Opinião

Regimes aplicáveis ao PIS e a Cofins até a edição da MP nº 1.159/23

Autor

  • Daniel Piga Vagetti

    é advogado contador atuante no consultivo tributário especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e mestrando em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

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1 de maio de 2023, 13h14

A análise aqui passa, necessariamente, pelo imprescindível estudo, ainda que de maneira breve, a respeito da evolução histórica do regramento da contribuição ao PIS e da Cofins, tratando das primeiras regulações até as posteriores alterações que culminaram no regime atual de tributação das referidas contribuições.

Em um primeiro momento foi implementado o PIS, originalmente instituído pela LC nº 07/70, tendo em vista a competência residual da União e decorrente da necessária regulamentação infraconstitucional do inciso V do artigo 165 da CF/67 (com redação dada pela EC nº 01/69) [1], como fundo de participação que possuía a finalidade de promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empresas, mediante a cobrança de duas parcelas sobre: (1) a dedução do imposto sobre a renda devido; e (2) o faturamento da empresa.

Ato subsequente, após a declaração de inconstitucionalidade [2] do Decreto-Lei nº 2.445/88 e do Decreto-Lei nº 2.449/88, que tratavam da incidência do PIS sobre a receita operacional bruta das pessoas jurídicas de direito privado, deu-se a promulgação da CF88, que recepcionou referido programa como contribuição à seguridade social, ao lhe destinar para o financiamento do seguro-desemprego e do abono salarial, nos termos do seu artigo 239 e, por consequência, submetendo-a ao regramento do artigo 195 daquele diploma constitucional [3].

Desse modo, o PIS acabou sendo abarcado pelo conceito de seguridade social previsto no artigo 194 da CF88, uma vez que assegura os direitos relativos à previdência e, portanto, vinculado às regras e disposições descritas no referido artigo 195 do texto constitucional.

De maneira posterior, com base nas disposições do inciso I do artigo 195 da CF88, a LC nº 70/91 instituiu a Cofins, com incidência sobre o faturamento mensal das pessoas jurídicas, que abarcava a receita bruta das vendas de mercadorias e serviços prestados pelo contribuinte.

A despeito da discussão quanto à inconstitucionalidade do alargamento das bases de cálculo dos tributos objetos da presente análise, a Lei nº 9.718/98 regulamentou de forma mais específica a Contribuição ao PIS e a Cofins. Ato contínuo, com a promulgação da EC nº 20/98, houve a inclusão da "receita" como grandeza passível de tributação para fins de financiamento da seguridade social, em razão da alteração promovida no inciso I do artigo 195 da CF/88.

Por fim, cabe destacar que as legislações mencionadas, muito embora autorizassem a exclusão de determinados valores da base de cálculo das contribuições ao PIS e da Cofins, regulavam a incidência cumulativa dos referidos tributos, sem garantir o desconto de créditos. Assim, temos que o regime cumulativo se refere a exigência das contribuições sobre as receitas da atividade, inexistindo a possibilidade de amortização dos valores incidentes nas fases que a precedem.

No que se refere ao regime não cumulativo do PIS e da Cofins, o mesmo foi instituído no ordenamento jurídico por meio da EC nº 42/03, que introduziu o parágrafo 12 no artigo 195 da CF88. Foi, então, com a Lei nº 10.637/02, fruto da conversão da Medida Provisória nº 66/02, sob o fundamento de reestruturação na forma de cobrança das contribuições sociais incidentes sobre o faturamento, que se implementou a sistemática da não cumulatividade, iniciada para a contribuição ao PIS e que posteriormente seria estendida à Cofins (Lei nº 10.833/03).

O modelo de não cumulatividade para o PIS e a Cofins foi idealizado na perspectiva de que o tributo tivesse a sua incidência apenas sobre o valor agregado ao produto do qual resultaria a receita do contribuinte. A exposição de motivos da referida MP nº 66/02 [4] é bastante esclarecedora a esse respeito:

2. (…) Após a instituição da cobrança monofásica em vários setores da economia, o que se pretende, na forma desta Medida Provisória, é, gradualmente, proceder-se à introdução da cobrança em regime de valor agregado – inicialmente com o PIS/Pasep para, posteriormente, alcançar a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) (…). 9. A alíquota foi fixada em 1,65% e incidirá sobre as receitas auferidas pelas pessoas jurídicas, admitido o aproveitamento de créditos vinculados à aquisição de insumos, bens para revenda e bens destinados ao ativo imobilizado, ademais de, entre outras, despesas financeiras. 10. Até o final do exercício de 2003, o Poder Executivo deverá submeter, ao Congresso Nacional, proposta estendendo à Cofins o modelo adotado para o PIS/Pasep, tendo em conta a experiência construída a partir do modelo ora proposto. (grifo nosso)

Na época das mudanças legislativas, o entendimento era de que os efeitos da referida alteração resultariam na neutralidade, que, para ciência econômica significa "a menor produção de efeitos por parte da tributação nas escolhas dos agentes" [5], especificamente no caso em análise, que pretendia com a não cumulatividade promover uma tributação mais justa em toda a cadeia, mas sem a redução ou majoração da arrecadação com as referidas contribuições.

