Opinião

A necessária revisão do artigo 977 do Código Civil

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18 de outubro de 2023, 19h27

Em tempos em que se fala de revisão do Código Civil, um ponto que não pode ficar de fora é a análise de seu artigo 977 e sua inconstitucionalidade em virtude do artigo 5º, caput, inciso I, da Constituição, e por ser discriminatório, extemporâneo e sexista, com a necessidade de remover a parte que estabelece restrições baseadas no regime de casamento. Assim, sem a pretensão de esgotar o tema, é necessário analisar cuidadosamente os argumentos legais e constitucionais envolvidos na questão.

A Constituição de 1988 é a pedra angular do ordenamento jurídico brasileiro e estabelece princípios fundamentais, entre eles o princípio da igualdade perante a lei, conforme disposto no artigo 5º, caput, inciso I. Este princípio proíbe qualquer forma de discriminação e estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Por outro lado, o Código Civil em seu artigo 977 estabelece restrições à atuação empresarial conjunta de cônjuges com base no regime de casamento. É patente que essa restrição é inconstitucional e discriminatória.

O artigo 977 do Código Civil estabelece que cônjuges podem atuar conjuntamente em empresas, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória. Essa distinção com base no regime de casamento é discriminatória e injustificável. Não há razão lógica para que o regime de casamento de um casal afete sua capacidade de participar de atividades econômicas. Tal discriminação fere o princípio de igualdade previsto na Constituição Federal.

Para que uma distinção baseada no estado civil seja considerada constitucional, ela deve ser justificada por uma razão legítima e necessária. No entanto, o artigo 977 não oferece uma justificativa razoável para essa restrição. A escolha do regime de casamento é uma decisão pessoal e, em muitos casos, não tem relação direta com as atividades econômicas de um casal. Portanto, a imposição de restrições com base no regime de casamento carece de justificação plausível e é desproporcional.

A própria Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) tem como objetivo promover a liberdade no exercício de atividades econômicas, eliminando barreiras e restrições desnecessárias. Essa lei reforça o princípio da igualdade de tratamento para todos os empreendedores, independentemente de seu estado civil. Portanto, o artigo 977 do Código Civil entra em conflito direto com os princípios e objetivos da Lei da Liberdade Econômica, tornando-se ainda mais inconstitucional.

Dada a clara incompatibilidade do artigo 977 do Código Civil com a Constituição Federal e a Lei da Liberdade Econômica, a propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal se faz necessária.

A ADI pode ser fundamentada na violação do artigo 5º, caput, inciso I, da Constituição Federal, que estabelece a igualdade perante a lei. Além disso, pode ser argumentado que o artigo 977 do Código Civil entra em conflito com a Lei da Liberdade Econômica, uma vez que cria restrições arbitrárias à atividade econômica com base no estado civil.

No âmbito da ADI, o pedido será a declaração de inconstitucionalidade da parte do artigo 977 que estabelece restrições com base no regime de casamento. A remoção dessa parte do dispositivo é essencial para alinhar o Código Civil com os princípios constitucionais e a legislação que busca promover a igualdade e a liberdade econômica.

A propositura de uma ADI em relação ao artigo 977 do Código Civil terá um impacto significativo na proteção dos direitos e na promoção da igualdade e liberdade econômica no Brasil.

Ao eliminar a discriminação com base no regime de casamento, a ADI assegurará que todos os cidadãos tenham igualdade de acesso às atividades econômicas, independentemente de seu estado civil. Isso é fundamental para a proteção dos direitos e para garantir que a Constituição seja efetivamente cumprida.

A ADI também contribuirá para a promoção da igualdade e liberdade econômica, princípios que são essenciais para o desenvolvimento econômico e social do país. Eliminar barreiras arbitrárias à participação econômica fortalecerá o ambiente de negócios no Brasil e fomentará a inovação e o empreendedorismo.

A necessidade de alteração do artigo 977 do Código Civil é clara, uma vez que este é incompatível com a Constituição e a Lei da Liberdade Econômica. A propositura de uma ADI pode ser um passo necessário para garantir a conformidade legal e constitucional, protegendo os direitos dos cidadãos e promovendo a igualdade e a liberdade econômica no Brasil.

Além da propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao STF para contestar a constitucionalidade do artigo 977 do Código Civil, há também a possibilidade de intervenção do Legislativo.

Esse processo também pode ser fundamental para a promoção da igualdade e liberdade econômica, e a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desempenha um papel crucial nesse contexto.

O Poder Legislativo, através de seus representantes no Congresso Nacional, possui a capacidade de promulgar leis e emendar a legislação vigente. Portanto, uma alternativa à ADI é a proposição de um projeto de lei que vise alterar o artigo 977 do Código Civil, eliminando as restrições baseadas no regime de casamento.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desempenha um papel fundamental no processo legislativo. Cabe a esta comissão a análise da constitucionalidade e legalidade dos projetos de lei, bem como a sua compatibilidade com a Constituição Federal. Portanto, qualquer projeto de lei que vise alterar o artigo 977 do Código Civil passaria por avaliação na CCJ.

