Opinião

Aplicabilidade da prerrogativa de prazo em dobro para Fazenda

Autor

  • é procurador do estado de Alagoas nomeado procurador federal ex-advogado da Petrobras doutorando pela Universidade de Brasília (UnB) mestre em Direito Processual pela Universidade Federal de Alagoas especialista pela Ohio University professor de Direito Processual Civil na Pós-Graduação da Uerj na Escola Superior da Magistratura de Alagoas (Esmal) na Escola da Advocacia-Geral da União e nos cursos ATC e Forum e membro da Internacional Association of Privacy Professionals (IAPP) do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (Annep).

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27 de novembro de 2023, 18h20

O processo falimentar, enquanto execução em concurso, possui peculiaridades próprias, nos termos do que dispõe a Lei 11.101/05. Nesse sentido, é preciso destacar, por exemplo, que os prazos, nesse procedimento especial, são computados em dias corridos, consoante previu o legislador reformista (Lei 14.112/20), no artigo 189, §1º, I: “Artigo 189. §1º. I. todos os prazos nela previstos ou que dela decorram serão contados em dias corridos;”.

Antes mesmo das modificações empreendidas pela Lei 14.112/2020, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) corroborava tal entendimento, tendo em conta o regime jurídico próprio das demandas falimentares e recuperacionais, cujas estruturas são hauridas sob o pálio da celeridade, que se perfaz indispensável à efetivação dos interesses dos múltiplos credores [1]. Nessa linha de intelecção, afasta-se a incidência do artigo 219, do Código de Processo Civil, enunciado normativo que prevê a contagem dos prazos processuais em dias úteis.

A título exemplificativo, pode-se sublinhar que o prazo para a apresentação da contestação (dez dias, de acordo com o artigo 98, da Lei 11.101/05), no bojo da demanda falimentar, deverá ser contabilizado em dias corridos, à luz do que densifica o já citado artigo 189 da legislação de regência.

É imperioso destacar uma ressalva em relação às premissas outrora assentadas, pois, especificamente quanto aos prazos para interposição de recursos na falência e na recuperação judicial, o Superior Tribunal de Justiça, mesmo após o advento da Lei 14.112/2020, tem se posicionado no sentido de que a fluência prazal deve considerar apenas os dias úteis. A linha argumentativa da Corte cidadã parte do pressuposto de que a sistemática recursal está esquadrinhada no Código de Processo Civil (CPC) e, portanto, é inaplicável a específica previsão da Lei de Falência, Recuperação Judicial e Extrajudicial [2].

No que pertine à atuação da Fazenda Pública nos processos de falência, é relevante pontuar que a União, os estados e municípios, diante das modificações implementadas pela Lei 14.112/2020, possuem caminhos mais efetivos para a satisfação do seu crédito no procedimento concursal. Isso ocorre, na medida em que o legislador se preocupou em melhor sistematizar a intervenção dos entes fazendários, garantindo-lhes, por exemplo, a possibilidade de concentrarem as discussões sobre os valores a receber, por via do Incidente de Classificação do Crédito Público — ICCP (artigo 7-A, da Lei 11.101/05) [3]. Em linha de convergência, pronunciam-se João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea [4]: “A nova sistemática estabeleceu um verdadeiro microssistema processual de cobrança do crédito público da falência”.

Nesse contexto de participação ativa da Fazenda Pública no processo falimentar, é relevante perquirir acerca da observância, neste procedimento especial, de suas prerrogativas processuais, que se encontram adequadamente reguladas pelo artigo 183, do Código de Processo Civil.

Com efeito, não se pode olvidar que a Lei 11.101/05, no caput do artigo 189, previu a aplicação supletiva e subsidiária do CPC: “Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei.”

Assim, é fundamental submeter ao filtro da compatibilidade os enunciados normativos do CPC que, porventura, possam ser invocados, para fins de incidência no rito procedimental da falência.

De início, é forçoso aduzir que a prerrogativa de intimação pessoal dos entes públicos encontra amparo em diversos dispositivos da Lei 11.101/05, de tal modo que é plenamente cabível a incorporação, no processo falimentar, do §1º, do artigo 183, do CPC: A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico. Veja-se, nesse sentido, que o artigo 99, da Lei 11.101/05, versa sobre a intimação eletrônica dos entes públicos, quando da decretação da falência de um devedor.

