A via da salvação: Como e quando pedir recuperação judicial
4 de outubro de 2023, 12h40
*Reportagem publicada na 1ª edição do Anuário da Justiça Direito Empresarial. A versão online é gratuita (clique aqui para ler) e a versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui para comprar).
A recuperação judicial permite que companhias suspendam e renegociem dívidas acumuladas em períodos de crise, evitando o fim das atividades, demissões e inadimplência. Para isso, a empresa apresenta um plano de recuperação que demonstre aos credores que tem capacidade de se reerguer caso consiga se entender com seus credores. Aprovado o plano, a maioria dos débitos é suspensa.O processo de recuperação judicial pode levar de seis meses a dois anos. Esse prazo, contudo, pode ser estendido, dependendo da complexidade do caso. As dívidas são pagas de acordo com a ordem de preferência estabelecida pela Lei 11.101/2005. Os trabalhadores e o Fisco têm prioridade na fila de pagamentos. Em seguida, são pagos credores com garantias reais, como hipotecas e penhoras. Depois, vêm os quirografários, que são os credores sem garantia real. Por fim, acionistas e sócios da empresa, desde que haja recursos após a quitação das dívidas anteriores.
Caso a empresa não se recupere, é decretada a falência. Neste caso, não havendo recursos para quitar todos os débitos, o patrimônio de sócios e acionistas pode ser requisitado. Cabe ao administrador judicial vender o patrimônio da empresa, e com os recursos arrecadados da massa falida pagar os credores e encerrar a falência. O empresário falido fica impedido de empreender por três anos.
Qual o melhor momento para uma empresa pedir a recuperação judicial? Para Carlos Alberto Garbi, a maioria dos processos de recuperação fracassam pela demora do empresário em propor a medida. “O erro de timing é o primeiro erro. A demora para ter a iniciativa de negociar com os credores. Ou a demora para tomar a medida mais dura: se desfazer de ativos para pagar credores”, ensina. “O processo precisa de duas coisas para dar certo: troca de gestão (porque o gestor vai voltar a cometer os erros que cometeu antes) e entrada de dinheiro novo (se não entrar dinheiro novo, não sai da crise).”
Não existe milagre nem subterfúgio. É preciso coragem para enxergar o que tem de ser feito e buscar uma estratégia de gestão que permita garantir a sobrevivência do negócio. Para os especialistas, não há uma fórmula ideal para que um processo de recuperação judicial chegue ao fim em bom termo. Contudo, a análise correta da viabilidade do negócio e a identificação do momento oportuno para se recorrer ao instituto podem aumentar a chance de sucesso.
Oreste Laspro explica que os avanços tecnológicos e sociais exigem que a empresa esteja sempre pronta para reinventar o seu negócio. É o caso de uma fábrica de capas de CD, diz. Nesta situação, a recuperação judicial não pode ser encarada como a solução do problema, uma vez que esse empresário está em uma situação em que se reinventar é uma condição primária para a sobrevivência do seu negócio.
Pedir a recuperação judicial no momento certo é outra exigência para o êxito. “Um problema básico das empresas é a crise de liquidez. Se a empresa já está sendo alvo de execuções e protestos, significa que está sem pagar credores há muito tempo e, portanto, a crise de liquidez dela é grave”, explica Laspro.
Daniel Carnio resume: “É uma escadinha: o sistema de pré-insolvência, são 60 dias de proteção; recuperação extrajudicial, 90 dias de proteção; recuperação judicial 180 dias, prorrogável por mais 180 dias. Então, o nível de proteção vai aumentando. Só que o remédio vai ficando cada vez mais amargo, cada vez mais caro e cada vez com um dano reputacional maior”.A Lei 11.101/2005 trata de fraudes tanto na recuperação judicial quanto na falência. O artigo 51-A prevê a constatação prévia, expediente que dá ao juiz a possibilidade de não abrir o processo de recuperação caso tenha evidências de que o instituto está sendo usado para fraudar credores, podendo remeter cópias ao Ministério Público para apuração criminal. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica é o instrumento processual usado para avançar no patrimônio de sócios fraudadores e recuperar os bens desviados ou os valores correspondentes.
No caso da falência, também existe a possibilidade da responsabilidade do falido por fraudes, ficando inabilitado por período maior, dez anos, em caso de condenação por crime falimentar.
A maioria dos crimes falimentares são de menor potencial ofensivo, cabendo aplicação da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995). São casos que acabam em transação penal ou suspensão condicional do processo. São poucos os casos em uma vara especializada e menos ainda em varas comuns. As penas não são altas, o que resulta em um regime de condenação fixado no aberto, cabendo muitas vezes suspensão condicional do processo.
Em junho de 2023, a Justiça de Mato Grosso anulou o processo de recuperação Judicial do Grupo Dias Pereira, com atuação no agronegócio. O Juiz Renan do Nascimento, da 4ª Vara Cível de Rondonópolis, que havia acolhido o pedido de recuperação, voltou atrás em sua decisão alegando “inconsistências na maioria dos documentos” apresentados.
Com dívidas declaradas de R$ 994 milhões, o Grupo Dias Pereira, que atua com pecuária, é alvo de investigações por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Ministério Público do Estado, Ministério Público Federal e Polícia Federal. O grupo é acusado de inventar créditos inexistentes na lista de credores, usando a recuperação judicial como meio de preservar seu patrimônio e escapar de execuções judiciais. Também chama a atenção para a remuneração de R$ 50 milhões para o administrador judicial e levantam questionamentos sobre a imparcialidade do seu relatório no processo. Com uma receita operacional declarada de pouco mais de R$ 2,5 milhões em 2022, a dúvida é de onde virão os recursos para o pagamento dos honorários do administrador judicial.
O especialista também defende a importância de o empresário se conscientizar que está em crise e que um dos caminhos para resolução do seu problema é a recuperação judicial. Também enxerga com bons olhos as alterações recentes da Lei 11.101/2005.
“A lei, quando bem aplicada, é eficaz. Só que, por se tratar de um processo coletivo, é necessário ter absoluta transparência e rigor na fiscalização dos atos da empresa recuperanda. A maioria das recuperações de empresas viáveis obtém sucesso quando isso é observado”, diz.
Para Garbi, abrir um negócio é sempre um risco. Pode dar certo ou pode dar errado. “A impossibilidade do pagamento é uma coisa que tem que ser aceita com mais naturalidade”, afirma.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA DIREITO EMPRESARIAL 2023
1ª edição
Número de Páginas: 156
Editora: Consultor Jurídico
Versão impressa: R$ 40, na Livraria ConJur
Versão digital: É gratuita, acesse pelo site https://anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário da Justiça
Anunciaram nesta edição
Advocacia Del Chiaro
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
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Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
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JBS S.A.
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