Opinião

Parcelamento do débito na execução trabalhista: direito ou faculdade do juízo?

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20 de maio de 2023, 13h19

As dificuldades na efetividade dos processos de execução não são novidades para operadores do direito e nem mesmo para os jurisdicionados, tanto que, no âmbito da Justiça do Trabalho, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) editou a Resolução nº 279, de 20 de novembro de 2020 [1], na qual instituiu, dentre os programas e políticas permanentes, o de efetividade da execução trabalhista (artigo 2º, IV da Resolução 279/2020).

Além disso, foi criada, no mesmo âmbito, uma Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista, composta por cinco magistrados de primeiro grau da Justiça do trabalho, cada qual representando uma das cinco regiões geoeconômicas do país, além de um coordenador e, no mínimo, um juiz auxiliar da presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), todos indicados pela Presidência do CSJT.

Some-se a isso a criação da Semana Nacional da Execução trabalhista, todas elas com o mesmo objetivo: a efetividade da execução trabalhista, na medida em que as fraudes às execuções, com dilapidação patrimonial, têm sido um empecilho a essa tão almejada afetividade.

Nesse contexto de fraude também se assoma a crise econômica por que passa o país no pós pandemia [2], a qual, igualmente, dificulta a solvabilidade do crédito trabalhista.

Mas no processo de execução, como em tudo na vida, é necessário separar o joio do trigo, eis que existem executados que se utilizam de todos os artifícios possíveis (legais ou não) para retardar a execução, com o intuito rasteiro, ressalte-se, de não adimplir o valor exequendo, e há devedores que possuem verdadeira intenção de cumprir o comando judicial, mas não dispõem de toda a importância condenatória, ou, dispondo, não podem abrir mão de todo valor sem que isto implique no bom andamento das atividades da empresa.

Também por isso  dar efetividade a execução e privilegiar princípios gerais aplicáveis ao processo de execução  a Instrução Normativa (IN) 39 do TST, no artigo 3º, XXI admitiu a aplicabilidade do parcelamento do débito, previsto no artigo 916 e parágrafos do CPC [3], ao processo do trabalho [4].

A medida privilegia, como se disse, a efetividade da execução, à medida que permite que os débitos possam ser pagos de modo parcelado, sem, no entanto, ferir direitos do exequente, que, em contrapartida, recebe o valor de cada parcela corrigido monetariamente e com a incidência de juros de mora de 1% ao mês.

Apesar de a IN 39 ser literal quanto à aplicabilidade do comando do artigo 916 do CPC ao processo do trabalho, ainda existem juízes que indeferem o pleito por eventual discordância do exequente; por entender que seria necessária uma justificativa concreta e comprovada do executado para o pagamento parcelado do débito (a exemplo de eventual incapacidade financeira); ou por se tratar de execução de título judicial (óbice do §7ª, do artigo 916 do CPC). Veja-se, nesse caso, a decisão tomada em 06/09/2018 pelo TRT da Segunda Região nos autos processo nº 0073600-97.2006.5.02.0443:

O artigo 916 do CPC não é aplicável subsidiariamente ao Processo do Trabalho, senão nos casos de execução de título extrajudicial. Nestes termos é a própria redação do verbete, quando no seu §7º dispõe expressamente que "O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença".

Pois bem se até mesmo no processo civil a legislação não admite o parcelamento da dívida no caso de execução de sentença, que dirá no Processo do Trabalho, cuja natureza da dívida é alimentar cuja execução de sentença é informada por legislação e princípios próprios.

O disposto no artigo 916 do CPC é incompatível com as disposições da CLT, por haver norma específica regulando a matéria (artigo 880 da CLT), que exige o integral pagamento, em caso de cumprimento de decisão ou acordo, ou quando se tratar de pagamento em dinheiro.

Além disso, o artigo 884 da CLT é express ao dispor que o prazo para a oposição de embargos à execução passa a fluir com a garantia integral da execução.

Saliente-se, por oportuno, que esse entendimento em nada contraria a Instrução Normativa nº 39/2016 do C.TST, posto que de fato o verbete legal se aplica nos casos de execução de títulos extrajudiciais nesta Justiça Especializada

No entanto, a corrente segundo a qual deve haver motivo plausível e comprovado para o deferimento do parcelamento ou mesmo que o instituo não se aplica à execução de título judicial, no nosso entender, não navega em mar bonança!

Essa conduta até mesmo parece violar princípios do executado; a previsão do artigo 916 do CPC; e a própria IN 39, os quais não estabelecem ressalvas subjetivas desse jaez ao parcelamento do débito.

É que o comando do artigo 916 do CPC aduz que "[N]o prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até seis parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês".

