as empresas que coletam dados e informações pessoais e oferecem produtos ou serviços online deverão aderir formalmente.

Marcelo Casal Jr./Agência Brasil

Se aprovada, a LGED será pioneira (mundialmente) em regular a monetização de dados [2] de indivíduos e pessoas jurídicas, conferindo a seus respectivos titulares maior poder sobre a respectiva comercialização, tema que não foi expressamente abordado pela lei brasileira de proteção de dados pessoais, a LGPD (a qual, aliás, não é aplicável a dados de pessoas jurídicas).

O objetivo da LGED é assegurar aos titulares de dados o direito de propriedade sobre eles, instituindo a possibilidade de gerenciá-los, autenticá-los e compartilhá-los de maneira regulamentada por meio de um sistema centralizado que utiliza uma identidade digital única para consolidar informações de diversos usuários e disponibilizá-las para empresas interessadas em comprá-las.

Nos termos do artigo 8º do PLP, o ecossistema brasileiro de monetização de dados abrangerá o compartilhamento de, no mínimo:

  • dados pessoais abertos não sensíveis;
  • dados pessoais relativos a transações comerciais e a relações de consumo;
  • dados pessoais sensíveis, desde que anonimizados, pseudonimizados, desindividualizados ou despersonalizados; e
  • dados pessoais relativos a operações financeiras (de acordo com regulamentação do CNM e do Bacen).

Não nos parece muito clara a intenção do autor do PLP com a utilização da expressão “no mínimo” no caput do artigo 8º. Faria mais sentido que o rol do artigo 8º fosse taxativo, limitando o ecossistema brasileiro de monetização de dados ao compartilhamento das categorias de dados expressamente mencionadas acima. É provável que a redação deste artigo acabe sendo ajustada durante a tramitação do PLP.

Atualmente, a comercialização de dados pessoais já acontece por meio da concordância dos titulares com as políticas de privacidade.  Na prática, porém, o que acontece é que o processamento e a distribuição desses dados não são expressa e conscientemente autorizados por seus titulares.

Spacca

Há no PLP, inclusive, regra no sentido de que o consentimento do titular não poderá ser obtido por meio de contrato de adesão, ou de formulário com opção de aceite ou de qualquer forma presumida. O PLP enfatiza a necessidade de obtenção do consentimento claro e direto do titular, exigindo autorização expressa para a comercialização de informações e para os fins específicos, os quais também deverão ser consentidos.

Alteração para big techs

A expectativa é a de que a adoção do ecossistema brasileiro de monetização de dados ocasione alterações nos modelos de negócios das big techs, que hoje operam esse mercado sem a anuência expressa dos titulares e sem pagar-lhes qualquer contraprestação.

Nos termos do artigo 6º do PLP, as instituições integrante do ecossistema brasileiro de monetização de dados poderão celebrar contrato com os titulares dos dados, garantindo-lhes “incentivos ou recompensas financeiras, incluindo pagamentos como compensação para a coleta, processamento ou compartilhamento de dados ou informações pessoais ou por ele produzidos ou disponibilizados por meio de relacionamentos, em especial por meio de acesso e utilização de plataformas eletrônicas online, aplicações de internet, marketplaces, portais e sítios, relações de consumo, aquisição ou venda de bens e serviços de qualquer natureza”.

É importante notar que a LGED permite que os titulares dos dados retirem seu consentimento a qualquer momento e sem justificativa, caso em que as empresas que processam os dados deverão interromper instantaneamente sua utilização.

Ou seja, há um verdadeiro estímulo à participação do titular dos dados nos resultados econômicos decorrentes de sua comercialização, que, atualmente e na maioria dos casos, é inexistente. Neste sentido, uma das propostas do PLP é a atualização do Código de Defesa do Consumidor (CDC) para incluir a proteção aos titulares de dados pessoas nas relações de consumo decorrentes da atividade de comercialização com as processadoras de dados.

Adicionalmente, o PLP estabelece uma nova incidência de Cofins, à alíquota de 10% a 12%, sobre a “receita bruta auferida por pessoa jurídica que explore serviços de comunicação por meio de plataformas eletrônicas online, aplicações de internet, marketplaces, portais ou sítios na rede mundial de computadores”.

Estarão sujeitas a essa tributação as empresas que coletem, processem, comprem, vendam ou compartilhem anualmente informações pessoais de 50 mil ou mais titulares de dados e que gerem receita mensal de R$ 10 milhões no Brasil e R$ 25 milhões no exterior, o que evidentemente alcança big techs como Facebook, Google, Amazon e outros.

Segundo estimativas, essa nova incidência tributária poderá gerar arrecadação anual de R$ 2,3 a R$ 4,2 bilhões.

 

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Referências:

https://tiinside.com.br/06/11/2023/lei-geral-de-empoderamento-de-dados-comeca-a-tramitar-na-camara-dos-deputados/#:~:text=De%20acordo%20com%20a%20PL,de%20internet%2C%20marketplaces%2C%20portais%20e

https://www.convergenciadigital.com.br/Governo/Legislacao/Projeto-regula-venda-de-dados-pessoais-e-cria-imposto-de-10%25-para-internet-64650.html?UserActiveTemplate=mobile

https://legislacaoemercados.capitalaberto.com.br/monetizacao-de-dados-podera-ser-regulada/


[1] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2354793

[2] O PLP 234/23 entende como monetização de dados a coleta, análise, agrupamento, processamento e comercialização de dados obtidos por uma instituição detentora de contas de dados ou receptora de dados mediante livre consentimento de uma pessoa física ou jurídica para a geração de receita ou benefício econômico de terceiros, por meio de plataformas eletrônicas online, aplicações de internet, marketplaces ou ecossistemas de dados.

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