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Consultor Jurídico

Adhara Vieira: A não equidade de gênero na cúpula do Judiciário

24 de setembro de 2023, 6h32

Por Adhara Campos Vieira

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O governo federal, com o objetivo de garantir a igualdade salarial entre homens e mulheres, sancionou o Projeto de Lei n° 1.085/2023, convertido na Lei nº 14.611, de 3/7/2023. A nova lei prevê a igualdade salarial de forma obrigatória e critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função.

Em verdade, a obrigatoriedade do salário igual para trabalho igual entre mulheres e homens existe desde 1943 no Brasil, com a implementação da CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho, mas a nova lei visa trazer efetividade e controle.

Pelo novo texto, empresas com cem ou mais funcionários devem fornecer relatórios semestrais transparentes sobre salários e critérios de remuneração. Esses relatórios irão conter informações para comparar salários e remunerações entre homens e mulheres de forma objetiva, permitindo um protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial. Caso haja alguma irregularidade, há previsão de punições administrativas. A lei prevê ainda indenização por danos morais em situações de discriminação por sexo, raça, etnia, origem ou idade.

Ademais, há previsão de que “o Poder Executivo federal disponibilizará de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, as informações fornecidas pelas empresas, e indicadores atualizados periodicamente sobre o mercado de trabalho e renda por sexo, inclusive com indicadores de violência contra a mulher, de vagas em creches públicas, de acesso à formação técnica e superior e de serviços de saúde, bem como outros dados públicos que possam orientar a elaboração de políticas públicas” [1].

Além do critério salarial, dentro deste olhar de construção de políticas públicas que visem implementar maior equidade de gênero no Brasil, é importante pensar também a questão da representatividade e da participação das mulheres no mercado de trabalho, no mundo dos negócios e nos espaços de poder.

Spacca

No Brasil, segundo dados divulgados em 2021 pelo IBGE, o nível de escolaridade das mulheres é mais elevado que o dos homens. Entre as mulheres, de 18 a 24 anos, 29,75% frequentaram o ensino superior, enquanto entre os homens nesta faixa etária, 21,5%. Apesar da escolaridade maior, observa-se que nem sempre o mercado de trabalho e o mundo dos negócios refletem essa situação. Os dados históricos revelam que as mulheres possuem menor participação na força de  trabalho, com 54,5% de participação contra 73,7% dos homens. E a situação piora quando olhamos para os patamares mais altos das organizações, visto que há bem menos participação em cargos gerenciais, detendo 37,4% de participação contra 62,6% dos homens [2].

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa [3], o Brasil está abaixo da média mundial de participação de mulheres nos Conselhos de Administração, ocupando, atualmente, 14,3% das cadeiras dos Conselhos de Administração no Brasil contra 11,5% no ano de 2020.

Tal disparidade nos espaços democráticos e de igualdade entre homens e mulheres também aparece na esfera pública. Com efeito, tem aumentado de forma expressiva a aprovação de mulheres nos concursos destinados ao ingresso nas carreiras da magistratura. A esse respeito, conforme dados do e-gestão [4], programa que agrega dados estatísticos, na primeira instância da Justiça do Trabalho, o número de mulheres teria equiparado ou até mesmo superado o de homens. Ocorre, todavia, que nos órgãos colegiados que caracterizam as instâncias médias e superiores do Poder Judiciário, bem como no próprio TST, a participação das mulheres ainda tem sido muito limitada.

Conforme dados do e-gestão, em maio de 2023, as mulheres representam na justiça do trabalho 41,6% do total de cargos providos para desembargadores por sexo contra 62,2% de cargos providos por homens. Já na carreira inicial da magistratura (juízes e juízas) este número encontra-se em percentuais quase equânimes ou de número maior de juízas.

Ademais, “em pesquisa realizada pela Enfam no ano de 2022, tendo como referência o período de 2004 a julho de 2022, na composição do Conselho Nacional de Justiça, órgão que tem competências definidas constitucionalmente, sendo estas ligadas ao controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário, bem como a garantia do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, de 120 magistrados, tivemos apenas 24 mulheres no quadro do órgão, contra 96 homens, o que resulta um histórico consolidado de 20% de participação feminina. Se analisarmos o Supremo Tribunal Federal, Corte máxima da esfera judicial, temos um histórico de 167 ministros e apenas 3 ministras na história da Corte Suprema, o que redunda em um percentual ínfimo de 1,8% de participação feminina. O Tribunal Superior do Trabalho, órgão de cúpula da Justiça do Trabalho, por sua vez, reuniu 155 Ministros (as), sendo 145 ministros para 10 ministras, o que correspondeu a um percentual de apenas 6,45% de participação feminina ao longo da história” [5]. Esses dados sobre representatividade feminina revela a assimetria na ocupação de cargos no Poder Judiciário.

