Opinião

Carta Imperial: 200 anos da primeira Constituição do Brasil

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2 de abril de 2024, 20h45

A Carta Política do Império do Brasil, outorgada por dom Pedro 1º em 25 de março de 1824 (há 200 anos, portanto), representa importantíssimo marco fundamental que inaugurou a história do constitucionalismo em nosso país!

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FOI, entre nós, o instrumento constitucional de maior longevidade, pois vigorou ao longo de 65 anos e (quase) oito meses, havendo cessado sua vigência e eficácia em virtude da edição, pelo Governo Provisório da República, chefiado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, do Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889!

CONSAGRADO o novo regime político a partir do movimento que resultou na independência de nosso país, livre de sua vinculação ao Reino de Portugal, cabe reconhecer que foram muitas as inovações introduzidas no plano jurídico-institucional plasmadas no texto de nossa primeira Carta Constitucional, cujas principais características foram sintetizadas em livro que escrevi (Constituição Federal Anotada, 2ª edição, 1986, Saraiva), a propósito de muitos outros temas, sobre os aspectos tipológicos das diversas Constituições que o Brasil teve até hoje!

EIS as notas mais expressivas (e relevantes) que constam, como referências politica e juridicamente inovadoras, do “corpus” constitucional consubstanciado no texto normativo da Carta Política do Império do Brasil:

a) ela instituiu a forma unitária de Estado, com forte centralização político-administrativa;
b) adotou a forma monárquica de governo;
c) dividiu o território do Império do Brasil em províncias, cada qual administrada por um presidente, nomeado pelo Imperador e livremente por ele exonerável;
d) definiu o catolicismo como religião oficial do Império, embora assegurasse às demais religiões o culto doméstico ou particular, desde que sem forma exterior de templo;
e) reconheceu a divisão funcional do poder como o princípio conservador dos direitos e liberdades do cidadão;
f) incorporou ao texto a fórmula elaborada pelo jurista e pensador político franco-suíço Benjamin Constant (sem qualquer identificação com o Tenente-Coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães) consistente no reconhecimento de quatro poderes políticos: legislativo, moderador, executivo e judicial;
g) o Poder Legislativo foi delegado à Assembleia Geral, órgão bicameral, composto pela Câmara dos Deputados (eletiva e temporária) e pela Câmara dos Senadores ou Senado (organizada por eleição provincial, designados os seus membros pelo Imperador, a partir de uma lista tríplice, e investidura vitalícia);
h) o sistema eleitoral vigente tinha por fundamento o sufrágio censitário, apenas titularizável por aqueles que, dentre outras exigências, satisfizessem os requisitos de ordem econômico-financeira. Desse modo, apenas podiam votar (cidadania ativa) os que tivessem fortuna própria ou possuíssem renda líquida, mínima e anual de cem mil-réis. De outro lado, a elegibilidade (cidadania passiva) também era condicionada a requisitos econômico-financeiros: eleitor de província (renda mínima, liquida e anual de duzentos mil-réis), deputados (renda de quatrocentos mil-réis), senador (renda de oitocentos mil réis);

Pedro Américo/Reprodução

i) o Poder Moderador (“Pouvoir Royal” ou Poder Neutro ) e o Poder Executivo foram deferidos ao Imperador. O primeiro (Poder Moderador), reconhecido como “a chave de toda organização política” do Império, foi delegado privativamente ao monarca, para que, mediante o seu exercício, desempenhado com o auxílio do Conselho de Estado, velasse sobre a preservação da independência e a manutenção do equilíbrio e harmonia dos três outros poderes políticos. O exercício do Poder Moderador legitimava a intervenção do Imperador na esfera do Legislativo (nomeando senadores, dissolvendo a Câmara dos Deputados, convocando extraordinariamente a Assembleia Geral, sancionando e vetando as proposições legislativas), do Executivo (nomeando e exonerando os Ministros de Estado) e do Judiciário (suspendendo os magistrados, exercendo a clemência soberana em relação aos réus condenados por sentença). O Imperador também chefiava o Poder Executivo, que exercia por intermédio de seus Ministros de Estado. Estes eram responsáveis pelo desempenho de suas atribuições político-funcionais, podendo sofrer até mesmo a pena de morte na hipótese de crime de responsabilidade! A pessoa do monarca, contudo, era inviolável e sagrada, não estando ele sujeito a responsabilidade alguma;
j) o Poder Judiciário era composto de juízes e jurados. O Tribunal do Júri tinha competência em matéria penal e também civil, nos casos determinados pelos códigos. Os magistrados eram vitalícios. Não ostentavam, porém, a garantia da inamovibilidade. Os Tribunais da Relação, existentes em cada Província, eram órgãos de segunda instância. O órgão de cúpula do Poder Judiciário, no Império, foi o Supremo Tribunal de Justiça, cujos membros (Conselheiros) eram necessariamente magistrados togados, tirados das Relações provinciais (Desembargadores) por suas respectivas antiguidades;
k) a Carta Imperial continha uma ampla Declaração de Direitos, reflexo da influência provocada pelas Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789);
l) as proposições legislativas estavam submetidas ao poder de sanção ou de veto do Imperador, que dispunha do prazo de um mês para exercê-lo. O veto do Imperador não era absoluto. Tinha efeito meramente suspensivo. Passadas duas legislaturas (quatro anos cada uma), e se o projeto fosse reapresentado e novamente aprovado pela Assembleia Geral, reputar-se-ia sancionado. Registre-se que, sob a Carta monárquica , e ao contrário das Constituições republicanas, estava previsto o veto tácito, caracterizado pelo decurso, “in albis” (“em branco”), do prazo de um mês.

ESSAS, em resumo, as principais características da nossa primeira Carta Constitucional: a Carta Política do Império do Brasil, outorgada pelo Imperador Dom Pedro I no dia 25 de março de 1824, uma quinta-feira!

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