A discussão da concursalidade dos honorários advocatícios
18 de junho de 2023, 6h33
Os créditos de honorários advocatícios possuem origens diversas, na medida em que podem decorrer tanto do contrato, como dos atos judiciais, esses últimos nos casos de arbitramento de honorários, ou, mais frequentemente, da sucumbência.
No âmbito contencioso, o impacto econômico dos honorários aos litigantes, que já era expressivo, ganhou ainda mais relevância com o julgamento do Tema 1.076/STJ [1].
Essa discussão ganha especial relevo no contexto da execução de créditos em recuperações judiciais ou falências, pois os honorários advocatícios possuem preferência legal e são equiparáveis a créditos trabalhistas.
Dessa forma, créditos dessa natureza poderão interferir de forma decisiva no soerguimento da sociedade empresarial, ou, quando menos, na maneira pela qual o patrimônio da massa falida é repartido entre os credores.
Contudo, de forma inversamente proporcional à relevância jurídica, econômica e social do assunto, parece que a discussão envolvendo tais créditos ainda é cercada de muitas dúvidas e confusões conceituais.
A discussão sobre a concursalidade, ou não, dos honorários, tem relação direta com a discussão da data do fato gerador desse tipo de verba. Afinal, o STJ, pelo Tema 1.051/STJ, firmou a tese vinculante decorrente da anterior discussão acerca do artigo 49 da Lei 11.101/05, concluindo que "a submissão do crédito aos efeitos da recuperação judicial não depende de sentença que o declare ou quantifique, menos ainda de seu trânsito em julgado, bastando a ocorrência do fato gerador (…) esse entendimento é o que melhor garante o tratamento paritário entre os credores" [2].
Diante desses contornos, a discussão pode ser resumida na seguinte indagação: em matéria de honorários advocatícios, qual o fato gerador a ser considerado? Se esse fato gerador for anterior à recuperação judicial/falência, a verba será concursal, se posterior, será extraconcursal.
A resposta para essa pergunta é clara quando os honorários em questão não dependem de nenhum evento futuro — caso de um pró-labore inicial, por exemplo, caso em que não há dúvidas que o fato gerador corresponde à data da celebração do contrato.
Mas a discussão ganha notas de complexidade quando se está diante de honorários vinculados a determinado evento futuro e externo à conduta das partes contratantes. Os exemplos mais eloquentes de verbas honorárias dessa natureza são as remunerações por êxito e a sucumbência, de origem contratual e legal, respectivamente. Sobre esse tema, existem, ao menos, três correntes jurisprudenciais que apontam qual seria o marco temporal do fato gerador da obrigação, nos casos de êxito e sucumbência respectivamente: 1) a data da celebração do contrato de honorários do advogado/data do início do processo, ainda que proporcionais ao serviço prestado [3]; 2) a data da prolação da decisão favorável ao cliente que contratou o causídico/decisão que tenha fixado a sucumbência [4] ou 3) a data do trânsito em julgado de referida decisão favorável/que tenha fixado a sucumbência [5].
Para a primeira corrente, então, o fato gerador do crédito seria a assinatura do contrato de honorários advocatícios, pois dele decorreria o nascimento da obrigação de pagar o êxito, ou do início do processo, em caso de sucumbência. Já quem adere à segunda corrente, entende ser o marco temporal do nascedouro do crédito a data da prolação da decisão que gera o benefício econômico ao cliente do advogado contratado ou que fixa os honorários sucumbenciais. A terceira corrente entende que o fato gerador dos honorários é a data do trânsito em julgado da decisão favorável.
A primeira corrente não pode ser aceita, porque, enquanto não há uma definição do resultado do processo, não há que se falar em existência do crédito. Embora já negociados (êxito) ou com balizas pré-fixadas em lei (sucumbência), os honorários a título de êxito/sucumbência são apenas uma expectativa que pode ou não se concretizar. O êxito/sucumbência são parcelas vinculadas ao resultado do processo, e só com a decisão tem-se um resultado.
Entendemos que a mera expectativa de direito se converte em direito quando há uma decisão ou sentença favorável, ainda que não transitada em julgada. A partir desse momento, existe um valor bem delimitado a título de honorários, ainda que provisório.
