Licitações e Contratos

Mandado de segurança em licitações e contratos: temas essenciais

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  • é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

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16 de junho de 2023, 14h19

Não basta ter direito material; é preciso saber defendê-lo com o direito instrumental.

No caso de licitações e contratos administrativos, é possível sintetizar entendimentos da jurisprudência de forma "quase atemporal" e "imparcial", considerando que os regimes normativos mudam, como ocorreu com o advento da Lei nº 13.303/16 e a mudança da Lei nº 8.666/93 para a Lei nº 14.133/21.

Para evitar vinculação a decisões específicas sobre um ou outro regime legal, os pontos abaixo perpassam divergências de jurisprudência entre cortes federais, estaduais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

O foco é demonstrar o "racional", que no sistema jurídico americano é a justificativa ou fundamentação lógica utilizada pelos juízes para chegar a uma determinada conclusão em um caso, para enquadrar bases legais e princípios que sustentam a decisão.

Legitimidade ativa e interesse processual
O direito precisa ser do próprio interessado, não de terceiro. E quando se trata de representação, uma entidade de classe somente pode propor uma ação com base no interesse daquela classe, não de um licitante específico, associado.

A pertinência da atividade da empresa com o ramo do objeto licitado é essencial. Por exemplo, uma empresa de engenharia não pode impetrar mandado de segurança sobre um certame de produtos médico-hospitalares, de uma área com a qual sequer pode lidar, até por questões regulatórias na Anvisa.

A empresa que é do ramo licitado, mas não demonstrou interesse prévio em fazer consultas e/ou impugnações sobre o edital (pelo rito da fase administrativa), não pode se utilizar de mandado de segurança. Se havia discordância quanto às regras, o caso seria provocar atos de negativa de direitos, como a não participação na licitação nos termos originais, para conseguir abordar na ação a completa situação de fatos, direito e argumentos também do agente público, contrapondo-se desde a peça inicial da ação.

A empresa que tem o infortúnio de ter sua proposta desclassificada por uma falha específica não pode ajuizar ação sobre o assunto da habilitação de outra licitante. Os temas são juridicamente distintos (tratados de forma separada) e o prejuízo do direito da impetrante deve estar ligado ao que lhe ocorreu, concretamente.

Por fim, deve-se lembrar que o interesse processual é a necessidade de buscar a tutela jurisdicional para proteger um direito efetivo, algo com efeitos práticos e utilidade para a empresa.

Ilegitimidade passiva e perda de objeto
Essas duas questões estão muito relacionadas às preliminares nas contestações dos mandados de segurança em licitações e contratos administrativos.

É bastante comum a linha de decisões pela perda de objeto de mandado de segurança em virtude da licitação já concluída e contrato já firmado pela autoridade superior. Isso ocorre porque a autoridade antes era o pregoeiro e os atos ainda de condução do pregão, mas depois houve homologação por outra autoridade, superior, com competência que poderia abranger a revisão completa dos atos e as respectivas correções. Isso marca uma divisão de situações, pois surgiram novos atos e o contrato passou a estar em execução.

Spacca
Para evitar essas causas relativamente comuns de extinção de mandados de segurança sem julgamento de mérito, o advogado da empresa deve atentar que, ao fazer o pedido desde o início, precisará verificar e incluir no polo passivo da ação, adicionalmente, a autoridade superior que terá competência para homologar a licitação e assinar o contrato. Além disso, é importante ampliar o escopo do pedido com a conhecida tese de que a nulidade da licitação leva à nulidade do contrato. E o detalhe é que isso precisa estar bem claro no pedido do mandado de segurança.

Por fim, cabe um alerta de que, embora bem próximas, essas são duas preliminares independentes, pois uma está ligada à pessoa/autoridade (legitimidade) e outra à impossibilidade material de desfazer atos ou situações já concretizadas no mundo real (perda de objeto).

Competência
Não basta se guiar pelas letras puras da Constituição quando se tem as regras de competência, por exemplo, do judiciário federal ou estadual, porque em certas ocasiões há fatores adicionais a considerar.

Existem exemplos na discussão sobre a competência de mandados de segurança contra atos de agentes de sociedades de economia mista que competem no mercado, inclusive com ações na bolsa de valores. Isso se contrapõe às empresas públicas que podem ser vistas como o próprio Estado em pessoa, fixando a competência na Justiça Federal.

Também é importante considerar imbróglios sobre competência em projetos ligados a consórcios intermunicipais, inclusive envolvendo entes de estados vizinhos, além daqueles projetos ligados a entes federais, como ministérios, que repassam recursos a municípios em convênios. Atos ilícitos ocorrem nesse ponto final, com autoridade municipal, mas há ligação com o uso de recursos federais. Isso pode abrir discussões, por exemplo, quanto a potencial interesse federal ligado à causa.

