Direito Civil Atual

Dez anos da morte de Ronald Coase

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4 de setembro de 2023, 13h26

Há uma década morria o economista Ronald Harry Coase (Londres, 29/12/1910 – Chicago, 2/9/2013), precursor da Nova Economia Institucional.

ConJur
Laureado em 1991 com o Prêmio do Banco da Suécia para as Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, Coase reaproximou Economia e Direito, missão que nem sempre foi bem assimilada por seus colegas de docência na conceituada London School of Economics.

O apreço pelo American way of life e a perspectiva de expor seu pensamento a um público mais aberto levam-no a imigrar para os Estados Unidos em 1951, recomeçando a carreira acadêmica na, então pouco conhecida, Universidade de Buffalo. A mudança para Chicago viria somente em 1964, quando aceita o convite para assumir, com Aaron Director, a edição do renomado The Journal of Law and Economics, onde trabalhou até 1982.

Em O Problema do Custo Social, de 1960, trabalho inovador e com o maior número de referências na literatura econômica, Ronald Coase desenvolve o conceito denominado "Teorema de Coase", além de convocar os juristas a buscarem a solução para os conflitos fora do rígido formato judicial:

"Não basta o standard segundo o qual certos tipos de imposições governamentais (por exemplo, os impostos) refrearão atores do mercado cujas ações tenham efeitos prejudiciais (fatores externos negativos) sobre terceiros. Se os custos de transação forem zero (ou quase zero), as negociações entre as partes levarão a acordos que maximizem a riqueza, independentemente da atribuição inicial de direitos. Se houver liberdade de negociação entre as partes, se os direitos de propriedade estiverem bem definidos e os custos de transação forem zero ou muito baixos, o que importa realmente será a alocação ótima desses recursos."  [1]

Esse artigo de 1960, que, de início, foi contestado pelos economistas da Universidade de Chicago, significou, logo em seguida, uma mudança da usual orientação de Arthur Pigou.

Discípulo e sucessor de Alfred Marshall na cátedra de Economia Política da Universidade de Cambridge, Pigou ficou conhecido como o criador da Escola de Economia de Cambridge, sendo estudioso da Economia do Bem-Estar e responsável por desenvolver a ideia de externalidade de Marshall. O conceito de taxa pigouviana (ou imposto pigouviano) foi severamente criticado por Coase, para quem, em matéria de externalidades negativas, importam menos os subsídios e impostos e mais a transação entre as partes.

Ronald Coase defende que as partes podem obter acordos satisfatórios sem a ingerência de terceiros (como o Governo e o Judiciário), visto que a atuação destes tende a aumentar ainda mais os custos de transação. Essa mudança de paradigma trazida por Coase em relação ao pensamento de Pigou foi reconhecida, inclusive, por Milton Friedman e George Stigler, representando, assim, um marco para os estudos econômicos.

A base da compreensão do "Teorema de Coase" passa exatamente por entender que a regulação governamental nem sempre se deve sobrepor à vontade de particulares que tenham reivindicações entre si, pois a questão decisiva é a redução dos custos de transação (e não a solução de demandas entre particulares, os quais podem muito bem se dispor a um consenso extrajudicial, sem os ônus da movimentação da máquina pública).

Deve-se a Coase grande parte dos esclarecimentos sobre a função dos custos de transação e dos direitos de propriedade na estrutura institucional e no funcionamento da economia (em especial, da microeconomia): o objeto principal do comércio não são os bens considerados em si mesmos, mas sim os direitos definidos e geridos pelo ordenamento jurídico. Logo, Economia e Direito não se devem ignorar mutuamente (sobretudo por serem ciências com efeitos práticos na sociedade).

Quando jovem, Ronald Coase imaginava que seus últimos anos seriam dedicados a escrever a biografia de Alfred Marshall. Embora tenha reunido o material para tanto, essa obra biográfica não foi adiante, porque as investigações econômicas propriamente ditas sempre lhe exigiram tempo. Na verdade, Coase passou seus últimos anos  escrevendo, em coautoria com Ning Wang, estas que seriam suas últimas obras: The Industrial Structure of Production  a Research Agenda for Innovation in an Entrepreneurial Economy (2011) e How China Became Capitalist (2012).

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O britânico Ronald Coase (1910-2013)
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Desde o ano 2000, está em atividade o Ronald Coase Institute, organização criada com o fim de reunir o acervo biográfico e bibliográfico do economista, assim como de coordenar pesquisas e ações de docentes e bolsistas dedicados à sua vida e à sua obra. A Universidade de Chicago também criou o Coase-Sandor Institute of Law and Economics, que visa à conservação do espólio intelectual do autor.

Em 2 de setembro de 2013, Coase faleceu em Chicago, deixando um fértil legado literário para os interessados em pesquisar as relações (muito próximas) entre Economia e Direito, duas ciências que, inevitavelmente, lidam com a realidade e as escolhas humanas.

Entre seus estudos mais importantes para os profissionais da área jurídica, estão: The Nature of the Firm (1937); The Problem of Social Cost (1960); e The Lighthouse in Economics (1970).

Por iniciativa do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, e do professor Otavio Luiz Rodrigues Jr., da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), tornou-se possível a versão brasileira da obra The Firm, the Market and the Law (A Firma, o Mercado e o Direito), de Ronald Coase, que está em sua terceira edição pelo selo editorial Forense Universitária, do Grupo Editorial Nacional — GEN (Coleção Paulo Bonavides) [2].

A obra é traduzida por Heloísa Gonçalves Barbosa e integrada pela revisão de Francisco Niclós Negrão, além de contar com a revisão técnica de Alexandre Veronese, Lúcia Helena Salgado e Antônio José Maristrello Porto. É acompanhada de estudo introdutório escrito pelo ministro Antonio Carlos Ferreira, do Superior Tribunal de Justiça, e por mim, no qual registramos nossas investigações sobre esse economista indissociável do Direito.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II — Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e Ufam).

 


[1] FERREIRA, Patrícia Cândido Alves. Teorema de Coase, custos de transação e negociação entre as partes. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-mai-15/direito-civil-atual-teorema-coase-custos-transacao-negociacao-entre-partes>. Acesso em: 02/09/2023.

[2] COASE, Ronald H. A firma, o mercado e o Direito. Tradução: Heloísa Gonçalves Barbosa; revisão da tradução: Francisco Niclós Negrão; revisão final: Otavio Luiz Rodrigues Jr.; estudo introdutório: Antonio Carlos Ferreira e Patrícia Cândido Alves Ferreira. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária/GEN, Coleção Paulo Bonavides, 2022.

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