Nesse caso, a premissa em que, corretamente, se apoia a segunda corrente é a da necessária diferenciação que deve se fazer entre e a constituição do direito (fato gerador) e o cumprimento da obrigação (exigibilidade).
Quando se fala em exigibilidade, fala-se em pretensão do direito de executar o crédito, mas não de seu fato gerador — que, ao revés, se relaciona à própria existência do crédito. O trânsito em julgado está apenas relacionado à imutabilidade da decisão e sua exigibilidade definitiva, não à existência de um direito/crédito.
Não fosse assim, sequer haveria a possibilidade de execução provisória de honorários advocatícios, na medida em que não se afiguraria possível a execução de um crédito que não existe antes do trânsito em julgado [6].
Em reforço argumentativo, verifica-se que exigir o trânsito em julgado como critério de se aferir a concursalidade do crédito poderia gerar distorções iníquas e indesejáveis. Não seria razoável, por exemplo, que dois advogados que atuaram em causas distintas para um mesmo cliente e que tivessem sentenças favoráveis antes do pedido da recuperação, tivessem tratamentos absolutamente distintos, ferindo a par conditio creditorum, apenas porque um desses processos teve desdobramentos recursais, com possível ocorrência do trânsito em julgado após o pedido de recuperação judicial, e o outro não.
Essa lógica, ademais de juridicamente equivocada, representaria, inclusive, estímulo à recorribilidade das decisões, na medida em que, na generalidade dos casos, será mais vantajoso ver reconhecida a natureza extraconcursal do crédito, com consequente incentivo do advogado em protelar o trânsito em julgado.
Diante do exposto e preservadas opiniões em sentido contrário, o entendimento que se afigura mais correto é o da segunda corrente apresentada, pelo qual é a data da prolação da decisão que deve ser considerada como fato gerador do nascedouro do crédito referente à honorários de êxito ou sucumbência.
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[1] Pelo qual se definiu que, mesmo para causas de valor exorbitante ou excessivo, os honorários deverão ser fixados em conformidade com a regra geral (CPC, artigo 85, §2º), afastando-se a possibilidade de utilização do critério de equidade (CPC, artigo 85, §8º).
[2] STJ, REsp 1.842.911/RS, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 2ª Seção, j. 9/12/2020.
[3] "Tal entendimento se amolda perfeitamente à hipótese dos autos, em que, depois de aproximadamente 15 anos de tramitação do processo, o qual ainda pende de julgamento, os recorridos, sem qualquer notificação e justificativa prévias, denunciaram o contrato. Assim, ainda que pendente de julgamento o processo no qual atuaram, fazem jus os recorrentes ao imediato arbitramento dos honorários devidos pelos recorridos" (STJ, REsp 1.724.441/TO, relator ministro Nancy Andrighi, 3ª T., j. 19/2/2019).
[4] "haja vista que não é requerida a data do trânsito em julgado da sentença que fixa os honorários, mas a data de sua prolação (em respeito ao tempus regit actum), a qual não necessariamente ocorrerá após o plano (…)" (STJ, AgInt no REsp 1.861.446/RS, relator ministro Herman Benjamin, 2ª T., j. 16/12/2020)
[5] "[P]or serem contratuais, os honorários de êxito só se mostram devidos (fato gerador) no momento em que se tornarem definitivas as decisões administrativas favoráveis (…) o que ainda não ocorreu (…) Dessa forma, o entendimento firmado pelo colegiado estadual está em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (STJ, AgInt nos Edcl no REsp 2.015.648/SP, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., j. 3/5/2023).
[6] Mas, ao contrário, autoriza-se a execução provisória de honorários sucumbenciais: "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS — EXIGIBILIDADE — DESNECESSIDADE DE SE AGUARDAR O TRÂNSITO EM JULGADO DO RECURSO INTERPOSTO NOS AUTOS PRINCIPAIS — Inexiste qualquer óbice para que seja exigido o pagamento do valor devido a título de honorários advocatícios sucumbenciais fixado em decorrência do acolhimento da impugnação ao cumprimento provisório de sentença (…) RECURSO PROVIDO" (TJSP, AI 2085678-85.2019.8.26.0000, relator desembargador Maria Lúcia Pizzotti, 30ª Câmara de Direito Privado, j. 26/6/2019).
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