Uma vez que um projeto de lei é apresentado, ele passa por diversas etapas do processo legislativo, incluindo debates, votações em comissões e em plenário. A CCJ desempenha um papel crítico na análise da constitucionalidade do projeto. Se a CCJ aprovar o projeto de lei, ele avançará para votação no plenário da Câmara dos Deputados e, posteriormente, no Senado Federal.

Um aspecto fundamental que merece destaque na discussão sobre a inconstitucionalidade do artigo 977 do Código Civil é o fato de que muitos casais contraíram matrimônio antes da promulgação da Lei do Divórcio (Lei 6.515/1977). Essa lei representou um marco na história jurídica brasileira, ao permitir o divórcio de forma mais acessível e flexível. No entanto, muitos casais que se casaram antes da entrada em vigor dessa lei ainda estão sujeitos às restrições discriminatórias do artigo 977.

Antes da Lei do Divórcio, o Brasil tinha uma legislação de divórcio extremamente restritiva, tornando a dissolução do casamento uma tarefa árdua e muitas vezes impossível. Como resultado, muitos casais que se casaram antes de 1977 estão atualmente sujeitos aos efeitos das restrições do artigo 977 do Código Civil, simplesmente devido à data de seu casamento.

Essa situação cria uma discriminação temporal injusta. Casais que se casaram após a Lei do Divórcio têm a capacidade de escolher seu regime de casamento com base em suas preferências pessoais, sem restrições. No entanto, aqueles que se casaram antes dessa lei ficam sujeitos a uma discriminação arbitrária baseada em sua data de casamento. Isso é claramente inconstitucional, pois viola o princípio da igualdade perante a lei.

O Legislativo, em particular a CCJ, tem a responsabilidade de corrigir essa injustiça. Alterar o artigo 977 do Código Civil para eliminar as restrições discriminatórias é uma forma de garantir que todos os casais, independentemente da data de seu casamento, tenham igualdade de acesso às atividades econômicas.

É fundamental lembrar que a justiça não deve ser negada com base na data de um casamento, e a legislação brasileira deve ser atualizada para refletir essa realidade. Portanto, tanto a ADI quanto a intervenção legislativa, com a atenção especial para os casais pré-Lei do Divórcio, são medidas necessárias para garantir que a igualdade e a liberdade econômica sejam promovidas para todos os brasileiros, independentemente de sua história matrimonial.

Frise-se que um elemento essencial na análise da inconstitucionalidade do artigo 977 do Código Civil é o contexto da mudança no regime de casamento no Brasil após a promulgação da Lei do Divórcio (Lei 6.515/1977). Antes dessa lei, o regime padrão de casamento era o da comunhão de bens, e após a Lei do Divórcio, passou a ser o da comunhão parcial de bens. Esta alteração na legislação matrimonial é relevante para compreender a necessidade de atualização do artigo 977.

Antes da Lei do Divórcio, o regime padrão de casamento no Brasil era o da comunhão de bens. Isso significava que, ao casar-se, os cônjuges automaticamente compartilhavam todos os seus bens, adquiridos antes ou durante o casamento. Essa regra estava em consonância com uma visão mais tradicional e sexista do casamento, na qual a união matrimonial era vista como uma fusão completa de patrimônios.

Com a promulgação da Lei do Divórcio em 1977, o Brasil passou por uma mudança significativa no regime de casamento padrão. A partir desse momento, o regime de comunhão parcial de bens tornou-se o padrão. Nesse regime, os cônjuges compartilham apenas os bens adquiridos após o casamento, mantendo seus bens anteriores como propriedade individual. Essa mudança reflete uma visão mais contemporânea do casamento, que reconhece a individualidade financeira dos cônjuges.

A mudança para o regime de comunhão parcial de bens após a Lei do Divórcio torna ainda mais evidente a discriminação do artigo 977 do Código Civil. O dispositivo estabelece restrições com base no regime de casamento, considerando o regime da comunhão universal de bens ou da separação obrigatória como critério para permitir ou não a atuação conjunta dos cônjuges em empresas. No entanto, ao considerar a nova realidade jurídica após a Lei do Divórcio, onde o regime padrão é a comunhão parcial de bens, a discriminação do artigo 977 torna-se ainda mais injustificada e incongruente com a legislação atual.

Portanto, a mudança no regime de casamento no Brasil após a Lei do Divórcio reforça a necessidade de revisão do artigo 977 do Código Civil. Este dispositivo está em descompasso com a atual realidade jurídica e não leva em consideração o regime de comunhão parcial de bens que se tornou padrão, reforçando a argumentação de que é inconstitucional e discriminatório, como discutido nas linhas anteriores.

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