Opinião

Necessidade de revisão da Súmula 699 do STF

Autor

  • Felipe Souza

    é advogado criminalista sócio proprietário do escritório Souza Advocacia pós-graduado em Ciências Criminais pela Universidade de São Paulo (USP) vice-presidente da Comissão de Direito Penal da OAB Santos/SP e ex-secretário da mesma comissão.

18 de março de 2023, 13h12

Recentemente houve o julgamento de mérito acerca da existência de repercussão geral face à necessidade, ou não, de revisão ou de cancelamento de súmula vinculante em virtude da superveniência de lei de conteúdo divergente (Tema 447).

Com isto, foi fixada a seguinte tese: "1. A revogação ou modificação do ato normativo em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante acarreta, em regra, a necessidade de sua revisão ou cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o caso. 2. É constitucional a previsão legislativa de perda dos dias remidos pelo condenado que comete falta grave no curso da execução penal" [1].

É com base neste primeiro ponto em destaque que demonstraremos a problemática (procurando apontar a solução) do tema.

Previa o artigo 28, da Lei nº 8.038/90, que "denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de cinco dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso".

Face à entrada em vigor da Lei nº 8.950/94, houve a necessidade da elaboração do enunciado sumular nº 699, pelo E. STF (em 2003), dispondo que "o prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a Lei 8.038/1990, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da Lei 8.950/1994 ao Código de Processo Civil".

Até aquele momento não havia grandes discussões sobre o prazo de interposição do agravo interno (denominado ali de "agravo de instrumento").

Isto até a entrada da Lei nº 12.332/2010, que, alterando o artigo 544, do Código de Processo Civil vigente à época (Código Buzaid), previa que "não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de dez dias".

Contudo, a jurisprudência logo tratou de solucionar a divergência, fixando, no julgamento do ARE nº 639.846, o entendimento de que "a alteração promovida pela Lei nº 12.322, de 9 de setembro de 2010, não se aplica aos recursos extraordinários e agravos que versem sobre matéria penal e processual penal, de modo que o prazo do Agravo em Recurso Extraordinário criminal é o de cinco dias previsto no artigo 28 da Lei nº 8.038/90, e não o de dez dias, conforme o artigo 544 do CPC" (STF  ARE: 639846 SP, relator: ministro DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 06/05/2011, Data de Publicação: DJe-088 DIVULG 11/05/2011 PUBLIC 12/05/2011).

Aparentemente estava novamente solucionada qualquer dúvida a respeito do prazo de interposição do agravo em matéria penal. Era o que se pensava, pois, com a entrada em vigor da Lei nº 13.105/15 (Código de Processo Civil), o artigo 28, da Lei nº 8.038/90 foi expressamente revogado, conforme o IV, do artigo 1.072, do Código de Processo Civil [2].

Face a isto, em substituição a este recurso, por exemplo, nas hipóteses previstas no §2º, do artigo 1.030, do Código de Processo Civil [3]  que trata da admissibilidade primária dos Recursos Extraordinários (lato sensu)  não mais caberia o "agravo de instrumento" previsto no artigo 28, da Lei nº 8.038/90, mas sim o agravo interno, agora previsto no artigo 1.021, do Código de Processo Civil [4].

Ocorre que, também a partir da entrada em vigor do Código de Processo Civil, surgiu a previsão do artigo 1.070, caput, prevendo que "é de 15 dias o prazo para a interposição de qualquer agravo, previsto em lei ou em regimento interno de tribunal, contra decisão de relator ou outra decisão unipessoal proferida em tribunal".

A partir disto surgiu a seguinte celeuma interpretativa: "qual seria o prazo previsto para o agravo interno em matéria penal diante da inadmissibilidade dos Recursos Extraordinários (lato sensu)?".

A jurisprudência tem fornecido, de forma não uníssona, entendimentos sobre a questão:

"(…) Inicialmente, importa observar que o prazo para a interposição do agravo de instrumento contra decisão que não admitia recurso extraordinário estava estabelecido no artigo 28 da Lei 8.038/1990, que previa o prazo de cinco dias. Com as alterações trazidas ao Código de Processo Civil pela Lei 8.950/1994, esta Corte pacificou o entendimento de que o artigo 28 da Lei 8.038/1990 não foi revogado em matéria penal, permanecendo em cinco dias o prazo de interposição do agravo, nos termos da Súmula 699 do STF (AI 197.032 QO, relator ministro Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 05.12.1997). Na mesma linha, a despeito da controvérsia suscitada quando da edição da Lei 12.322/2010, o Plenário desta Corte, no julgamento do ARE 639.846 AgR-QO, firmou o entendimento no sentido de que a edição da referida lei não afetou o prazo de interposição do agravo em matéria criminal, restando mantidos, portanto, os termos da Súmula 699 desta Corte. (…). Ocorre que o novo Código de Processo Civil alterou toda a sistemática recursal e, especificamente quanto ao recurso extraordinário, revogou expressamente os artigos 26 a 29 e 38 da Lei 8.038/1990 (artigo 1.072 do NCPC). (…). Logo, diante da nova sistemática processual, o prazo para interposição do agravo que almeja destrancar recurso extraordinário criminal inadmitido na origem passou a ser de 15 dias, face ao NCPC. Porém, a contagem continua regida pelo CPP". (ARE 993.407, voto do relator ministro Edson Fachin, 1ª T, j. 25-10-2016, DJE 200 de 5-9-2017).

Em sentido contrário:

"II – É intempestivo o agravo em matéria criminal que não observa o prazo de interposição de cinco dias estabelecido no artigo 28 da Lei 8.038/1990. III – Esta Corte, resolvendo questão de ordem suscitada no ARE 639.846 AgR/SP, decidiu pela manutenção do enunciado da Súmula 699/STF."
(ARE 1.107.644 AgR, relator ministro Ricardo Lewandowski, 2ª T, j. 6-9-2019, DJE 200 de 16-9-2019).

Portanto, nos parece que, agora fixada a tese no Tema 447, de onde se compreende que "a revogação ou modificação do ato normativo em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante acarreta, em regra, a necessidade de sua revisão ou cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o caso", há um caminho mais seguro para haja a revisão, ou mesmo o cancelamento, da Súmula nº 699, do STF, pela ausência de fundo normativo para a devida interpretação jurisprudencial.


[1] Disponível aqui. Acesso em: mar./2023. BRASIL. Supremo Tribunal Federal.

[2] Artigo 1.072. Revogam-se: (…) IV – os artigos 13 a 18 , 26 a 29 e 38 da Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990;

[3] Artigo 1.030. (…) §2º Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do artigo 1.021;

[4] Artigo 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.

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    é advogado criminalista, sócio proprietário do escritório Souza Advocacia, pós-graduado em Ciências Criminais pela Universidade de São Paulo (USP), vice-presidente da Comissão de Direito Penal da OAB Santos/SP e ex-secretário da mesma comissão.

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