Opinião

STJ e a produção antecipada de provas sem requisito da urgência

Autor

  • Octavio Weicker Valverde Gutierrez

    é advogado associado de Correia Fleury Gama e Silva Advogados com atuação nas áreas de arbitragem contencioso e insolvência membro das Comissões Especiais de Arbitragem e Direito Bancário da OAB-SP e graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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29 de março de 2023, 7h10

No último dia 14 de março, a 3ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) respondeu a uma questão atual e controversa na jurisprudência empresarial: nas hipóteses em que não se comprovar, ou simplesmente não existir, a urgência exigida pelo artigo 22-A da Lei de Arbitragem, o Poder Judiciário será competente para processar uma ação de produção antecipada de provas (artigo 381 e seguintes do Código de Processo Civil) cujo mérito deva ser decidido em arbitragem?

A controvérsia teve início quando acionistas minoritários de uma companhia aberta (que prevê cláusula compromissória em seu estatuto social) ajuizaram perante o Poder Judiciário uma produção antecipada de provas, com fundamento no artigo 381, III, do CPC, e sem qualquer tipo de alusão à urgência mencionada no artigo 22-A da Lei de Arbitragem, a fim de obter a exibição de documentos relacionados a uma operação de investigação iniciada pela Polícia Federal, em 2017, contra alguns dos administradores da companhia.

Em primeiro grau, a Justiça paulista julgou extinta a demanda, sob o fundamento de não estava configurado o requisito de urgência aludido pelo artigo 22-A da Lei de Arbitragem, de modo que a pretensão deveria ser submetida diretamente ao Tribunal Arbitral, conforme já havia decidido o Tribunal de Justiça de São Paulo em outra oportunidade, em acórdão assim ementado:

"APELAÇÃO. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. DIREITO AUTÔNOMO À PROVA. CLÁUSULA ARBITRAL. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA A INTERVENÇÃO DO JUÍZO ESTATAL. ART. 22-A DA LEI DE ARBITRAGEM. URGÊNCIA INEXISTENTE. REQUISITOS DO ART. 300 DO NCPC. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ARBITRAL. EXTINÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. Trecho do voto: 'A produção antecipada de provas, no caso concreto, tem como justificativa, apresentada pela autora e apelante, a necessidade de conhecimento de fatos para fundar ou evitar demanda judicial, nos termos do art. 381, III, do CPC/2015. Ou seja, a pretensão é fundamentada no direito à prova, como um direito autônomo à prova, que, mesmo à luz do Código de Processo Civil de 1973, já vinha sendo admitido, independentemente da presença dos requisitos de uma medida cautelar, em especial do periculum in mora, que caracterizaria a urgência necessária para autorizar a intervenção estatal antecedente, nos termos do art. 22-A da Lei de Arbitragem. (…) É de vital relevância destacar que, no caso específico, se a urgência não está caracterizada, o Poder Judiciário não é competente para analisar a matéria, o que não se confunde com o direito pretendido. Nesse diapasão, ausentes as hipóteses de intervenção do juízo estatal, necessárias para a caracterização da urgência, por não ter sido alegado o risco de perecimento das provas requisitadas, o possível direito autônomo à prova (fundado no art. 381, II e III do CPC/2015) deverá ser debatido no juízo arbitral, âmbito competente para proferir decisão sobre o mérito da questão, respeitando-se, assim, o princípio Kompetenz-Kompetenz" (TJ-SP, Apelação n° 1125900-40.2018.8.26.0100, desembargador relator Alexandre Lazzarini, j. 21.8.2019, g.n).