Tanto assim o é que na exposição de motivos da MP nº 135/03 (convertida na Lei nº 10.833/03) consta expressamente que a não cumulatividade seria implementada pelo método indireto subtrativo:

Neste sentido, a instituição da Cofins não-cumulativa visa corrigir distorções relevantes decorrentes da cobrança cumulativa do tributo, como por exemplo a indução a uma verticalização artificial das empresas, em detrimento da distribuição da produção por um número maior de empresas mais eficientes – em particular empresas de pequeno e médio porte, que usualmente são mais intensivas em mão de obra […]
7. Por se ter adotado, em relação à não-cumulatividade, o método indireto subtrativo, o texto estabelece as situações em que o contribuinte poderá descontar, do valor da contribuição devida, créditos apurados em relação aos bens e serviços adquiridos, custos, despesas e encargos que menciona. (grifo nosso)

Por efeito, a majoração das alíquotas, somente se justificou para equilibrar a cumulatividade até então existente na incidência das contribuições, com o fim de "neutralizar" o que se chamou de "estreitamento da base de cálculo", ou seja, a tributação apenas sobre aquilo que efetivamente constituiu receita ou faturamento do contribuinte, na perspectiva do regime de valor agregado.

Nessa direção, e é aqui que se forma o ponto de tensão entre fisco e contribuinte neste regime, seria possível sustentar que a existência de restrições creditórias invariavelmente representaria um ônus financeiro ao contribuinte, tendo em vista que a majoração das alíquotas seria "compensada" pela sistemática da não cumulatividade. Inclusive, cabe mencionar que quando da conversão da referida Medida Provisória em lei, consta do parecer apresentado em Plenário pelo relator, deputado Benedito Gama[6], que:

O art. 3º é o responsável pela introdução da não-cumulatividade, pois estabelece que quando pessoas jurídicas adquirirem bens e serviços de outras pessoas jurídicas domiciliadas no País, calcularão seu crédito aproveitável aplicando-se a alíquota de 1,65% sobre o montante da aquisição (…). Darão direito a crédito os bens adquiridos para revenda – exceto os sujeitos à incidência monofásica –, os bens e serviços utilizados como insumo na fabricação de produtos destinados à venda ou na prestação de serviços (e nesses casos também os combustíveis e lubrificantes, a energia elétrica consumida no estabelecimento do adquirente, os aluguéis de prédios e de máquinas e equipamentos, as despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos, os bens incorporados ao ativo imobilizado – neste caso, sobre o valor da depreciação ou da amortização –, as edificações em imóveis de terceiros cujo custo tenha sido suportado pela empresa locatária, e os bens recebidos em devolução, que tenham integrado o faturamento do mês anterior. O saldo credor passa para o mês seguinte. (grifo nosso)

Ou seja, é de se notar que a metodologia da não cumulatividade arquitetada no parecer acima transcrito combinada com a já citada exposição de motivos da MP nº 66/02 e da MP nº 135/03, que resultou nas legislações posteriormente editadas, teve como objetivo o esvaziamento dos valores tributáveis, se restringindo apenas ao que efetivamente se constitui como sua receita ou faturamento, ao empregar de forma bastante objetiva o direito de crédito quando da aquisição de bens e serviços de pessoas jurídicas, sem estabelecer qualquer restrição quanto às etapas anteriores.

Assim, ante o exposto, temos que o regime não cumulativo permite (em tese) o aproveitamento de créditos de aquisições previstas na legislação tributária. Porém mesmo após duas décadas da edição das leis que versam sobre a não cumulatividade das contribuições, diversas discussões se formam em torno da base de cálculo de crédito admissível, tendo em vista as restrições do rol do artigo terceiro da Lei nº 10.637/02 e da Lei nº 10.833/03, combinado com os diversos posicionamentos, especialmente da Receita Federal, acerca do entendimento do conceito de insumos.

Ocorre que após diversas discussões administrativas e judiciais, em abril de 2018, o STJ publicou o Acórdão do REsp nº 1.221.170/PR [7] (Recurso Repetitivo), leading case da matéria, prevendo que os insumos que compõe a base de crédito das contribuições seriam àqueles bens e serviços essenciais ou relevantes para o desenvolvimento do objeto social do sujeito passivo.

Desta forma, com base na decisão em repetitivo pelo STJ, é possível concluir que o conceito de insumos para fins de creditamento do PIS e da Cofins deverá observar a aderência do dispêndio em relação à sua essencialidade ou relevância durante o desenvolvimento das atividades propostas pelo sujeito passivo.

