Planejamento do golpe

Mulher de Cid diz que Bolsonaro pediu que caminhoneiros invadissem Brasília

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16 de junho de 2023, 21h08

Em mensagem a Ticiana Villas Bôas, filha do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, Gabriela Cid, mulher do tenente-coronel e ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid, disse que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pediu para que golpistas orientassem caminhoneiros a invadir Brasília em protesto contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial de 2022.

Antonio Cruz/Agência Brasil
Segundo Gabriela Cid, Bolsonaro pediu
para que golpistas orientassem caminhoneiros para invadir Brasília
Antonio Cruz/Agência Brasil

A conversa consta do relatório da Polícia Federal com a análise do conteúdo encontrado nos celulares de Cid e de Gabriela, que teve o sigilo levantado nesta sexta-feira (16/6) pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. O tenente-coronel foi preso preventivamente em maio, no âmbito do chamado Inquérito das Milícias Digitais.

Em 2 de novembro de 2022, três dias após o segundo turno, em que Lula venceu Bolsonaro, Gabriela disse a Ticiana que era preciso "exigir novas eleições c voto impresso" — os diálogos são reproduzidos nesta reportagem em sua grafia original. "Estamos diante de um momento tenso onde temos q pressionar o congresso. Agora!!!!!!!!."

"Ou isso, ou a queda do moraes", respondeu Ticiana. "Esse homem tem q cair. Ele q está estragando o país. O resto é tudo remediável", concordou Gabriela. A filha do ex-comandante do Exército afirmou que, tirando Alexandre, "o stf dá uma recuada". Porque o que a corte iria fazer, segundo ela, seria prender Bolsonaro com base no Inquérito das Fake News.

Posteriormente, Ticiana opinou que o Exército "tinha que mandar alguém falar com os cabeças dos caminhoneiros e dizer quais tem que ser a reivindicação deles". "Sim. Estão falando em intervenção federal. Mas tem q ser impeachment, novas eleições com voto impresso", sugeriu Gabriela. Pessimista, Ticiana disse que "isso não vai acontecer" porque "ate segunda ordem a coisa foi democrática". "As consequencias de um 142 são muito ruins", destacou, referindo-se ao artigo da Constituição Federal que estabelece as funções das Forças Armadas, mas que é erroneamente interpretado por golpistas como autorizador de uma intervenção militar.

Gabriela, então, afirmou que os manifestantes bolsonaristas tinham de permanecer nas ruas "até algo ser resolvido". Ticiana sugeriu que "os caminhoneiros tem que parar, sem obstruir". As duas concordaram que "o pedido está errado". A filha do general falou que alguém precisava articular isso com os golpistas. E sugeriu que "tem que vir dos caminhoneiros".

"Não vai ser dessa forma. Como vc falou, a orientação tem q ser outra. Os caminhoneiros tem q ser orientados", avaliou Gabriela. "Alguém tinha que falar com eles", respondeu Ticiana". "Sim! Foi o que pediu o presidente [Bolsonaro]. E acho que todos que podem tem q vir pra Bsb. Invadir Brasília como no 7 de set e dessa vez o presidente c essa força agirá", afirmou a mulher do tenente-coronel.

Dito e feito: em 8 de janeiro, centenas de bolsonaristas depredaram as sedes dos três poderes, em Brasília, pedindo a anulação da eleição vencida por Lula e uma intervenção militar.

Consultoria jurídica
O documento da PF também mostrou que o advogado e professor Ives Gandra da Silva Martins respondeu a questionamentos sobre a possibilidade de uma intervenção das Forças Armadas, feitos pelo major Fabiano da Silva Carvalho, aluno do curso de Comando e Estado-Maior do Exército.

Ives Gandra afirmou ao major que o emprego dos militares "pode ocorrer em situação de normalidade se, no conflito entre poderes, um deles apelar para as Forças Armadas, em não havendo outra solução".

O advogado disse que a crise que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) não justificava a atuação das Forças Armadas para garantia dos poderes constitucionais, "visto que os artigos 85 e 86 da CF/88 ofertaram solução constitucional para a crise e foi o que aconteceu". Os dispositivos estabelecem os crimes de responsabilidade do presidente da República e determinam que ele pode ser destituído do cargo se condenado pelo Senado, por tais delitos, ou pelo Supremo Tribunal Federal, por crimes comuns.

O major perguntou a Ives Gandra se o golpe militar de 1964 ocorreu com base na garantia dos poderes constitucionais. "A implantação dos governos militares em 1964 foi uma imposição popular por força dos desmandos do Governo Jango e do desrespeito constitucional aos princípios que deveria obedecer, inclusive na hierarquia militar com indicação de oficial general de três estrelas para Ministro. Toda a imprensa foi favorável ao movimento, conforme demonstro em minha avaliação escrita para o TER paulista, que lhe repasso", respondeu o professor.

No celular de Mauro Cid, a PF encontrou um arquivo intitulado "Análise ideias Ives Gandra". O documento sintetiza as interpretações do advogado e elabora uma "sugestão de roteiro para atuação das Forças Armadas como moderadora". A justificativa seria uma suposta invasão do Judiciário ao Executivo. O objetivo seria promover novas eleições.

A PF já havia encontrado uma minuta de decreto golpista, para estabelecer estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral, na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.

Em entrevista concedida à revista eletrônica Consultor Jurídico no fim de abril, Ives Gandra afirmou que nunca houve risco de golpe de Estado. Por ser professor emérito da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército há 34 anos, ele disse conhecer o pensamento dos generais e garantiu que os militares respeitam a Constituição e não embarcariam em aventuras.

Além disso, Ives Gandra afirmou que a sua interpretação do artigo 142 foi "profundamente distorcida" por pessoas que desejavam uma intervenção militar.

Em artigo publicado em 2020 na ConJur, Ives Gandra retomou a discussão sobre o artigo 142. Para ele, em casos excepcionais, em que um poder esteja invadindo as competências de outro, as Forças Armadas podem ser convocadas pelo órgão que estiver sofrendo a interferência, para garantia da lei e da ordem.

"O que eu disse não tem nada a ver com a interpretação que eles fizeram, do que acharam que eu tinha dito. Ninguém queria a interpretação correta do artigo 142. E fizeram uma interpretação própria tentar defender isso (intervenção militar). Mas eu estou convencido de que há uma distância abissal entre o que eu disse e o que eles interpretaram. O artigo 142 sempre foi muito mal interpretado, e não é uma interpretação minha. A minha interpretação está nos livros que eu escrevi", apontou Ives Gandra.

Outro lado
A defesa de Mauro Cid disse à Agência Brasil que "as manifestações defensivas" serão feitas somente no processo em andamento no STF.

Em nota, o Exército declarou que comentários pessoais não representam a opinião da corporação. Com informações da Agência Brasil.

Clique aqui para ler o relatório da PF

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