Placa artesanal e adulteração de motor: veja os novos crimes do artigo 311 do CP
11 de maio de 2023, 8h00
Imaginemos a seguinte ocorrência: uma motocicleta vai a leilão com seu chassi adulterado ou ilícitos administrativos. No momento em que suas peças são leiloadas, a placa é destruída e o número do chassi suprimido por determinação legal e regulamentar das normas de trânsito, a fim de que ela não possa ser reutilizada. O comprador, no entanto, sem autorização e ilegalmente, resolve montar o veículo com as peças adquiridas e produz uma placa artesanalmente, com os números de origem, e passa a circular. Surpreendido pela polícia, deve ser preso em flagrante? Pela nova lei, sim. Com a nova redação do artigo 311, § 2º, III, do CP, aquele que adquire, transporta, conduz, monta ou remonta em proveito próprio ou alheio veículo automotor, motor, chassi ou placa de identificação comete crime e pode ser preso em flagrante. No caso, o sujeito remontou ilicitamente o veículo e o colocou para circular como se estivesse autorizado a fazê-lo, dificultando a fiscalização das autoridades de trânsito. Situação distinta é aquela em que o veículo é vendido sem ser desmontado e com a placa oficial, a qual não foi montada artesanalmente. Neste caso, não restará configurado tal delito, devendo o leiloeiro ser responsabilizado administrativa e até penalmente, desde que configurado o dolo.
A Lei 14.562/2023 modificou parágrafos e incluiu novas formas de crime de falsificação de veículo automotor, além de acrescentar objetos materiais passíveis de adulteração criminosa, tais como veículo elétrico, veículo híbrido, monobloco, motor, reboque, semirreboque e placa de identificação. Foram ainda acrescentadas: a conduta de suprimir (raspar) e a exigência de que a conduta seja feita sem autorização do órgão competente para que se configure a infração penal.
O artigo 311 do CP é norma penal em branco, por necessitar de outro diploma legal para completar seu sentido. A norma complementar aplicável é o Código de Trânsito Brasileiro, o qual traz em seu "Anexo I" [1] os conceitos de veículo automotor, reboque e semirreboque. Conforme assevera Fernando Abreu: o "CTB não trouxe a definição de veículos elétricos ou híbridos, não obstante se referir a veículos elétricos em algumas oportunidades (art. 96, b, 120, 130, 140, 141, 155 e anexo 1). Veículo elétrico é o termo genérico utilizado com frequência para identificar veículos elétricos puros, isto é, veículos com propulsão elétrica dedicada, cuja fonte energética provém da eletricidade, armazenada em uma bateria interna" [2].
Vale pontuar que na redação anterior, reboques e semirreboques não eram considerados veículos automotores, por absoluta impossibilidade de locomoção por seus próprios meios, bem como não eram considerados equipamentos. Por conseguinte, as condutas que resultavam em adulteração e remarcação de sinal identificador de reboques e semirreboques não poderiam se subsumir ao tipo penal do artigo 311 do Código Penal, que versava unicamente acerca de veículo automotor.
Dessa maneira, e em clara observância ao princípio da reserva legal, taxatividade e a vedação à analogia in malam partem, o STJ entendia ser atípica a adulteração e a remarcação de sinal identificador de reboques e semirreboques, sob pena da incidência do tipo penal a objetos materiais que não estavam estritamente previstos na definição legal: Da análise da classificação proposta na Lei nº 9.503/97, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, infere-se que veículos automotores e veículos do tipo reboque ou semirreboque são considerados categorias distintas, inclusive pelo próprio conceito que lhes é atribuído, já que o primeiro é dotado da aptidão de circular por seus próprios meios, ausente no segundo. Tal constatação impede a adequação típica da conduta prevista no aludido dispositivo do Código Penal à que se atribui ao paciente na exordial acusatória em apreço, em respeito ao princípio da legalidade estrita, previsto no artigo 1º do Estatuto Repressor, na sua dimensão da taxatividade [3].
Corrigindo tais lacunas, as quais geravam impunidade, a Lei 14.562/23 [4] passou a prever como crime (destaques em negrito): "Adulterar, remarcar ou suprimir número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente — Pena — reclusão, de três a seis anos, e multa".
Tutela-se a fé pública sobre o número do chassi ou qualquer sinal identificador de veículo de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos.
