IN RFB 2.212 e proibição de tomada de crédito sobre IPI não recuperável
26 de setembro de 2023, 13h18
O aproveitamento de créditos de PIS e Cofins sempre foi tema controverso na doutrina e jurisprudência. Isso porque faz parte da sistemática não cumulativa dessas contribuições a possibilidade de tomada de créditos sobre certos custos e despesas, tais como o IPI não recuperável, que era admitido pela Receita Federal.
Entretanto, com a entrada em vigor da Instrução Normativa (IN) RFB nº 2.212/2022, alterada pela Instrução Normativa RFB nº 2152/2023, houve alteração significativa no tratamento dado aos créditos de PIS e Cofins, tendo em vista que o artigo 171, parágrafo único, inciso III [1], passou a prever que não geram direito a crédito de PIS e Cofins o IPI incidente na venda de bem, sem, contudo, excetuar o IPI não recuperável.
Por consequência, a Receita acabou contrariando seus entendimentos anteriores e trazendo um cenário de grande insegurança aos contribuintes.
Mas afinal, o que é o IPI não recuperável?
O IPI não recuperável é o que o valor desse imposto recolhido pelo fornecedor ou pela indústria que não pode ser compensado, na operação posterior, com débitos do mesmo tributo pelo adquirente.
Assim, diante da impossibilidade de aproveitamento dos créditos de IPI em suas operações próprias, o imposto torna-se não recuperável na escrita fiscal do adquirente, o que permitia, até a entrada em vigor da Instrução Normativa RFB nº 2.212/2022, a inclusão do IPI não recuperável nos créditos de PIS e Cofins.
A razão para a inclusão desses valores na base de créditos das contribuições ao PIS e a Cofins se dá pela própria lógica da sistemática não cumulativa e pelo fato de o IPI não recuperável integrar o custo de aquisição de bens.
Qual era o entendimento da Receita até a entrada em vigor da IN 2.212?
Antes da entrada em vigor da Instrução Normativa RFB nº 2.212/2022, as INs que regulavam o PIS e Cofins não cumulativos previam expressamente que o IPI não recuperável iria compor o cálculo dos créditos das contribuições. É o caso da IN SRF nº 247/2002 [2] e da IN SRF nº 404/2004 [3] e, posteriormente, a IN SRF nº 1911/2019 [4], que revogou as Instruções Normativas mencionadas anteriormente.
Além desses dispositivos legais, a Receita já havia se posicionado sobre a inclusão do IPI não recuperável no cálculo dos créditos de PIS e Cofins tanto por meio do "Perguntas e Respostas – Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (2012)" [5] quanto por meio da Solução de Consulta Cosit nº 579/2017 [6] e, mais recentemente, a Solução de Consulta Cosit nº 30/2023 [7].
Nos dois casos, a Receita foi expressa ao admitir que o IPI não recuperável constitui custo de aquisição das mercadorias revendidas no caso de estabelecimentos não industriais ou equiparados a industrial, ou seja, não contribuintes de IPI.
Contudo, com a IN 2.212, ao não excepcionar as parcelas referentes ao IPI não recuperável, a Receita acabou por extrapolar a sua competência regulatória e, com posição divergente de seus entendimentos anteriores, alterou a forma de cálculo dos créditos e levou a um aumento da carga tributária de PIS e Cofins.
Quais as controvérsias da IN nº 2.212/2022 para fins de tomada de créditos de PIS e Cofins sobre o IPI não recuperável?
Conforme mencionado, a impossibilidade de tomada de crédito de PIS e Cofins sobre as parcelas referentes ao IPI não recuperável tem como consequência um aumento, para os adquirentes, do custo tributário relacionado a essas contribuições. Contudo, a entrada em vigor da IN RFB nº 2.212/2022 traz uma série de discussões do ponto de vista tributário, especialmente, no que diz respeito à ofensa a diversos princípios constitucionais.
Em primeiro lugar, vale mencionar que as alterações previstas pelo artigo 171, parágrafo único, inciso III, da IN, representam ofensa direta aos princípios da legalidade e não cumulatividade, uma vez que permanecem inalterados tanto o artigo 3º, I da Lei nº 10.637/02 quanto o artigo 3º, I da Lei nº 10.833/03 [8], que permitem a possibilidade de tomada de créditos sobre despesas irrecuperáveis.
É importante destacar que o IPI, quando não recuperável na escrita fiscal, integra o custo de aquisição desses bens, conforme se extrai do conceito de custo de aquisição previsto no artigo 301, §3º do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/18) [9].
Ou seja, se os impostos recuperáveis por meio de créditos na escrita fiscal não integram o custo de aquisição, não é correto admitir que o IPI não recuperável deixe de integrá-lo, sobretudo ao se considerar que não é possível que o adquirente (não contribuinte do IPI) "recupere" o ônus econômico gerado. A contrariedade da disposição da IN RFB nº 2.121/2022 às Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03 representaram claro conflito entre normas, uma vez que uma norma infralegal traz previsões contrárias à Lei Ordinária.