Não se pode olvidar que a intimação eletrônica referida na legislação processual e falimentar é aquela operacionalizada via portal próprio, através de sistema que permita o controle da regularidade do envio e recebimento da comunicação processual, bem como acesso integral aos autos, na forma do que preconiza o artigo 5º, da Lei 11.419/06. Desse modo, em uníssono com o Superior Tribunal de Justiça, não é possível considerar como intimação pessoal aquela realizada via Diário da Justiça Eletrônico [5].

Outrossim, sabe-se que a Fazenda Pública também dispõe de outras prerrogativas processuais, dentre elas, o prazo em dobro para todas as suas manifestações, na linha do que preconiza o caput, do artigo 183, do Código de Processo Civil: “A União, os estados, o Distrito Federal, os municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal”.

Tal medida é uma garantia de densificação da isonomia no processo, tendo em vista que o Poder Público, diferente de particulares que atuam em suas respectivas demandas, é dotado de uma estrutura burocratizada que, em diversas oportunidades, impede, a título exemplificativo, a obtenção mais célere de informações e documentos necessários à defesa dos interesses dos entes fazendários em juízo [6].

Apenas não incidirá tal prerrogativa, caso haja vedação legislativa expressa, como ocorre com as demandas que tramitam nos juizados especiais da fazenda pública [7], ou nas hipóteses em que há designação específica de prazo próprio para os entes fazendários, a exemplo do prazo para apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia certa [8]. Afora essas exceções, deve ser aplicado o prazo em dobro, independente do procedimento (comum ou especial), na linha do que consigna Leonardo Carneiro da Cunha [9]: “A regra aplica-se a qualquer procedimento, seja comum, seja especial, igualmente à fase de cumprimento de sentença (com a ressalva da impugnação) e ao de execução (com a ressalva dos embargos”.

Portanto, considerando que a Lei 11.101/05 não alija, em quaisquer de suas disposições, a referida prerrogativa fazendária e que o Código de Processo Civil é aplicável supletiva e subsidiariamente ao processo falimentar, perfaz-se plenamente possível o cômputo do prazo em dobro para todas as manifestações da Fazenda Pública.

Poder-se-ia cogitar, por outro lado, de eventual incompatibilidade da prerrogativa de prazo em dobro com o princípio da celeridade a orientar o processo falimentar, nos moldes do que estabelece o artigo 75, §1º, da Lei 11.101/05. No entanto, deve-se ponderar que a tramitação expedita da falência não é prejudicada pela observância de prerrogativa fazendária indispensável à atuação adequada dos entes públicos, mormente em face de suas pontuais intervenções. Ademais, não é possível sacrificar o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa, em prol de circunstanciais acelerações procedimentais.

Em reforço às considerações tecidas em linhas pretéritas, o Superior Tribunal de Justiça entendeu legítima a aplicação do prazo em dobro para litisconsortes com procuradores distintos (artigo 229, do CPC), no bojo do processo falimentar, atestando, assim, a sua compatibilidade com o rito especial, sem que isso implique em prejuízo à busca pela celeridade ínsita à falência [10].

Cabe salientar, ainda, que não será aplicada a prerrogativa de prazo em dobro naquelas ocasiões nas quais a própria legislação já tiver estabelecido prazo direcionado para a Fazenda Pública, tal como ocorre com os atos do ICCP. Portanto, o prazo de 30 (trinta) dias para os entes públicos apresentarem a sua relação de créditos inscritos em dívida ativa, na forma do caput do artigo 7º-A, da Lei 11.101/05, é contado de forma simples.

Diante do arrazoado exposto, percebe-se que a prerrogativa de prazo em dobro para as manifestações processuais da Fazenda Pública, a qual se encontra estampada no caput artigo 183, do Código de Processo Civil, é plenamente aplicável ao processo falimentar.


[1] “O microssistema recuperacional e falimentar foi pensado em espectro lógico e sistemático peculiar, com previsão de uma sucessão de atos, em que a celeridade e a efetividade se impõem, com prazos próprios e específicos, que, via de regra, devem ser breves, peremptórios, inadiáveis e, por conseguinte, contínuos, sob pena de vulnerar a racionalidade e a unidade do sistema. 6. A adoção da forma de contagem prevista no Novo Código de Processo Civil, em dias úteis, para o âmbito da Lei 11.101/05, com base na distinção entre prazos processuais e materiais, revelar-se-á árdua e complexa, não existindo entendimento teórico satisfatório, com critério seguro e científico para tais discriminações. Além disso, acabaria por trazer perplexidades ao regime especial, com riscos a harmonia sistêmica da LRF, notadamente quando se pensar na velocidade exigida para a prática de alguns atos e na morosidade de outros, inclusive colocando em xeque a isonomia dos seus participantes, haja vista a dualidade de tratamento.” (STJ – REsp nº 1.699.528/MG, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/4/2018, DJe de 13/6/2018).