É evidente que a base do mandado de segurança é a vinculação de competência pela autoridade específica que pratica um ato ou detém competência para corrigi-lo, mas é preciso estar preparado para certas discussões que podem surgir quando o caso estiver ligado ao uso de verbas federais.

Por fim, outros exemplos de variações recomendam igual e extremo cuidado, como aqueles de processos com recursos financeiros do exterior, inclusive, os obtidos em doações ou empréstimos com o BID ou o Bird. Isso ocorre porque, mesmo que se tenha a não objeção prévia e posterior em processos licitatórios com esses recursos, o detalhe específico é que a condução dos atos administrativos é da autoridade local, brasileira.

Instrução deficiente
Muitos mandados de segurança são iniciados com base unicamente em poucas peças de telas de sistemas de licitações eletrônicas, havendo, nisso, a falta de elementos de relevância essencial, como pareceres de áreas técnicas e/ou jurídicas sobre questões da proposta da empresa ou seus documentos de habilitação ou outros atos relevantes que, muitas vezes, somente estão no processo administrativo e sequer foram mencionados minimamente no sistema da licitação eletrônica.

Essa situação leva a surpresas desagradáveis, pois quando as informações prestadas pelas autoridades impetradas chegam ao juiz, elas vêm acompanhadas de certas peças do processo administrativo que a impetrante sequer havia imaginado que existiam.

Para evitar ao máximo essas situações, é preciso ir sempre provocando, passo a passo, ainda na via administrativa, os requerimentos de peças administrativas que fundamentam as decisões do pregoeiro ou outro agente da contratação. Sempre solicitar todos os pareceres técnicos e outros elementos de base de cada decisão, além de assegurar que todos os documentos do sistema da licitação eletrônica sejam considerados, pois o contrário também ocorre: certos documentos não estavam no processo administrativo, mas estavam apenas no sistema eletrônico de pregão.

O ideal é sempre fazer, em tempo hábil, o requerimento de cópia completa dos autos do processo, para selecionar o que será importante para a "causa".

Por fim, essas surpresas ocorrem também em assuntos de contrato, quando negativas ou imposição de penalidades dependem de atos que só estão dentro dos autos do processo e sequer se imaginava que existiam. E se determinada sanção administrativa foi imposta, mas nos autos do processo havia um parecer técnico ou jurídico contra aquela medida, isso poderia ser útil na construção do mandado de segurança, mas deixou de ser utilizado.

Dilação probatória e temas controversos
Muitos mandados de segurança não passam do crivo inicial do juiz porque o direito líquido e certo que se alega não existe, devido a pretensões como a discussão com o juiz sobre uma planilha de custos e formação de preços (algo que, dependendo da situação, requer até perícia), análise sobre a qualidade de um produto ofertado em relação a outro (se a discussão envolver a necessidade de o juiz entrar na análise de questões de técnica e mérito), alegação de formação de grupo econômico (quando isso dependeria de provas de gestão comum, aspectos financeiros, tomada de decisões de uma empresa com influência de outra, combinação de atos na licitação e outros fatores além de mera discussão sobre parentesco ou participação societária).

É notório que uma das posições jurisprudenciais mais frequentes quanto à denegação nos mandados de segurança é a inviabilidade de dilação probatória e temas que geram controvérsia (versões conflitantes sobre questões técnicas e outras), ou seja, o direito líquido e certo não existe porque não foi comprovado "de plano".

Outro exemplo, agora em relação a contratos, é avançar com o juiz em mandado de segurança sobre determinadas especificidades do reequilíbrio econômico-financeiro de contrato administrativo quando isso exigir a análise de detalhes de custos e outros fatores que não poderiam ser resolvidos pelo juiz sem uma opinião técnica, ou seja, quando a prova pericial seria necessária.

Conclusões
Em síntese, no universo dos mandados de segurança em licitações e contratos, não basta agir apenas de modo urgente, pois vários aspectos formais e legais devem ser considerados, sob pena de colocar todo o trabalho em risco.

Para concluir, deve-se lembrar que arquivamentos por falhas formais, sem análise de mérito, não impedem a repetição do mandado de segurança, com a correção dos erros, mas isso pode resultar em perda de eficácia nos resultados práticos da ação. E essa é a razão pela qual, diante de certas circunstâncias, as empresas decidem partir para a ação de rito ordinário, mesmo que isso envolva o risco de honorários de sucumbência.

Autores

  • é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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