paradigma do antecessor

Ação sobre pesca de arrasto no RS está parada no gabinete de Kássio há 2 anos

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2 de março de 2023, 13h49

Mais de dois anos após sua liminar favorável à pesca de arrasto no litoral do Rio Grande do Sul, o ministro Kássio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, ainda não liberou o caso para referendo no Plenário. A fundamentação da decisão é contrária à do ministro aposentado Celso de Mello, antigo relator da ação.

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Pesca com rede de arrasto traz impactos negativos ao meio ambienteReprodução

Em dezembro de 2020, Kássio autorizou a retomada da pesca de arrasto — considerada prejudicial aos ecossistemas marinhos, já que a rede de malha usada captura tudo o que encontra pela frente, e não apenas os animais que se pretende pescar. A decisão foi elogiada pelo então presidente Jair Bolsonaro, que defende a prática.

A liminar foi de encontro a uma decisão proferida um ano antes por Celso. Na ocasião, o magistrado negou um pedido liminar do Partido Liberal (PL), autor da ação, para suspender a lei gaúcha de 2018 que proíbe a pesca de arrasto em todo o estado.

Após reverter o entendimento de seu antecessor no cargo, Kássio não submeteu a ação ao Plenário de imediato. Em julho do último ano, ele afirmou à Folha de S.Paulo que liberaria o processo para o restante da corte até o fim de 2022, o que não ocorreu. Agora, promete pautar o julgamento antes de junho deste ano.

Apesar da liminar, a pesca de arrasto atualmente não está permitida no Rio Grande do Sul. Um mês após a decisão de Kássio, o então Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) publicou uma portaria que suspendeu a modalidade no estado. Já em março de 2022, a pasta liberou a prática. Um mês depois, a Justiça Federal retomou a proibição, o que foi confirmado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em junho.

Competências
Ao ajuizar a Ação Direta de Inconstitucionalidade, o PL alegou que a competêcia para legislar sobre o mar seria exclusiva da União. Celso rebateu o argumento e reconheceu que os estados também têm competência para editar leis de defesa do meio ambiente.

Na ocasião, o ministro admitiu que a União tem o "domínio patrimonial" sobre o mar brasileiro. Porém, segundo ele, isso não significa que os estados e municípios são impedidos de exercer o chamado "federalismo de cooperação" e legislar, de forma suplementar, sobre outros aspectos próprios do seu território, "especialmente em matéria de proteção ao meio ambiente".

A partir de parâmetros da própria Constituição, o magistrado concluiu que a proteção ambiental, a conservação da natureza, a defesa dos recursos naturais e a regulação da pesca são temas que os estados têm competência para abordar, concorrentemente com a União. Nesses casos, a União não tem "poderes ilimitados" para "transpor o âmbito das normas gerais" e invadir a competência dos estados.

Além disso, a Lei Complementar 140/2011 atribuiu competência aos estados para formular, executar e cumprir políticas próprias de meio ambiente e exercer o controle ambiental local da pesca, de acordo com as diretrizes instituídas pela União.

Na visão de Celso, a lei gaúcha está em conformidade com as regras da Lei 11.959/2009, que proíbe o emprego de quaisquer instrumentos ou métodos de pesca predatórios.

Por fim, o ministro mencionou o princípio da vedação ao retrocesso social, extraído de dispositivos da Constituição. Conforme este postulado, não se pode reduzir "os níveis de concretização já alcançados em tema de direitos fundamentais", o que inclui o meio ambiente.

A decisão do antigo relator tem 58 laudas e cita, por exemplo, relatórios técnicos de instituições de ensino que apontavam ameaça à capacidade de renovação de estoques pesqueiros e diminuição das capturas. De acordo com os documentos, o uso de redes de malha fina faz com que um grande número de peixes pequenos sejam capturados e devolvidos às águas já sem vida.

Na decisão de 2020, o sucessor de Celso no STF retomou o argumento da competência privativa federal. Kássio apontou que a União já havia editado norma que proibia a pesca de arrasto a menos de três milhas náuticas. Também lembrou que o Rio Grande do Sul não estava incluso na iniciativa conjunta entre o Brasil e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, que adotou uma política pública de desenvolvimento sustentável da pesca de arrasto.

Em nota, o ministro Nunes Marques afirmou que não está desrespeitando as regras da Corte. "O ministro Kassio Nunes Marques cumpre todas as normas legais e do regimento do STF. Ele afirma que a independência da magistratura é um dos pilares do Estado Democrático de Direito e é fundamental para a preservação institucional."

Clique aqui para ler a decisão de Nunes Marques
Clique aqui para ler a decisão de Celso de Mello
ADI 6.218

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