Entretanto, ao julgar a apelação interposta pelos acionistas minoritários o Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento ao recurso e reformou a sentença que havia reconhecido a incompetência absoluta do Poder Judiciário para processar a demanda, mesmo diante da ausência de comprovação do periculum in mora:

"Produção antecipada de provas, ajuizada por acionistas minoritários contra companhia. Ação extinta, sem resolução de mérito, por falta de interesse processual em razão de haver cláusula compromissória no estatuto social da ré. Apelação dos autores. (…). Direito de acionista minoritário ao prévio conhecimento de eventuais prejuízos causados por ilícitos de controlador em conluio com administradores da companhia, com intuito de formar sua convicção sobre haver, ou não, pretensão indenizatória contra tais agentes, e/ou contra a própria companhia, possibilitando, ademais, às partes avaliar seu interesse em eventual autocomposição (CPC, art. 381, II e III). (…) Proteção ao acionista investidor ligada a seu direito de ter acesso a todas as informações relevantes. Companhia que está sendo investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público na denominada operação 'E o vento levou'. Ampla transparência que, além de resguardar direitos dos acionistas, inibirá eventuais práticas delituosas da espécie das que ora se investigam. (…) A cláusula compromissória, mesmo se não fosse o caso de urgência, não afastaria a competência estatal para a produção antecipada de provas. Doutrina de MAZZOLA e ASSIS TORRES. Nesta demanda, o juiz não se pronunciará "sobre a ocorrência ou a inocorrência do fato, nem sobre as respectivas consequências jurídicas" (art. 382, § 2º); não é possível saber, de antemão, quem irá se beneficiar da respectiva prova; e, sob o prisma da análise econômica do direito e da eficiência processual – norma estruturante do processo civil (art. 8º do CPC/15) – , a medida é fundamental para reduzir os notórios e elevados custos de procedimento arbitral. (…). Reforma da sentença recorrida. Apelação a que se dá provimento" (TJ-SP, Apelação n° 1086219-29.2019.8.26.0100, desembargador relator Cesar Ciampolini, j. 28.7.2021, g.n).

Inconformada, a companhia interpôs recurso especial alegando que competia ao Tribunal Arbitral processar produção antecipada de provas em que não se comprove a urgência exigida pelo artigo 22-A da Lei de Arbitragem, tendo obtido êxito em seu recurso, que foi provido, por unanimidade, pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O entendimento reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça foi no sentido de que nas hipóteses previstas nos incisos II e III do artigo 381 do CPC — viabilidade de autocomposição e prévio conhecimento dos fatos — não estaria autorizada a propositura de um procedimento pré-arbitral perante o Poder Judiciário sem a comprovação do requisito da urgência, de modo que o procedimento deveria ser proposto diretamente perante o Tribunal Arbitral, sob pena de violação ao artigo 22-A da Lei de Arbitragem:

"Recurso Especial. Ação de produção antecipada de provas, com fundamento nos incisos II E III do art. 381 do CPC/2015 (desvinculada, portanto, do requisito de urgência/cautelaridade) promovida perante a Jurisdição Estatal antes da instauração de arbitragem. Impossibilidade. Não instauração da competência provisória da jurisdição estatal, em cooperação (ante a ausência do requisito de urgência). Reconhecimento. interpretação, segundo o novo tratamento dado às ações probatórias autônomas (direito autônomo à prova) pelo Código de Processo Civil de 2015. Recurso Especial provido" (STJ, REsp n° 2.023.615/SP, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 20.03.2023).

Trata-se, portanto, de relevante precedente à jurisprudência empresarial, considerando que tem se tornado uma estratégia comum a alguns acionistas minoritários (mesmo cientes de sua plena vinculação à cláusula compromissória estatutária), esquivar-se do juízo arbitral e manejar ações de produção antecipada de provas diretamente perante o Poder Judiciário, mesmo nos casos em que não há urgência verificada, em violação artigo 22-A da Lei de Arbitragem [1].

Clique aqui e leia a decisão
REsp
2.023.615 – SP

 


[1] Sobre o tema ver: "Considerações sobre a competência na produção antecipada de provas", artigo em coautoria com Alfredo Sergio Lazzareschi Neto. In: MAIA DA CUNHA, Fernando Antonio; LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sergio, Direito Empresarial Aplicado, Vol. 2, São Paulo: Contracorrente, 2022.

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  • é advogado associado de Correia, Fleury, Gama e Silva Advogados, com atuação nas áreas de arbitragem, contencioso e insolvência, membro das Comissões Especiais de Arbitragem e Direito Bancário da OAB-SP e graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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