Expedição sem razão

TJ-SP tranca ação penal por abordagem policial ilícita e desmotivada

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18 de março de 2023, 9h47

O Código de Processo Penal não autoriza buscas pessoais praticadas como "rotina" ou "praxe" do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas com finalidade probatória e motivação correlata.

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ReproduçãoCorte paulista decide pelo trancamento da ação por causa da abordagem policial ilícita

Com base nesse entendimento, a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o trancamento de ação penal contra um homem acusado de tráfico de drogas pela falta de justa causa na persecução penal, em razão da nulidade da prisão em flagrante. O colegiado também ordenou o relaxamento da prisão.

Segundo os autos, o homem foi detido em flagrante após uma abordagem da Polícia Militar. Os agentes teriam abordado o acusado na rua e depois ido até a casa dele, onde encontraram drogas. Ele foi denunciado e se tornou réu por tráfico. Em pedido de Habeas Corpus, a defesa sustentou que a abordagem policial foi ilícita e desmotivada.

O relator, desembargador Heitor Donizete de Oliveira, concordou com a tese defensiva e apontou "franca e clara" ilegalidade na origem da prisão do paciente, "mediante abordagem policial sem qualquer suspeita ou motivação prévia, em verdadeira revista exploratória (fishing expeditions) pelos policiais", decidindo pelo relaxamento do flagrante e pelo trancamento da ação penal.

Conforme o relator, embora a materialidade delitiva esteja demonstrada nos autos, a prova produzida se encontra eivada de ilegalidade inicial e, por isso, não serve para sustentar uma prisão preventiva, ou sequer uma prisão em flagrante. Ele também citou alguns pontos que confirmam a "ilícita e desmotivada" abordagem policial ao paciente.

"Os policiais não mencionaram nenhuma atitude suspeita do paciente que motivasse sequer uma mínima desconfiança de seus atos; a menção a 'denúncias anônimas' surgiu em momento posterior à referida abordagem, e, mesmo que existissem, sozinhas, já não seriam motivo satisfatório e suficiente para uma abordagem policial; o paciente permaneceu silente perante a autoridade policial, contudo, ouvido em audiência de custódia, ainda que tenha fornecido versão com intenção de se desvencilhar da acusação de tráfico de drogas, indicou que sua abordagem não foi motivada por qualquer suspeita."

Para o desembargador, o principal ponto que enfraquece a prisão em flagrante do réu está nos próprios depoimentos dos policiais militares e na ausência de qualquer indicativo de ato ou fato que motivasse a abordagem inicial. Nesse cenário, ele destacou a desnecessidade de apreciação dos atos policiais seguintes a tal abordagem.

"Ora, tal situação, com a devida vênia, enfraquece, em muito, a versão que ensejaria o reconhecimento da legalidade da ação policial inicial. Não se observa uma efetiva comprovação da existência de alguma suspeita sobre algum ato ou ação do paciente que ensejasse a possibilidade ou necessidade de uma abordagem, indagação e revista pelos agentes públicos."

Oliveira disse que a conduta dos policiais não respeitou o artigo 244 do Código de Processo Penal, que exige a fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito. A fundada suspeita, prosseguiu ele, funciona como garantia de que a pessoa não será aleatoriamente relacionada à prática de uma infração penal investigada, sem possuir relação com o fato.

"Nesse contexto, como inobservada garantia constitucional e disposição legal contida na lei processual penal, tudo o que se seguiu à ilegal e desmotivada abordagem policial ao paciente, não pode ser considerado, pois estamos diante de prova ilícita, tendo aplicabilidade na hipótese a teoria dos frutos da árvore envenenada", explicou Oliveira.

"A forma como os agentes públicos atuaram na abordagem ao paciente, sem qualquer atitude suspeita e fundada na sua movimentação, e sem uma investigação prévia comprovada, não constitui fundamento suficiente para autorizar a conclusão de que havia uma situação de flagrante delito, ainda que tenham sido encontradas e apreendidas drogas no contexto de uma continuidade nas investigações."

A conclusão do magistrado foi pela ilegalidade e inconstitucionalidade da abordagem policial ao paciente, o que não permite a manutenção da sua prisão em flagrante e também leva ao trancamento da ação penal por ausência de justa causa. A decisão se deu por unanimidade.

Processo 2292711-40.2022.8.26.0000

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