De mais disso, o dispositivo supracitado indica que o exequente será intimado apenas "para manifestar-se sobre o preenchimento dos pressupostos do caput, e o juiz decidirá o requerimento em cinco dias".

A exegese do artigo 916 do CPC permite concluir que uma vez atendidos os requisitos objetivos (deposito de 30%, acrescido de custas e de honorários de advogado, no prazo dos embargos e reconhecendo o crédito do exequente, além de depositar as parcelas vincendas enquanto o requerimento não restar apreciado) o parcelamento é direito do executado, que não precisa justificar o requerimento, nem muito menos provar a impossibilidade de pagamento integral do valor, por se tratar de direito subjetivo.

Anote-se, por essencial, que o instituto do parcelamento homenageia o princípio da menor onerosidade da execução, segundo o qual "diante da potencialidade lesiva que a execução possa ter sobre o patrimônio do devedor, faculta a lei que, quando por mais de um modo a execução possa ser realizada, com a mesma eficácia para o credor, se preferirá o meio menos gravoso ao devedor, como forma de proteção à dignidade do devedor e tornar a execução mais humanizada" [5].

Diga-se, ainda, que não teria sentido algum a IN prever a aplicabilidade do parcelamento ao processo do trabalho, sem ressalvar a hipótese do §7º, quando a grande maioria das execuções trabalhistas dizem respeito a títulos judiciais (cumprimento de sentença).

Em abono a esse entendimento, o TST, pela 2ª e 4ª Turmas, em julgamentos de recursos de natureza extraordinária, assim se posicionou:

"PROCESSO DE EXECUÇÃO. PARCELAMENTO DO DÉBITO. ARTIGO 916 DO CPC/2015. DIREITO SUBJETIVO DO EXECUTADO. O parcelamento previsto no artigo 916 do CPC/2015 é aplicável ao processo do trabalho e configura direito subjetivo do executado, garantido pela norma legal, desde que atendidos os requisitos legais, quais sejam, a garantia do Juízo, mediante depósito do valor equivalente a 30% do débito, além de outras medidas que o Juízo da execução possa estabelecer. Recurso de Revista conhecido e provido". (TST-RR-1789-68.2016.5.02.0384, relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 14/08/2019, 4ª Turma).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. PARCELAMENTO. ARTIGO 916 DO CPC/2015. DIREITO SUBJETIVO DO EXECUTADO. É pacífico no âmbito desta Corte que a possibilidade de parcelamento do débito prevista no artigo 916 do CPC/2015 é aplicável ao processo do trabalho, configurando direito subjetivo do executado, desde que cumpridos os requisitos legais. (…) Agravo de instrumento conhecido e não provido". (TST-AIRR-100200-97.2017.5.01.0037, relator: Ministro José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 18/05/2021, 2ª Turma).

Portanto, o parcelamento do débito, previsto no artigo 916 do CPC e aplicável ao processo do trabalho por força da IN 39 do TST, é direito do executado, desde que atendidos os requisitos objetivos previstos em lei. A decisão que indefere o pedido pelo magistrado, ainda que atendidos os requisitos legais, configura violação ao direito do devedor; ao princípio da menor onerosidade da execução; e ao artigo 916 do CPC, e, por isto mesmo, pode ser objeto de Mandado de Segurança, considerando o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias (como regra geral) no processo do trabalho.

 


[1] CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO (Brasil). Resolução n. 279/CSJT, de 20 de novembro de 2020. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho: caderno administrativo [do] Conselho Superior da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, n. 3115, p. 14-15, 4 dez. 2020.

[2] ALPACA, Nathalie Hanna; SOARES Fernanda. Pesquisa aponta que crise econômica preocupa mais os brasileiros do que a pandemia. CNN Brasil, 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/pesquisa-aponta-que-crise-economica-preocupa-mais-os-brasileiros-do-que-a-pandemia/. Acesso em 15 maio de 2023.

[3] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 16 mar. 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 15 maio 2023.

[4] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução nº 203, de 15 de março de 2016 [Instrução Normativa n. 39]. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho: caderno judiciário do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, DF, n. 1939, p. 1-4, 16 mar. 2016.

[5] SCHIAVI, Mauro. Manual didático de direito processual do trabalho. São Paulo: Jus Podivm, 2020.

Autores

  • é advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário, sócio-fundador do BMI Advocacia, ex-coordenador trabalhista em escritórios de advocacia em Sobral e Fortaleza, ex-estagiário no Banco do Nordeste do Brasil S.A. e do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM/CE) e ex-membro do grupo de pesquisa Direito Privado na Constituição da Universidade de Fortaleza (Unifor).

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