Processo Tributário

Precedente vinculante, retratação no recurso sobrestado e impugnação

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25 de junho de 2023, 8h00

Em artigo anterior[1], já havíamos pontuado que no contencioso judicial tributário diversas teses são sedimentadas em recursos especial e extraordinário julgados sob o procedimento de julgamento dos representativos de controvérsia, manifestações essas que devem ser seguidas pelos tribunais locais e juízos de primeira instância, pois de observância obrigatória, nos termos do que prescreve o artigo 927, inciso III[2], do Código de Processo Civil.[3]

Para reforçar e garantir a observância obrigatória dos julgamentos que formam os denominados precedentes, os artigos 1.030, II[4] e 1.040, II[5] do CPC estabelecem que, no momento do despacho de admissão dos recursos excepcionais em que se constate que o acórdão recorrido diverge da ratio decidendi do leading case, o processo deverá ser encaminhado ao órgão que se pronunciou contrariamente ao entendimento definido no precedente, a fim de realizar "juízo de retratação" com a finalidade de se adequar à orientação exarada no precedente.

Todavia, a adequação ao conteúdo do precedente não é automática, de forma que a turma julgadora poderá exarar acórdão que, sob novos fundamentos, estabeleça distinção entre o caso julgado sob o rito dos repetitivos e o caso concreto ou, até mesmo, demonstrar a superação do entendimento vinculante de forma a manter o posicionamento anterior.

Seguindo a marcha processual, se a parte recorrente entender que a não retratação (manutenção do acórdão primitivo) merece ser atacada em razão de possuir novos fundamentos, estará diante de um dilema: interpor ou não interpor recurso excepcional contra o novo acórdão que abordou o fundamento do precedente, mas não afastou sua aplicabilidade ao caso julgado individualmente?

Neste momento da toada processual em que já foi interposto recurso especial e/ou extraordinário contra o acórdão primitivo e o processo foi encaminhado à turma para juízo de retratação nos termos do artigo 1030, II, do CPC, tendo havido juízo de retratação negativo, não há necessidade de interposição de novo recurso excepcional, pois será promovido juízo de admissibilidade para o recurso interposto anteriormente contra o acórdão primitivo, nos termos do que determina o artigo 1.030[6], V, "c" do CPC, postergando diante da prévia determinação para avaliação da necessidade de retratação.

Ainda diante de hipótese de não retratação, não será necessária a interposição de novo recurso excepcional também nos casos submetidos à reanálise prevista no 1.040, II, uma vez que haverá remessa ex vi legis aos tribunais superiores, nos termos do que determina o caput do artigo 1.041[7], do CPC.

Portanto, para os casos de não retratação, mesmo havendo novos fundamentos, não seria necessária a interposição de novos recursos excepcionais.

Todavia, deixar de impugnar novos fundamentos de distinção ou superação do leading case exarados em hipótese de emissão de juízo de não retratação pelo tribunal local é deixar precluir oportunidade importante de impugnação.

A solução para este dilema que o CPC nos impõe está fortemente atrelada à visão instrumental do processo tributário[8] e nas garantias ao contraditório, ampla defesa e dialeticidade recursal. Vejamos.

Se no acórdão emanado em fase de retratação há novos fundamentos para manutenção do entendimento anterior com base em distinção ou mesmo superação do leading case, é obvio que estaremos diante de um complemento das razões de decidir do acórdão primitivo, de modo que não faz sentido negar ao jurisdicionado o direito de se irresignar contra esse acórdão aditado, que nada mais representa do que uma nova decisão; sob pena de clara obstrução ao direito de recorribilidade.

Todavia, em razão do princípio da unirrecorribilidade e de já haver recurso excepcional contra o acórdão primitivo, parece-nos, mais adequado apresentar complementação recursal, seguindo orientação do Superior Tribunal de Justiça exarada no recurso especial 1.946.542/RJ, oportunidade em que foi afirmado:

"nos exatos termos do art. 1.041, caput, do CPC/2015, não há obrigatoriedade da interposição de um segundo recurso contra o acórdão proferido nessa fase processual, pois a remessa dos autos ao Tribunal Superior se dá ex vi legis. (…) Embora não seja obrigatória a interposição de um segundo recurso, não se pode negar ao recorrente a oportunidade de impugnar eventuais fundamentos novos surgidos no acórdão proferido na fase do art. 1.040, inciso II, do CPC/2015. Deveras, em razão do princípio da independência da magistratura, os julgadores não ficam vinculados aos fundamentos anteriormente declinados no acórdão recorrido, nada obstando a que novos fundamentos sejam agregados na fase do art. 1.040, inciso II, do CPC/2015, como ocorreu no caso em tela. Novos fundamentos exigem nova impugnação, à luz do conhecido princípio da dialeticidade recursal. (…)" [9]

Ainda que se admita dispensável um novo recurso excepcional, na hipótese de a parte recorrente ter protocolado um segundo recurso ao invés de formular simples petição de complementação das razões de seu recurso primitivo, imperiosa a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas para que o segundo recurso seja conhecido como complemento do primeiro, como decidiu o STJ que conheceu das razões do segundo recurso como aditamento ao primeiro.

Além de um norte para a estratégia recursal contra decisões que se negam a adequar o entendimento ao leading case em juízo de retratação, este acórdão da 3ª Turma do STJ demonstra que por mais que seja forte o formalismo na admissão dos recursos excepcionais, é possível e necessária a contínua evolução do entendimento das Cortes Superiores na aplicação da instrumentalidade recursal como forma de promover uma análise de mérito do conflito e solucioná-lo, deveras, sua função precípua.

 


[2] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

[3]Sobre a evolução legislativa para assegurar o respeito aos precedentes:  https://www.conjur.com.br/2022-jan-16/processo-tributario-possivel-falar-precedente-materia-tributaria-stf-volatil

[4] Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:

II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos;

[5] Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:

II – o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;

[6] Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:

V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que:

c) o tribunal recorrido tenha refutado o juízo de retratação.

[7] Art. 1.041. Mantido o acórdão divergente pelo tribunal de origem, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo tribunal superior, na forma do art. 1.036, § 1º.

[8] https://www.conjur.com.br/2021-mar-02/paulo-conrado-processo-tributario-instrumentalidade

https://www.conjur.com.br/2022-jan-09/processo-tributario-instrumentalidade-plano-recursal-exigencia-dialeticidade-tribunais-locais

[9] REsp n. 1.946.242/RJ, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 16/12/2021.

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