Processo Tributário

Prequestionamento ficto e estratégia para conhecimento do especial

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29 de outubro de 2023, 8h00

Se de uma lado o prequestionamento de norma federal é um dos pressupostos de admissibilidade indispensável para que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) possa julgar, em recurso especial, as causas decididas em única ou última instância pelos tribunais locais, de outro, para quem postula, cabe o ônus de previamente provocar manifestação jurisdicional acerca das questões em suas razões recursais.

Para tanto, em primeiro grau isso deve ocorrer por intermédio das alegações postas no petitório inicial dentro do tópico da causa de pedir (com indicação das razões fáticas e do direito); se perante o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal  via apelação ou agravo de instrumento , nas suas respectivas causas recursais, porque se as questões não forem previamente apreciadas nessa instância ordinária, muito provavelmente o óbice da falta de prequestionamento incidirá na espécie, acarretando, no ponto, o não conhecimento do recurso especial (Súmulas 282 [1] e 356 [2] do Supremo Tribunal Federal), quiçá implicará sua inadmissibilidade.

Ainda que em estrita observância e cumprimento de tal desiderato, não raro o recorrente se depara com acórdãos destituídos de adequada fundamentação, providência indispensável para  o exercício do direito de recorribilidade e obtenção de julgamento de mérito da causa sub judice.

Nessa hipótese, a saída é buscar a correção do vício da omissão por meio de embargos de declaração pautados no que dispõe o artigo 1.022, II do Código de Processo Civil/2015 no intuito de conferir às partes uma prestação jurisdicional completa, isto é, amplamente fundamentada, a fim de materializar o que determina o artigo 93, inciso IX, da Constituição e o inciso II do parágrafo único, do artigo 1.022 do código processual.

Importante deixar claro que os embargos de declaração, no âmbito do Tribunal de 2ª instância, para além de visar sanar o vício da omissão, servem como derradeira oportunidade de provocar o exame de elemento fático-probatório desconsiderado quando do julgamento da apelação ou do agravo de instrumento.

Mas não só. Compreendem os embargos de declaração, nessa etapa do processo, via, imprescindível, diga-se de passagem, para prequestionamento da questão (ou questões) de direito com vistas à interposição do recurso especial, dos quais o enunciado da súmula 98 [3] do STJ afasta a possibilidade de serem reputados protelatórios.

Todavia, se a despeito de todo o esforço em buscar a faltante fundamentação jurisdicional com a interposição dos embargos de declaração se perpetuar na Corte local a omissão, seja relacionada à questão fático-probatório ou ao indispensável argumento de direito, estaremos diante de hipótese de negativa de prestação jurisdicional a ensejar a interposição de recurso especial por violação do artigo 1.022 do Código de Processo Civil/2015.

A estratégia recursal toma como pressuposto a função precípua da juridição que é a de atender a finalidade máxima do processo, ou seja, promover uma solução de mérito do conflito.

Como a partir desse estágio do processo (prolação de acórdão pelo colegiado do tribunal local) não se oportunizará mais o chamado efeito regressivo, isto é, o retorno dos autos ao órgão julgador para analisar questão de fato e/ou de direito infraconstitucional federal, a solução é acessar o STJ.

Nesse ponto o prequestionamento, especialmente com a provocação via embargos de declaração, ganha contornos específicos que devem ser cuidadosamente observados na confecção das razões recursais do especial, pois seu objeto deve ser certeiro e devidamente fundamentado, haja vista a intenção de obter a anulação do acórdão recorrido (error in procedendo) ou sua reforma (error in iudicando).

Se se tratar de insurgência quanto à omissão ou desconsideração fático-probatória, o cuidado deve ser redobrado, a fim de afastar o óbice da súmula 7 [4] do STJ, havendo-se que invocar no recurso especial a alegação de violação de lei federal, especificamente do artigo 1.022 adrede referido e pleitear a anulação (caso de error in procedendo) do acórdão recorrido, a fim de que o Tribunal local, soberano na análise fático-probatória, a respeito se manifeste.

Que se tenha claro que, nessa hipótese, "a devolução dos autos à origem para a análise do tema não significa 'dizer que as questões arguidas serão acolhidas, muito menos que serão rejeitadas, o intuito do retorno dos autos é conferir às partes uma prestação jurisdicional completa e fundamentada'" [5].

Caso o debate esteja relacionado à manutenção de omissão de questão de direito infraconstitucional federal, submetida a embargos de declaração desprovidos cuja descrição do(s) fato(s) está posta no acórdão recorrido [6], deve o recurso especial conter tópico específico indicando que a questão de direito está fictamente prequestionada, o que autoriza o conhecimento e provimento do recurso no âmbito do Superior Tribunal de Justiça para reformar o acórdão recorrido (caso de error in iudicando).

É essa a inteligência do artigo 1.025, do Código de Processo Civil/2015:

"Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade."

Advirta-se: para a aplicação desse dispositivo e obtenção da reforma do acórdão recorrido é indispensável que a peça recursal contenha alegação de violação ao artigo 1.022, do Código de Processo Civil/2015.

Isto porque, a pretensão de reforma do acórdão recorrido por suposta violação/negativa de vigência à norma federal parte da premissa de que houve o prequestionamento a que se refere o artigo 1.025, com a indispensável interposição dos embargos de declaração e a demonstração da relevância e pertinência da matéria que merece ser analisada [7].

Neste sentido há julgados do STJ, muito bem representado no que se afirma no seguinte:

"A admissão de prequestionamento ficto (artigo 1.025 do CPC/15), em recurso especial, exige que no mesmo recurso seja indicada violação ao artigo 1.022 do CPC/15, para que se possibilite ao Órgão julgador verificar a existência do vício inquinado ao acórdão, que uma vez constatado, poderá dar ensejo à supressão de grau facultada pelo dispositivo de lei." [8]

Do quanto aduzido, percebe-se que obter análise de mérito no âmbito do STJ pode demandar um tratamento da peça recursal focado em disposições que regem a atuação jurisdicional, portanto, de natureza processual, não apenas do direito invocado como causa de pedir do processo (mérito do processo).

 

 


[1] É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.

[2] O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.

[3] Súmula 98, STJ: "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório".

[4] Pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

[5] AgRg no AgRg no Ag nº 869.343/SP, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 27/9/2011, DJe 4/10/2011).

[6] "Descritos os fatos no acórdão objurgado, é possível ao STJ, sem violação à Súmula nº 7, deles extrair conclusão jurídica diversa da que chegou o Tribunal estadual" (REsp 214.410/PR, relator ministro Barros Monteiro, relator p/ acórdão ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 06/11/2007, DJe de 14/04/2008). Caso em que a premissa fática adotada é, inclusive, incontroversa. (…) (AgInt no AREsp nº 1.029.346/RJ, relator ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Quarta Turma, julgado em 1/3/2018, DJe de 9/3/2018).

[7] EDcl no AgInt no AREsp nº 2.222.062/DF, relator ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/8/2023, DJe de 23/8/2023.

[8] REsp 1.639.314/MG, relatora ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4.4.2017, DJe 10.4.2017.

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