Além da violação ao princípio da legalidade (artigo 37, caput, da Constituição e artigo 97, II do CTN), é possível verificar que a IN RFB nº 2.121/2022 acaba por ferir também o princípio da capacidade contributiva. A razão para isso é que, conforme já mencionado, a vedação à inclusão do IPI não recuperável na base dos créditos de PIS e Cofins representa uma majoração indireta da carga tributária dessas contribuições.
Adicionalmente, faz-se necessário ressaltar que, por ocasionar um aumento da carga tributária, o mencionado dispositivo deve observância, ainda, ao princípio da anterioridade nonagesimal, conforme preveem os artigos 150, inciso III, alínea "c" e o artigo 195, §6º, da Constituição de 1988.
Sob esse ponto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5.277/DF [10], já entendeu que a redução e a majoração das alíquotas das contribuições ao PIS e Cofins, realizadas por ato infralegal expedido por Decreto do Poder Executivo, não afasta a necessidade de observância ao Princípio da Anterioridade Nonagesimal. No entanto, o artigo 811 da Instrução Normativa RFB nº 2.121/2022 previu que as alterações realizadas passassem a vigorar na data de sua publicação, em total descompasso também com o princípio da anterioridade nonagesimal.
O que os tribunais vêm entendendo sobre o assunto?
O IN RFB nº 2.121/2022 tenha vedado a possibilidade de creditamento de PIS e Cofins sobre o IPI não recuperável, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) [11] — responsável pelo julgamento de recursos administrativos no âmbito da Receita — em momento anterior a publicação da IN RFB nº 2.121/2022, havia proferido entendimento quanto à possibilidade de inclusão do IPI não recuperável na base dos créditos de PIS e Cofins.
No Judiciário, após a publicação da IN RFB nº 2.121/2022, é possível observar diversas ações discutindo a questão. Recentemente, foram proferidas decisões no Tribunal Regional da 3ª Região, reconhecendo a ilegalidade do dispositivo da IN RFB nº 2.121/2022, reconhecendo a possibilidade de creditamento de PIS e Cofins sobre o IPI não recuperável [12].
No TRF-6 e no TRF-1, identificam-se tanto decisões favoráveis [13] quanto desfavoráveis [14] sobre o creditamento de PIS e Cofins relativamente à parcela de IPI não recuperável.
Por fim, embora a possibilidade de creditamento de PIS e Cofins sobre o IPI não recuperável ainda não tenha alcançado o Superior Tribunal de Justiça (STJ), pode-se identificar semelhanças com as tratativas sobre a inclusão ou não do ICMS-ST na base de cálculo do PIS e da Cofins. Sobre esta discussão, cabe lembrar o posicionamento favorável aos contribuintes no âmbito da primeira turma do STJ [15].
Assim como o IPI não recuperável, a discussão envolvendo o ICMS-ST diz respeito a inclusão do imposto no custo de aquisição de mercadorias e, por consequência, na base de cálculo dos créditos de PIS e Cofins. Desse modo, o reconhecimento de que o imposto está incluído no custo de aquisição de uma mercadoria — tal como já fez a Receita em inúmeros posicionamentos anteriores — tem como consequência lógica que tais valores sejam passíveis de creditamento para fins de apuração das contribuições ao PIS e a Cofins.
Nesse sentido, considerando os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais violados, bem como o entendimento consolidado no âmbito da Receita , até a publicação da IN RFB nº 2.121/2022, a perspectiva é que a discussão envolvendo a possibilidade de inclusão do IPI não recuperável no cálculo dos créditos de PIS e Cofins ganhe ainda mais força no Judiciário.
De qualquer modo, ainda se aguarda um posicionamento expresso da Receita — seja por meio de Solução de Consulta ou pela edição de nova Instrução Normativa – sobre a questão, reconhecendo a possibilidade de tomada de créditos de PIS e Cofins sobre as parcelas referentes ao IPI não recuperável.
[1] "Artigo 171. Para efeito de cálculo dos créditos de que trata esta Seção, integram o valor de aquisição:
[…]
Parágrafo único. Não geram direito a crédito:
[…]
III – o IPI incidente na venda pelo fornecedor".
[2] "Artigo 66. A pessoa jurídica que apura o PIS/Pasep não-cumulativo com a alíquota prevista no artigo 60 pode descontar créditos, determinados mediante a aplicação da mesma alíquota, sobre os valores:
a) de bens para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos nos incisos III e IV do artigo 19;
b) de bens e serviços utilizados como insumos na fabricação de produtos destinados à venda ou na prestação de serviços, inclusive combustíveis e lubrificantes;
b) de bens e serviços, inclusive combustíveis e lubrificantes, utilizados como insumos:
§3º O IPI incidente na aquisição, quando recuperável, não integra o custo dos bens, para efeitos do disposto no inciso I".