[2] “Outrossim, cumpre ressaltar que, que a aplicabilidade do CPC/2015 aos processos recuperacionais e falimentares decorre expressamente do próprio artigo 189 da Lei 11.101/2005, que dispõe que a legislação processual geral se aplicará, no que couber, aos procedimentos regidos pela lei especial. Assim, tendo em vista que o agravo de instrumento é regulamentado pelo Código de Processo Civil, o prazo para sua interposição, ainda que se trate decisões interlocutórias proferidas nos processos de recuperação judicial e nos processos de falência, é aquele previsto no diploma processual civil, não havendo que se falar em cômputo do prazo em dias corridos”. (STJ – AgInt no REsp nº 1.970.297/MS, relator ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 22/8/2022, DJe de 26/8/2022).

[3]Isso porque, atualizando a Lei n.11.101/2005, a nova legislação estabeleceu procedimento específico, denominado de ‘incidente de classificação do crédito público’, a ser instaurado de ofício pelo juízo falimentar, uma forma especial de habilitação dos créditos fiscais na falência, que enseja, conforme previsão expressa, a suspensão das execuções fiscais até o encerramento da falência, sem prejuízo da possibilidade de prosseguimento contra os corresponsáveis”. (STJ – REsp nº 1.872.153/SP, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/12/2021).

[4] SCALZILLI, João Pedro et al. Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei 11.101/05. 4ª edição. São Paulo: Almedina, 2023, p. 389.

[5] PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MUNICÍPIO. CPC/2015. PRERROGATIVA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. INOBSERVÂNCIA.

1) Nos termos do artigo 183, §1º, do CPC/2015, os Municípios gozam da prerrogativa de intimação pessoal, não considerada como tal a publicação pelo Diário da Justiça Eletrônico. Precedentes.

2) Hipótese em que o Tribunal de origem reputou intempestiva a Apelação interposta pela Procuradora municipal sob a consideração de que é válida a intimação feita mediante publicação no Diário de Justiça eletrônico e que os representantes das Fazendas Públicas, ressalvadas as exceções previstas em lei, não gozam da prerrogativa da intimação pessoal.

3) Agravo Interno não provido. (STJ – AgInt no AREsp n. 2.305.140/GO, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/8/2023, DJe de 21/9/2023.)

[6] Perlustrando a mesma senda, manifesta-se Marco Antonio Rodrigues: “Dessa forma, na obtenção de informações na atuação processual não há uma igualdade de oportunidades entre as pessoas jurídicas de direito público e os particulares em geral, o que justifica seja dado um tratamento diferenciado às primeiras”. (RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. 3ª edição. São Paulo: Juspodivm, 2023, p. 110.)

[7] Lei nº 12.153/09: “Artigo 7o  Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para a audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de 30 dias”.

[8] Código de Processo Civil: “Artigo 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir”.

[9] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 19ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 43.

[10] AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA. PRAZO EM DOBRO. LISTISCONSORTES. DIFERENTES PROCURADORES. SUCUMBÊNCIA DE APENAS UM DELES. NORMA DO PRAZO EM DOBRO NÃO APLICÁVEL.

1) A regra de dobra do prazo processual para o caso de litisconsortes com procuradores distintos deverá ser aplicada nos processos falimentares. Precedentes.

2) Afastamento do contagem do prazo em dobro se o ato processual objeto de impugnação recursal implicou sucumbência de apenas um dos litisconsortes.

3) Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no REsp nº 1.903.939/MT, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21/6/2021, DJe de 29/6/2021).

Autores

  • é procurador do estado de Alagoas, nomeado procurador federal, ex-advogado da Petrobras, mestre em Direito Processual pela Universidade Federal de Alagoas, especialista pela Ohio University, professor de Direito Processual Civil na Pós-Graduação da UERJ, na Escola Superior da Magistratura de Alagoas (ESMAL) e nos cursos ATC e FORUM, membro da Internacional Association of Privacy Professionals (IAPP), do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (ANNEP)

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