Opinião

Litigância de má-fé e gratuidade de justiça no Direito do Trabalho

Autores

  • Redação ConJur
  • Ana Gabriela Burlamaqui

    é sócia do escritório A. C. Burlamaqui Consultores graduada em Direito pela PUC-RJ especialista em prevenção e administração de riscos trabalhistas (Ibmec) especialista em inglês jurídico e contratos no Direito Americano (PUC-RJ) pós-graduada em Direito Digital LGPD e compliance trabalhista (EMD) membro da 1ª Câmara Especializada da OAB-RJ e conselheira efetiva da seccional.

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  • Hugo Luiz Schiavo

    é sócio do escritório AC Burlamaqui Consultores bacharel em Direito pela PUC-RJ e diretor da Acat (Associação Carioca Advogados Trabalhistas).

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17 de outubro de 2023, 17h20

O instituto da litigância de má-fé e a gratuidade de justiça desempenham papéis fundamentais no sistema da justiça trabalhista. Em 2022, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que não é possível decretar a perda do benefício da gratuidade como sanção por litigância de má-fé. Segundo o STJ, as penalidades são aquelas estritamente previstas na legislação, não admitindo interpretação extensiva.

A litigância de má-fé é uma conduta processual inadequada que envolve diversas ações, como alterar a verdade dos fatos, ter objetivos ilícitos no processo, fazer pretensão contra a lei, oferecer defesa contrária à lei, causar morosidade processual injustificada e agir de forma temerária. No contexto do Direito do Trabalho, aplicam-se as mesmas regras da jurisdição comum, conforme o artigo 8º, § 1º, combinado com o artigo 769 da CLT.

As consequências para uma parte considerada culpada de litigância de má-fé em um processo trabalhista incluem multa (entre 1% e 10% do valor corrigido da causa), a possibilidade de indenização à parte contrária pelos prejuízos sofridos e a obrigação de arcar com os honorários advocatícios.

A gratuidade de justiça é um direito constitucional previsto no sistema judiciário brasileiro. No contexto do direito do trabalho, a reforma trabalhista introduziu critérios específicos para a concessão desse benefício. Para obter a gratuidade de justiça, o trabalhador deve ter uma remuneração igual ou inferior a 40% do limite do teto da Previdência Social (atualmente R$ 7.507,49), o que presume a insuficiência econômica. Para rendas acima desse limite, é necessária a comprovação documental da insuficiência de recursos.

Apesar da reforma trabalhista, que passou a exigir comprovação da insuficiência de recursos para rendas superiores ao limite da Previdência Social, a legislação ainda permite a mera declaração de pobreza firmada pelo autor ou seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos. No entanto, essa declaração não é suficiente para rendas acima do limite estabelecido.

Neste sentido, consolidou-se a posição da jurisprudência trabalhista, levando à edição da Súmula 463 do Tribunal Superior do Trabalho (TST):

"Súmula TST 463 ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COMPROVAÇÃO. I – A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015); II – No caso de pessoa jurídica, não basta a mera declaração: é necessária a demonstração cabal de impossibilidade de a parte arcar com as despesas do processo. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 304 da SBDI-1, com alterações decorrentes do CPC de 2015) – Res. 219/2017, DEJT divulgado em 28, 29 e 30.06.2017 – Republicada, DEJT divulgado em 12, 13 e 14.07.2017."

No entanto, como mencionado, a reforma trabalhista trouxe nova luz ao tema, utilizando como critério principal a remuneração e o teto da Previdência Social; esse é agora o único requisito, de caráter objetivo, capaz de ensejar a presunção relativa da hipossuficiência econômica. Contudo, ainda não há jurisprudência consolidada no âmbito do TST ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal (STF).

As regras processuais sobre litigância de má-fé são equivalentes nos processos trabalhistas e em outros tipos de processos. Já em relação à gratuidade de justiça, o processo civil possui uma regulamentação mais extensa, enquanto o processo do trabalho tem uma regulação mais concisa e específica.

Na ação trabalhista, o princípio do acesso à justiça é facilitado, com a exigência de recolhimento de custas processuais após a sentença, se for caso, ou ao final (Artigos 789 e 789-A). O princípio da simplicidade das formas, a irrecorribilidade de decisões interlocutórias e a liberdade ampla do juiz na condução do processo (artigo 765 da CLT) são elementos que influenciam e diferenciam a interpretação dos institutos em relação aos demais processos judiciais.

A litigância de má-fé é rechaçada pelos tribunais quando provada de forma clara. A gravação por vídeo das audiências pode ser usada como meio de prova dessa conduta inadequada. A Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu diretrizes para monitorar e coibir a prática de litigância predatória nos tribunais.

Os desafios enfrentados na comprovação da litigância de má-fé em processos trabalhistas consistem em conciliar os princípios da boa-fé, direito de acesso à justiça e direito à ampla defesa nos ambientes de litígio judicial. A relação de emprego envolve inúmeras interações entre diversas pessoas, sejam empregados, empregadores ou terceiros. A complexidade dos fatos, datas, conflitos, opiniões e versões, ocorridos no passado, inerentes aos litígios trabalhistas, nem sempre deixa claro se a interpretação e valoração daquilo que ocorreu configuram ou não litigância de má-fé. A identificação da litigância de má-fé passa necessariamente pela verificação, no caso concreto, das hipóteses de condutas previstas no artigo 793-B da CLT.

A conduta ética nos processos judiciais beneficia a credibilidade dos advogados, melhora a qualidade das decisões e reduz o número de processos, contribuindo para uma melhor prestação jurisdicional. Essas questões são cruciais para manter a integridade do sistema de justiça trabalhista.

É inegável que todos os participantes do processo devem agir de boa-fé e apresentar relatos verdadeiros dos fatos. O Brasil enfrenta uma elevada litigiosidade, explicada por fatores diversos, mas uma das soluções para melhorar a prestação jurisdicional é o aperfeiçoamento do filtro composto pela rigorosa avaliação dos casos em que a parte pode se beneficiar da gratuidade de justiça e também a aplicação efetiva de sanções contra a utilização dolosamente desvirtuada do processo judicial.

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  • é sócia do escritório A. C. Burlamaqui Consultores, graduada em Direito pela PUC-RJ, especialista em prevenção e administração de riscos trabalhistas (Ibmec), especialista em inglês jurídico e contratos no Direito Americano (PUC-RJ), pós-graduada em Direito Digital, LGPD e compliance trabalhista (EMD), membro da 1ª Câmara Especializada da OAB-RJ e conselheira efetiva da seccional.

  • é sócio do escritório AC Burlamaqui Consultores, bacharel em Direito pela PUC-RJ e diretor da Acat (Associação Carioca Advogados Trabalhistas).

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