Opinião

Conceito de consumidor e relação jurídica entre locadoras e motoristas de aplicativo

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27 de setembro de 2023, 9h20

O crescimento dos motoristas de aplicativos que locam veículos para o exercício da atividade acabou por estabelecer um novo modelo de negócio: contrato de locação de veículo, entre locadora e pessoa física, no qual a pessoa física utiliza o veículo como motorista de aplicativo, ou seja, para atividade remunerada.

Desse novo modelo de negócio surgiu um debate: o contrato de locação de veículo entre locadora de veículo e motorista de aplicativo caracteriza um contrato de consumo?

Para analisar a questão, importante abordarmos as teorias sobre o conceito de consumidor e acórdãos recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O Código de Defesa do Consumidor traz quatro conceitos de consumidor que estão previstas nos artigo 2º, caput, artigo 2º, parágrafo único, artigo 17 e artigo 29.

Considerando o tema em debate, exclui-se, de plano, os conceitos de consumidor trazidos pelos artigo 2º, parágrafo único, artigo 17 e artigo 29, CDC.

Nestes termos, de acordo com o artigo 2º, caput "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

Para tanto, vale mencionarmos que existem três teorias para conceituar consumidor, são elas: teoria maximalista; teoria finalista e a teoria finalista mitigada.

A teoria finalista define que o destinatário final é todo sujeito que adquire ou utiliza produto ou serviço para uso próprio, sem utilizá-lo para finalidade produtiva ou econômica, encerrando o ciclo econômico. Essa teoria restringe os sujeitos que podem ser considerados consumidores.

Para a teoria maximalista, destinatário final é todo aquele que adquire produto ou serviço para uso próprio, ainda que pretenda atribuir finalidade econômica. Segundo essa teoria, um empresário que adquire máquinas para sua indústria, com objetivo de produzir e vender, é caracterizado como consumidor.

Já a teoria finalista mitigada ou aprofundada, adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, entende que consumidor é tanto aquele que adquire produto ou serviço para uso próprio e sem destinação econômica, como quem os utiliza com finalidade econômica, porém com vulnerabilidade.

Para essa teoria, existindo desiquilíbrio, ou seja, vulnerabilidade entre a pessoa física ou jurídica e o fornecedor, existirá relação de consumo. Trata-se de teoria intermediária, condicionada a verificação de vulnerabilidade, para caracterizar a pessoa física ou jurídica como consumidora.

Diante das teorias expostas, conclui-se que a pessoa física que aluga veículo para utilizá-lo como motorista de aplicativo não pode ser considerada consumidora pela teoria finalista, já que a utilização do veículo se destina à finalidade econômica e produtiva, portanto, segundo essa teoria, inexiste a figura do consumidor e, consequentemente, relação de consumo.

Por outro lado, para a teoria maximalista (que muito remotamente é adotada), independentemente da finalidade que se destina a locação do veículo, o motorista de aplicativo pode ser caracterizado consumidor.

Já para a teoria finalista mitigada, o enquadramento da pessoa física que aluga veículo para utilizá-lo como motorista de aplicativo como consumidor, dependerá da análise da presença ou não de vulnerabilidade. Caso comprovada, poderá ser caracterizada a relação de consumo.

Vale mencionar que o Tribunal de Justiça de São Paulo, em recentes decisões, entendeu pela inexistência de relação de consumo entre locadora de veículo e motorista de aplicativo.

Entre outros, temos alguns fundamentos para essa conclusão: 1) o motorista de aplicativo não é destinatário final do bem e utiliza o veículo para exercício de atividade remunerada [1]; 2) o motorista de aplicativo utiliza o veículo para incremento de atividade lucrativa, não se comportando como destinatário final do produto [2]; 3) trata-se de insumo empregado para desenvolvimento de seu labor, relação com natureza de insumo e não de consumo [3].

Diante disso, nota-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo adota a teoria finalista para fins de conceito de consumidor, descaracterizando a relação de consumo entre motoristas de aplicativo e locadora de veículos.

Em razão da inaplicabilidade do Código de defesa do consumidor nos contratos de locação de veículo firmados com motoristas de aplicativo, aplica-se, portanto, o Código Civil e, por consequência, a responsabilidade subjetiva.

Outro desdobramento desse entendimento é que o locatário (motorista de aplicativo) perde o benefício processual de inversão do ônus da prova, sujeitando-se as regras ordinárias do Código de Processo Civil, cabendo ao motorista a prova do dano, da culpa e do nexo causal.

Nestes termos, importante averiguar se caracterizada ou não a relação de consumo para fins de aplicação do CDC, de forma que não reste banalizada a aplicação do CDC aos que auferem renda e remuneração com a utilização do bem locado.

 


[1] (TJSP; Apelação Cível 1003380-26.2022.8.26.0266; relator (a): Ana Lucia Romanhole Martucci; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itanhaém  1ª Vara; Data do Julgamento: 07/12/2022; Data de Registro: 07/12/2022)

[2] (TJSP; Apelação Cível 1008575-22.2020.8.26.0020; relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XII  Nossa Senhora do Ó  1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/03/2022; Data de Registro: 29/03/2022).

[3] (TJSP; Apelação Cível 1018060-34.2019.8.26.0003; relator (a): Carlos Dias Motta; Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III  Jabaquara  3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/03/2022; Data de Registro: 18/03/2022).

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