Direito da Insolvência

Os reflexos da recuperação judicial de empresa participante de consórcio

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20 de março de 2023, 10h06

O presente artigo analisará os reflexos da recuperação judicial de uma empresa que participe de um consórcio e a forma pela qual os credores deste consórcio poderão receber o seu crédito.

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O tema analisado ganha importância quando uma das empresas consorciadas está em recuperação judicial, eis que as dívidas decorrentes da atividade do consórcio, desde que oponíveis à empresa consorciada, deverão respeitar os limites do processo de recuperação judicial.

Como se sabe, as empresas podem constituir um consórcio para executar uma determinada atividade, sendo certo que o consórcio constituído não tem personalidade jurídica e as empresas que o constituíram só se obrigarão ao pagamento das dívidas do consórcio até o limite da sua participação, sendo esta a regra geral [1].

A responsabilidade das empresas consorciadas deve constar no contrato de constituição do consórcio, caso decorra da vontade das partes, podendo essa responsabilidade pelas dívidas do consórcio ser parcial ou total, nos termos do inciso IV do artigo 279 da lei das sociedades anônimas [2].

No entanto, a solidariedade entre as empresas consorciadas pode decorrer não só do contrato de constituição do consórcio, mas também da lei, não se podendo presumir esta solidariedade, nos termos do artigo 265 do Código Civil [3].

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já entendeu que pode ser determinada a solidariedade das empresas consorciadas pela integralidade da dívida do consórcio, caso estas obrigações decorram das relações de consumo, das leis do trabalho, ou ainda, da lei de licitação, o que implicaria na solidariedade dos consorciados por lei [4].

Em primeiro lugar, faz-se necessário observar que o contrato de constituição do consórcio, nos termos do inciso IV do artigo 297 da Lei das Sociedades Anônimas, deverá determinar a responsabilidade proporcional de cada empresa consorciada. Ou seja, o contrato de consórcio deverá limitar — ou não — a responsabilidade de cada empresa consorciada a sua participação no consórcio, devendo esta limitação ser analisada à luz desse contrato e da recuperação judicial da empresa consorciada [5].

Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ao entender que "nos termos do disposto no inciso 1º do artigo 278 da Lei das Sociedades Anônimas, o consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade. Diante da ausência de previsão legal ou contratual neste sentido de se responsabilizar a empresa em recuperação judicial, solidariamente, pelas obrigações assumidas pelo consórcio, não há como se reformar a decisão guerreada, que terminou que o crédito deverá ser incluído no QGC da recuperação judicial somente na proporção de sua participação no referido consórcio" [6].

Portanto, caso o credor do consórcio busque o pagamento das obrigações que cabem a empresa consorciada dentro do processo de recuperação judicial, este deve verificar a disciplina da responsabilidade das consorciadas no respectivo contrato de constituição do consórcio, não se presumindo a solidariedade entre as empresas consorciadas. Com efeito, inexistindo solidariedade contratual, ou, legal, a dívida será exigível única e exclusivamente da consorciada em recuperação judicial na proporção e nos limites estabelecidos no contrato de criação do consórcio, sendo aplicável a regra geral [7].

Em segundo lugar, tem-se que a solidariedade decorrente de lei, ou ainda, a solidariedade decorrente do contrato de constituição do consórcio, permite a cobrança das demais empresas consorciadas pela integralidade da dívida, ainda que o crédito esteja listado na recuperação judicial da empresa consorciada, nos termos do artigo 275 do Código Civil [8].

Isto porque o inciso 1º do artigo 49 da Lei de falências dispõe que "os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso', ao passo que a Súmula 581 do Superior Tribunal de Justiça prevê que "a recuperação judicial do devedor principal não obsta o prosseguimento de ações e execuções proposta em desfavor de devedores solidários e coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória".

Ora, o tema da solidariedade entre a empresa em recuperação judicial e os terceiros coobrigados não é novo, se garantindo aos credores que se possa cobrar a empresa em recuperação judicial pela integralidade da dívida, bem como o terceiro coobrigado que não esteja em recuperação judicial, nos termos do inciso 1º do artigo 49 da Lei de Falências, da Súmula 581 do Superior Tribunal de Justiça e do artigo 275 do Código Civil [9].

Portanto, resta claro que, na hipótese de a dívida do consórcio poder ser cobrada de qualquer uma das empresas consorciadas, o credor poderá cobrar a integralidade da dívida da empresa consorciada que esteja em recuperação judicial, bem como daquela empresa consorciada que não esteja em recuperação judicial, cabendo a esta última, apenas, o direito de regresso caso venha a pagar a integralidade da dívida, através da habilitação da cota parte do crédito que a consorciada em recuperação deveria adimplir, nos termos do artigo 283 do Código Civil.

 


[1] Inciso 1o do artigo 278 da Lei das Sociedades Anônimas – O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.

[2] Artigo 279 da Lei das Sociedades Anônimas: O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do ativo não circulante do qual constarão: IV — a definição das obrigações e responsabilidades de cada sociedade consorciada, e das prestações específicas.

[3] Artigo 265 do Código Civil — A solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes.

[4] Superior Tribunal de Justiça, rel. min. Nancy Andrigui, Resp. 1.635.637. Ainda no mesmo sentido, Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, rel. des. Fernando Prazeres, recurso 0073044-02.2021.8.16.0000.

[5] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, des. rel. Mônica Maria Costa, recurso número 0047556-32.2019.8.19.000.

[6] Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, des. rel. Kildare Carvalho recurso número 1.0024.16.107529-6/001. Ainda no mesmo sentido, Tribunal de Justiça do Paraná, des. relator José Augusto Gomes Aniceto, recurso número 0075683-23.2020.8.16.0000.

[7] Superior Tribunal de Justiça, min. Antonio Carlos Ferreira, Resp. 1.804.804/MS.

[8] Artigo 275 do Código Civil — O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum, se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto. Neste sentido, Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, rel. des. Marco André Nogueira Hanson, recurso número 0804984-96.2015.8.12.0021.

[9] Tribunal de Justiça de Minas Gerais, rel. des. Juliana Campos Horta, recurso número 1.0000.21.206130-3/001.

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