Opinião

Filtro de relevância do REsp e a incidência da Súmula 182/STJ no AREsp

Autor

  • Leonis de Oliveira Queiroz

    é mestre em Regulação e Políticas Públicas especialista em Direito Público graduado em Direito e Segurança da Informação ex-conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal servidor do Superior Tribunal de Justiça e autor de artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

    View all posts

2 de maio de 2023, 16h26

O recurso especial é o instrumento de impugnação utilizado perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) com o objetivo de uniformizar a interpretação da legislação federal. Conforme dispõe a Constituição no artigo 105, III e suas alíneas:

"Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal."

No entanto, nem todos os recursos especiais são admitidos pelo tribunal, uma vez que, dentre outros requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade já existentes, em 2022 foi criado um filtro de relevância que limita a sua admissibilidade.

Trata-se de mais um pré-requisito para a admissibilidade do apelo nobre, tal como a repercussão geral o é para os recursos extraordinários direcionados ao STF (Supremo Tribunal Federal), e foi estabelecido pela Emenda Constitucional nº 125, de 15/7/2022, que acrescentou os parágrafos 2º e 3º ao artigo 105, com o seguinte teor:

2º. No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 125, de 2022).
§ 3º. Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 125, de 2022).
I – ações penais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 125, de 2022).
II – ações de improbidade administrativa; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 125, de 2022).
III – ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 125, de 2022).
IV – ações que possam gerar inelegibilidade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 125, de 2022).
V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 125, de 2022).
VI – outras hipóteses previstas em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 125, de 2022)."

Conforme transcrito acima, de acordo com o filtro de relevância, somente os recursos que apresentam questões de relevância jurídica, notória divergência jurisprudencial ou contrariedade a súmula ou a jurisprudência dominante do tribunal serão admitidos.

Dessa forma, o filtro tem o objetivo de concentrar a atuação do STJ nas questões que efetivamente demandam uma análise especializada, contribuindo para a racionalização e eficiência do julgamento dos Recursos Especiais.

Em 5/12/2022 o STJ encaminhou ao Senado um anteprojeto de lei, com a proposta de regulamentação da Emenda Constitucional 125 de 2022, objetivando dar a efetividade e o alcance que o texto constitucional pretende com o referido filtro.

No primeiro juízo de admissibilidade realizado perante o Tribunal de origem, o filtro de relevância impedirá a ascensão de muitos processos para o STJ, o que, em contrapartida, poderá aumentar significativamente o número de agravo em recurso especial (AREsp) para análise e julgamento perante a Corte Superior. Ressalte-se que

"O instrumento processual denominado agravo em recurso especial (ARESP) possui como única finalidade no ordenamento jurídico pátrio 'destrancar' o recurso especial interposto e obstado na origem, mediante a impugnação aos fundamentos da decisão do Tribunal a quo, que desautorizou a 'subida' do apelo nobre" (AgInt nos EDcl no AREsp 349.577/RS, relator ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, DJe 26/10/2017 — grifou-se).

Nesse sentido, já é possível prever que o advogado terá que demonstrar, de forma clara e suficientemente fundamentada, que o seu recurso especial preenche os requisitos do artigo 105, § 3º, da Constituição, e não poderá fazê-lo de forma genérica, sob pena de aplicação da Súmula nº 182/STJ, por falta de impugnação específica aos fundamentos da decisão agravada.

Se atualmente a Súmula nº 182/STJ já influencia o processamento e julgamento do apelo excepcional, quando o filtro de relevância for devidamente regulamentado, a admissibilidade do REsp será ainda mais rigorosa. Será um verdadeiro pente fino de admissibilidade. Um pente finíssimo!

E assim o deve ser, porquanto, o STJ não é terceira instância recursal. Com atribuições devidamente delineadas na Constituição, não pode fazer as vezes de um tribunal de apelação. É um tribunal de uniformização da legislação federal.

Como se pode notar, é possível antever uma forte relação entre o filtro de relevância do recurso especial e a Súmula 182/STJ. E essa ligação se dá pelo fato de que, se o agravo em recurso especial não impugnar adequadamente os fundamentos da decisão agravada, deixando de demonstrar a relevância jurídica, a notória divergência jurisprudencial ou a contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante, poderá ser considerado inviável, o que poderá prejudicar o processamento e julgamento do recurso especial em si.

Apesar de o juízo de admissibilidade do recurso especial ser bifásico, isto é, analisado primeiramente pela corte local, e depois, pelo STJ, na via do AREsp, a reiteração de fundamentos já examinados e afastados no primeiro juízo de admissibilidade, a fim de tentar demonstrar a qualquer custo que o recurso especial ultrapassa o filtro de relevância, pode evidenciar abuso do direito de recorrer, e ter consequências jurídicas daí decorrentes, como a aplicação de multa por litigância de má-fé.

É fundamental que os operadores do direito estejam atentos a esses aspectos ao interpor tanto o REsp quanto o AREsp, sempre analisando a relevância jurídica da causa, e não simplesmente a relevância pessoal que o caso tem para o jurisdicionado. As partes devem ser esclarecidas acerca desse filtro, e esse papel caberá ao advogado, nos termos do artigo 133, da CF/1988.

O maior interesse que deve ser preservado, é o interesse da coletividade, notadamente, o de ter uma prestação jurisdicional célere e efetiva, de forma que a mera vontade pessoal das partes não ocupe o sacratíssimo tempo que os ministros têm para julgar as questões que realmente são relevantes para a sociedade como um todo, e assim, uniformizar a interpretação que deve ser dada à lei.

Diante disso, é possível concluir que o filtro de relevância do recurso especial e a incidência da Súmula 182/STJ no agravo em recurso especial estão interligados, uma vez que o cumprimento adequado dos requisitos de admissibilidade e fundamentação do Agravo pode influenciar a análise e julgamento do próprio recurso especial pelo STJ.

Autores

  • é ex-conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal Copen-DF, servidor do Superior Tribunal de Justiça (ex-assessor da Presidência), especialista em Direito Público e mestrando pelo programa de mestrado profissional em Direito, Regulação e Políticas Públicas da Universidade de Brasília (UnB), conceito Capes 6.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!