Adulterar significa modificar o conteúdo mediante alteração das inscrições já constantes, e remarcar implica na inserção de nova sequência de códigos no espaço em que havia a numeração correta. Segundo Kenki Ishida, "A Lei nº 14.562/23 introduziu o verbo 'suprimir' que significa cancelar, eliminar. O objeto material era somente o veículo automotor, ou seja, aquele que se move por meio mecânico, eminentemente o motor de explosão, abrangendo o automóvel, motocicleta. No entanto, a partir da entrada em vigor da Lei 14.562/2.023, o tipo penal passou a incluir o veículo elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque (apoia-se parte do seu peso, necessitando de um suporte mais robusto) ou ainda de suas combinações (reboque e semirreboque) e ainda os componentes ou equipamentos. Anteriormente o reboque não era compreendido porque a inclusão nesse caso seria utilização de analogia in malam partem (STJ, HC 134.794-RS, rel. min. Jorge Mussi, j. 28-9-2010). Andou bem a Lei nº 14.562/23 em razão do princípio da legalidade. Agora a adulteração abrange o veículo ou ainda o reboque" [5]. É também objeto material do crime qualquer sinal identificador de veículo, de seu componente ou equipamentos, número de chassi, monobloco, motor ou placa de identificação.
No delito em comento, verifica-se um tipo misto alternativo ou de conteúdo variado, no qual ainda que o agente pratique mais de um núcleo do tipo no mesmo contexto fático, responderá por apenas um, e o outro será considerado pelo juiz na primeira fase da dosimetria da pena, quando da fixação da pena base (CP, artigos 68 e 59, respectivamente), desde que as diferentes ações sejam praticadas no mesmo contexto, isto é, dentro da mesma linha de desdobramento causal.
Sujeito passivo principal do crime é o Estado, e, secundariamente, a vítima prejudicada diretamente com a adulteração ou remarcação.
O elemento subjetivo é o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de realizar as ações previstas no tipo, ciente de que não tem autorização do órgão competente.
Trata-se de crime formal, de resultado cortado ou consumação antecipada. Consuma-se com a efetiva adulteração ou remarcação do número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente. A tentativa é possível.
Há uma causa de aumento de pena prevista no § 1º, "se o agente comete o crime no exercício da função pública ou em razão dela, a pena é aumentada de um terço".
De acordo com o § 2º: "Incorrem nas mesmas penas do caput deste artigo: I – o funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informação oficial; II – aquele que adquire, recebe, transporta, oculta, mantém em depósito, fabrica, fornece, a título oneroso ou gratuito, possui ou guarda maquinismo, aparelho, instrumento ou objeto especialmente destinado à falsificação e/ou adulteração de que trata o caput deste artigo; ou III – aquele que adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, mantém em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar adulterado ou remarcado". Dessa maneira, as condutas previstas no §2º sofrerão a incidência da causa de aumento de 1/3 na pena. O § 3º prevê uma qualificadora, elevando a pena de reclusão para 4 a 8 anos e multa, quando praticado no exercício de atividade comercial ou industrial. O §4º, por sua vez, equiparou à atividade comercial, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive aquele exercido em residência. Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada.
[1] Código de Trânsito Brasileiro – Anexo I: "VEÍCULO AUTOMOTOR – todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).
REBOQUE – veículo destinado a ser engatado atrás de um veículo automotor.
SEMI-REBOQUE – veículo de um ou mais eixos que se apóia na sua unidade tratora ou é a ela ligado por meio de articulação".
[2] BLOG MEGE. Fernando Abreu. Art. 311 do Código Penal, de acordo com a Lei 14562/23. Disponível em: https://blog.mege.com.br/art-311-codigo-penal-lei-14562-saiba-o-que-mudou/
[3] STJ – RHC 98.058/MG (j. 24/09/2019.
[4] Lei 14.562/23 disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14562.htm#art2
[5] MEU SITE JURÍDICO: Valter Kenji Ishida. A Lei Nº 14.562, de 26 de Abril de 2023 e o crime de adulteração de sinal de identificador de veículo (Art. 311 do CP). Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/05/04/a-lei-no-14-562-de-26-de-abril-de-2023-e-o-crime-de-adulteracao-de-sinal-de-identificador-de-veiculo-art-311-do-cp/
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