Ato contínuo, recentemente, quando do julgamento do Tema 756 [8] (repercussão geral), o STF fixou a seguinte tese:

O legislador ordinário possui autonomia para disciplinar a não cumulatividade a que se refere o art. 195, § 12, da Constituição, respeitados os demais preceitos constitucionais, como a matriz constitucional das contribuições ao PIS e COFINS e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança; II. É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a discussão sobre a expressão insumo presente no art. 3º, II, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 e sobre a compatibilidade, com essas leis, das IN SRF nºs 247/02 (considerada a atualização pela IN SRF nº 358/03) e 404/04. III. É constitucional o § 3º do art. 31 da Lei nº 10.865/04.

Na minha leitura, referida tese firmou os limites que o legislador infraconstitucional deverá observar quando da imposição de limites da não cumulatividade para o PIS e a Cofins.

Nessa direção, a MP nº 1.159/23 [9], que proibiu a tomada de crédito sobre o valor do ICMS que tenha incidido na operação de aquisição, parece não ter observado o referido limite traçado pelo STF.

Isso porque, a matriz constitucional das contribuições é pautada pelo método indireto subtrativo, ou seja, a efetiva incidência na etapa anterior não é condição sine qua non para que os dispêndios integrem a base de crédito.

Além disso, a indevida tentativa de equalizar os efeitos da decisão do STF proferida no Tema 69 [10] não impacta, necessariamente, a tomada de crédito. O fato de a Suprema Corte ter reconhecido que o ICMS não integra o preço/valor do produto para fins de incidência das contribuições, não o retira do preço de aquisição pago pelo adquirente.

Ora, é evidente que o ICMS compõe o preço de venda do fornecedor, verdadeiro contribuinte do tributo (nos termos do artigo 166 do CTN e da jurisprudência que trata sobre a matéria).

Nesse sentido, do ponto de vista contábil, o item 10 do CPC 16 (R1) — Estoques [11], estabelece que "o custo de estoque deve incluir todos os custos de aquisição e de transformação", além disso, o item 11 da mesma norma juscontábil dispõe que "o custo de aquisição dos estoques compreende o preço de compra".

Quer dizer, ainda que o ICMS não integre a base de cálculo do débito do PIS e da Cofins do fornecedor, o tributo estadual faz parte do seu preço de venda, e, por consequência, integra o valor de aquisição pago pelo adquirente.

Sendo assim, ante todo o exposto, considerando que a matriz constitucional das contribuições é pautada pelo método indireto subtrativo, combinado com os limites impostos pelo STF quando da análise do tema 756, entendo que a potencial exclusão do ICMS da base de crédito do PIS e da Cofins, a partir de 1º de maio de 2023, amparada pela MP nº 1.159/23, não encontra amparo no ordenamento jurídico.

 


[1] Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social:
(…)
V – integração na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, segundo for estabelecido em lei.

[2] Inconstitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio do RE nº 148.754-2/RJ, cuja execução foi posteriormente suspensa pelo Senado Federal, por meio de sua Resolução nº 49/1995. Conteúdo, respectivamente, disponível em: <Pesquisa de jurisprudência – STF> e <ResSF49-95 (planalto.gov.br)>. Acesso em 19 de abr. 2023.

[3] Cabe mencionar o entendimento do STF referente à recepção da Lei Complementar nº 07/70 pela Constituição Federal de 1988 (CF88), conforme manifestação no RE nº 169.091/RJ. Conteúdo disponível em: <Pesquisa de jurisprudência – STF>. Acesso em 19 de abr. 2023.

[4] Mensagem nº 211. Conteúdo disponível em: <EM352MF02 (planalto.gov.br)>. Acesso em 19 de abr. 2023.

[5] CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier. 2009. Pag. 106.

[6] Parecer apresentado em plenário à Medida Provisória nº 66/02. Conteúdo disponível em: <Microsoft Word – Temp8.DOC (camara.leg.br)>. Acesso em 19 de abr. 2023.

[7] Conteúdo disponível em: <STJ – Consulta Processual>. Acesso em 19 de abr. 2023.

[8] Conteúdo disponível em: <Supremo Tribunal Federal (stf.jus.br)>. Acesso em 19 de abr. 2023.

[9] Conteúdo disponível em: <mpv1159 (planalto.gov.br)>. Acesso em 19 de abr. 2023.

[10] Conteúdo disponível em: <Supremo Tribunal Federal (stf.jus.br)>. Acesso em 19 de abr. 2023.

[11] Conteúdo disponível em: <CPC 16 – MINUTA M1 (aatb.com.br)>. Acesso em 19 de abr. 2023.

Autores

  • é advogado, contador atuante no consultivo tributário, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e mestrando em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

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