[3] "Artigo 8º Do valor apurado na forma do artigo 7º, a pessoa jurídica pode descontar créditos, determinados mediante a aplicação da mesma alíquota, sobre os valores:
I – das aquisições efetuadas no mês:
a) de bens para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos nos incisos III e IV do §1º do artigo 4º;
b) de bens e serviços, inclusive combustíveis e lubrificantes, utilizados como insumos: b.1) na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda; ou b.2) na prestação de serviços;
[…]
§3º Para efeitos do disposto no inciso I, deve ser observado que:
I – o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente na aquisição, quando recuperável, não integra o valor do custo dos bens;".
[4] "Artigo 167. Para efeitos de cálculo dos créditos decorrentes da aquisição de insumos, bens para revenda ou bens destinados ao ativo imobilizado, integram o valor de aquisição (Lei nº 10.637, de 2002, artigo 3º, caput, inciso I, com redação dada pela Lei nº 11.787, de 2008, artigo 4º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, artigo 37, inciso VI, com redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005, artigo 45, e inciso VII; e Lei nº 10.833, de 2003, artigo 3º, caput, incisos I, com redação dada pela Lei nº 11.787, artigo 5º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, artigo 21, inciso VI, com redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005, artigo 43, e inciso VII):
I – o seguro e o frete pagos na aquisição, quando suportados pelo comprador; e
II – o IPI incidente na aquisição, quando não recuperável".
[5] "053 O ICMS e o IPI integram os valores das aquisições de bens para revenda e de bens e serviços utilizados como insumos na produção ou fabricação de produtos destinados à venda ou na prestação de serviços para efeito de cálculo do crédito, na forma dos incisos I e II do artigo 3º da Lei nº 10.637, de 2002 e incisos I e II do artigo 3º da Lei nº 10.833, de 2003?
[…]
De outra parte, o IPI a que alude o inciso I do §3º do artigo 25 da IN RFB nº 2.121, de 2022,
cujo valor não integra a base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, é o IPI cobrado, destacadamente, do comprador pelo estabelecimento da pessoa jurídica na condição de contribuinte desse imposto, por ocasião da venda das mercadorias, consoante está posto no §4º do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977 ('Na receita bruta não se incluem os tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços na condição de mero depositário'.), artigo esse que define receita bruta e ao qual remetem o caput do artigo 3º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, o §1º do artigo 1º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e o §1º do artigo 1º da Lei e nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003".
[6] "ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – Cofins
EMENTA; NÃO CUMULATIVIDADE. IPI NÃO RECUPERÁVEL. CREDITAMENTO.
O IPI não recuperável integra o valor de aquisição de bens para efeito de cálculo do crédito da Cofins na sistemática não cumulativa.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 10.833, de 2003, artigo 3º; IN SRF nº 404, de 2004, artigo 8º, §3º, I.
ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP
EMENTA: NÃO CUMULATIVIDADE. IPI NÃO RECUPERÁVEL. CREDITAMENTO.
O IPI não recuperável integra o valor de aquisições de bens para efeito de cálculo do crédito da Contribuição para o PIS/Pasep na sistemática não cumulativa.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 10.637, de 2002, artigo 3º; IN SRF nº 247, de 2002, artigo 66º, § 3º'.
[7] "Partindo-se, portanto, da premissa indigitada no parágrafo anterior, cabe esclarecer à interessada que, não sendo industrial nem equiparado a industrial, o estabelecimento não figura como contribuinte do IPI. Assim, o valor deste imposto pago na aquisição de mercadorias, relativo ao que incidiu na etapa anterior, constitui custo das mercadorias revendidas, nos termos do caput do artigo 13 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977 ('O custo de aquisição de mercadorias destinadas à revenda compreenderá os de transporte e seguro até o estabelecimento do contribuinte e os tributos devidos na aquisição ou importação')".
[8] "Artigo 3º Do valor apurado na forma do artigo 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
I – bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: […]".
[9] "Artigo 301. O custo das mercadorias revendidas e das matérias-primas utilizadas será determinado com base em registro permanente de estoques ou no valor dos estoques existentes, de acordo com o livro de inventário, no fim do período de apuração
[…]
§3º Os impostos recuperáveis por meio de créditos na escrita fiscal não integram o custo de aquisição".
[10] ADI 5277, relator(a): Dias Toffoli, Tribunal Pleno, Julgado em 10/12/2020, Processo Eletrônico Dje-057 Divulg 24-03-2021. Public 25-03-2021.
[11] Acórdão nº 3301-011.667. Recurso Voluntário. Relator: Marco Antonio Marinho Nunes. Sessão de 14/12/2021.
[12] TRF-3: Processo nº 5012622-34.2023.4.03.6100, decisão publicada em 03/05/2023.
TRF-3: Processo nº 5000022-51.2023.4.03.6109, sentença publicada em 11/05/2023.
[13] TRF-6: Processo nº 1041745-77.2023.4.06.3800, decisão publicada em 19/05/2023.
[14] TRF-6: Processo nº 1005153-28.2023.4.06.3802, decisão publicada em 23/06/2023.
TRF-1: Processo nº 1029433-37.2023.4.01.3500, decisão publicada em 23/06/2023.
[15] AgInt no REsp n. 1.967.683/RS, relatora ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 14/10/2022.
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