Tal discussão está à tona, atual e presente tendo em vista a proximidade da aposentadoria da ministra Rosa Weber, que atualmente preside o Conselho Nacional de Justiça. Este fato retoma o debate sobre a falta de representatividade feminina nos tribunais. Caso Lula indique um homem para o lugar de Rosa Weber, irá reduzir ainda mais a tão exígua representatividade feminina.

Vale destacar que o CNJ discute neste mês uma proposta que cria critérios para promover a igualdade de gênero na magistratura. A iniciativa é de relatoria da desembargadora federal da 4ª Região, Salise Sanchotene, que integra o CNJ, e sugere a abertura de editais alternados para a formação de listas mistas e exclusivas de mulheres, até o atingimento de paridade de gênero nos tribunais.

Pois bem.

A Constituição estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil o de reduzir as desigualdades sociais (artigo 5º, I, da Constituição Federal de 1988). E, entre essas, encontra-se a desigualdade de gêneros. A igualdade de gênero constitui expressão da cidadania e dignidade humana, princípios fundamentais da República Federativa do Brasil e valores do Estado Democrático de Direito.

Internacionalmente, o Brasil ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002). Ademais, a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas prevê, em seu 5º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), alcançar a igualdade de gênero, refletindo a crescente evidência de que esta igualdade tem efeitos multiplicadores e benefícios no desenvolvimento sustentável pela participação na política, na economia e em diversas áreas de tomada de decisão. Tal inclusão também busca garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para liderança em todos os níveis de tomada de decisão na esfera pública.

A Resolução Nº 255 de 4/9/2018, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário, prevê que todos os ramos e unidades do Poder Judiciário deverão adotar medidas tendentes a assegurar a igualdade de gênero no ambiente institucional, propondo diretrizes e mecanismos que orientem os órgãos judiciais a atuar para incentivar a participação de mulheres nos cargos de chefia e assessoramento, em bancas de concurso e como expositoras em eventos institucionais.

Conforme Ato CSJT nº 24/2014 (artigo 18), um dos eixos de atuação da Política Nacional de Responsabilidade Socioambiental da Justiça do Trabalho é a proteção aos Direitos Humanos, sendo certo que a igualdade de gênero constitui expressão da cidadania e dignidade humana, princípios fundamentais da República Federativa do Brasil e valores do Estado Democrático de Direito.

Assim, todos os ramos e unidades do Poder Judiciário deverão adotar medidas tendentes a assegurar a igualdade de gênero no ambiente institucional, propondo diretrizes e mecanismos que orientem os órgãos judiciais a atuar para incentivar a participação de mulheres nos cargos de chefia e assessoramento.

Atualmente, um quinto dos lugares dos tribunais regionais federais e dos tribunais de Justiça deve ser composto de membros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados pelos órgãos de representação das respectivas classes por meio de lista sêxtupla.

Nesse sentido, nada mais justo e atual que os Conselhos de cúpula da Justiça estudem a possibilidade de edição de ato normativo no âmbito de primeiro e segundo graus, a fim de propor a inclusão de autoridades mulheres na regra do chamado quinto constitucional, previsto no artigo 94 da Constituição até se atingir a equidade de gênero entre desembargadores e ministros.

Tal sugestão e recomendação aos tribunais visa garantir expressamente a participação de mulheres nas listas destinadas à escolha dos seus integrantes até se atingir a equidade de gênero entre desembargadores e desembargadoras. É importante que a regra seja aplicada aos Tribunais de Justiça dos estados e aos federais e regionais trabalhistas. No mesmo sentido, seria interessante seguir tal diretriz na composição da lista de ministros e ministras das cortes superiores.

Urge então adotar medidas que modifiquem essa situação de não equidade e que favoreçam uma maior participação das mulheres nos tribunais, a fim de dar efetividade a direitos fundamentais na cúpula do Judiciário.

Este é um tema que não pode mais ser desconsiderado, protelado ou negligenciado pela magistratura e pela sociedade. Afinal, não basta criar políticas públicas de inclusão de mulheres voltada à sociedade se dentro das instituições de justiça não houver promoção de medidas destinadas a incentivar e ampliar a participação das mulheres na vida pública nacional. A lição que fica é a antiga: vamos primeiro por a casa em ordem, depois saímos para contribuir fora de nossos portais.

 


[2] IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil. 2ª edição, 2021. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdf Acesso em 1º março 2023.

[3] ALVES, Gabriele. “Mulheres ocupam 14,3% das posições em conselhos no Brasil”. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Data 26/08/2021. Disponível em https://www.ibgc.org.br/blog/pesquisa-diversidade-mulheres-conselhos-no-Brasil. Acesso em 27 fev 2023.

[4] Sistema de informações judiciárias da Justiça do Trabalho.

[5] VIEIRA, Adhara. “A participação feminina e a agenda ESG nos negócios”. Disponível em: https://cndl.org.br/varejosa/a-participacao-feminina-e-a-agenda-esg-nos-negocios/