Opnião

O triste 8 de Janeiro no Território Livre. Não lutamos tanto pra isso

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28 de setembro de 2023, 10h17

No ano passado a democracia e a tolerância estiveram muito próximas de serem vencidas pela violência e o obscurantismo.

No 8 de janeiro passado, vândalos invadiram as sedes dos três Poderes e depredaram bens públicos e patrimônio tombado. Estavam eles, celerados patriotas, convencidos de que suas ações se justificavam pelas causas em que acreditavam (impedir o comunismo, defender a Pátria e coisas do gênero). Mostraram o que poderia ter ocorrido não fosse a firme resistência de atores jurídicos e institucionais.

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Alunos votam pela greve na FDUSP
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Nesse importante bloqueio do percurso ao obscurantismo, a Faculdade de Direito da USP cumpriu papel importante, como sempre.

Não apenas ao fornecer atores que cumpriram papel fundamental na resistência. Tivemos destemido papel histórico na histórica leitura da Carta pela Democracia.

Em 11 de agosto de 2022, no Território Livre do Largo de São Francisco, foram reafirmados os princípios que há quase 200 anos pautam nossa Faculdade. A leitura da Carta pela Democracia foi um passo fundamental para salvá-la.

Por tudo isso, me causou grande  tristeza e pasmo ver, desde ontem, registros de intolerância, violência e intransigência praticados dentro da faculdade e, pior, causados por atores que dela fazem parte.

Fotos de mobiliário empilhado, a impedir o acesso ao prédio. Notas em instâncias de representação de estudantes ameaçando professores que desejassem cumprir seus deveres docentes.

O espaço da faculdade ocupado, vandalizado. A ameaça de violência contra quem não aquiescesse com a posição dos ocupantes. A intransigência, narrada em nota da Diretoria, a revelação feita pelos estudantes da pós-graduação de que teriam que negociar com os ocupantes para poder acessar a biblioteca e a secretaria para depositar seus trabalhos com prazo em curso. Comportamentos que não se coadunam com o que foi e é a Faculdade de Direito.

Estas tristes manifestações me levam a perguntar: em quê tais manifestações são diferentes daquelas das hordas de vândalos do 8 de janeiro?

Spacca

Diz-se a que a causa a  mover os vândalos de hoje é justa. Não se nega que muitas reivindicações são pertinentes e necessárias. Como também podemos discutir a velocidade birrenta que exigem ver tudo implementado para ontem. Mas a justiça da causa não pode legitimar a violência, a intolerância, a interdição ao diálogo.

Muitos vândalos de 8 de janeiro também imaginavam serem suas causas justas.

Legitimar a violência pela causa a que se presta é a negação da democracia na sua essência.

Há quase 40 anos vivo o Largo de São Francisco. Frequentei as Arcadas como secundarista nas Diretas, estudante de graduação, dirigente estudantil, representante discente em Departamentos e junto à congregação, estudante de pós-graduação, professor e diretor.

Nestas quase quatro décadas fiz assembleias e organizei  greves. Passei por muitos momentos felizes, vários  embates, duros enfrentamentos. Mas não me recordo de ver a faculdade tão distante dos seus ideais. Tão desconectada como espaço do exercício democrático.

Quando os estudantes, embevecidos, ilustram suas  manifestações com uma pilha de carteiras amontoadas, inevitavelmente recordam os vândalos patriotas a publicar nas redes seus feitos destrutivos na sede dos Poderes. Inacreditável estudantes se vangloriarem da violência e destruição. Lembram aquele grotesco manifestante a quebrar o relógio centenário no Planalto. Também ele poderia dizer que o palácio é o símbolo da opressão que se impôs sobre o povo brasileiro desde a colônia e a escravidão.

A nota dos estudantes dizendo que as Arcadas não são um local democrático é tão insubsistente como assustadora. A bicentenária Faculdade de Direito traz em si suas contradições. Foi epicentro das elites rurais, mas também o ninho do abolicionismo. Lutou contra todas as ditaduras, embora tenha fornecido quadros para regimes ditatoriais. Isso é nossa história, dialética mas dialógica. Quem não entende isso, não entendeu nada.

Não é a primeira, nem será a última greve por que passamos. Espero, porém, que seja a última oportunidade em que assisto o Território Livre não ser livre, o Prédio Histórico ser reduzido a escombros da dignidade democrática e os professores e alunos impedidos de dialogar pela violência daqueles que não prezam o diálogo.

Que seja breve o desvario vandalizante. As Arcadas não se construíram com carteiras empilhadas

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