Opinião

Em Mato Grosso, o início de um novo olhar sobre o sistema penal brasileiro

Autor

25 de julho de 2023, 9h13

Desde junho, quando o plenário do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aprovou por unanimidade portaria que retoma os mutirões carcerários no país em modelo atualizado, uma nova forma de atenção ao sistema penal brasileiro começou a tomar forma no Judiciário Brasileiro. Avanços tecnológicos recentes resultaram em metodologia revisitada com três vantagens principais: revisões simultâneas de processos em todo o país, otimização de recursos e oportunidade para que a iniciativa se torne permanente no calendário do Judiciário, com previsão de um mutirão nacional a cada semestre.

Esse novo momento da política penal começou a se concretizar nesta segunda-feira (24/7), quando iniciamos, em Cuiabá, uma agenda de cinco dias pelo país para lançarmos os novos mutirões processuais penais. Neste modelo, os 27 tribunais de justiça e os seis tribunais regionais federais se ocuparão de revisar mais de 100 mil processos pré-selecionados a partir de entendimentos firmados pelos tribunais superiores, em temas que passam pela situação de primeira infância ou de deficiência de filhos que tenham responsáveis presos e de prisões provisórias superiores a 12 meses de vigência. As atividades serão realizadas entre julho e agosto, com apresentação de resultados consolidados pelo CNJ em setembro.

Fellipe Sampaio/STF
Fellipe Sampaio/STF

Iniciando pelo Mato Grosso, buscamos resgatar a energia dos mutirões instituídos pelo decano do Supremo Tribunal Federal e filho ilustre desta terra, ministro Gilmar Mendes, quando na presidência do CNJ. Naquele momento, há exatos 15 anos, em que se cobrava uma melhor administração de processos de execução penal, os mutirões constituíram uma das primeiras e mais emblemáticas políticas judiciárias no âmbito do CNJ. Ao mesmo tempo, jogaram luz sobre o drama dos presídios de todo o país, de modo a exigir modelos de gestão mais eficientes para a superação de um quadro considerável de violações a direitos.

Os mutirões carcerários neste primeiro formato, com visitas de tribunal por tribunal, foram realizados periodicamente até 2014. Resultaram na revisão de mais de 400 mil processos e inspiraram um espírito de sinergia e composição dos diferentes atores do sistema de justiça. Os diagnósticos trazidos permitiram trazer à luz o debate e estudos consistentes sobre o tema, contribuindo para que, em 2015, o Supremo Tribunal Federal reconhecesse o estado de coisas inconstitucional em nossas prisões.

Esse movimento também inspirou, anos depois, o início do programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e diversos apoiadores para acelerar transformações no sistema penal e no sistema socioeducativo. O novo formato do mutirão, inclusive, foi desenvolvido enquanto parte das atividades do programa, e se conecta com diversas políticas interrelacionadas por ele induzidas que consideram desde a porta de entrada no sistema penal até a porta de saída, passando ainda pela qualificação de incidências do Judiciário enquanto relevante ator da execução penal.  

Em Mato Grosso, por exemplo, nossa agenda de atividades foi além do preso-processo, trazendo um olhar de cidadania para demandas relacionadas ao trabalho e à vida pós cárcere. Além da visita a presídios, participamos dos lançamentos (i) do "selo para a valorização de parcerias engajadas no aproveitamento da mão de obra de egressos", (ii) do Estatuto da 1ª Cooperativa Social de Mato Grosso, (iii) do Decreto Estadual de Institucionalização dos Escritórios Sociais, (iv) do Termo de Reciprocidade firmado com as Universidades de MT e (v) do Sistema de Emprego do Reeducando (Siner).

Trata-se de medidas alinhadas à Resolução CNJ 307/2019, que instituiu a Política de Atenção a Pessoas Egressas do Sistema Prisional, e também a diversas políticas fomentadas pelo CNJ por meio do Fazendo Justiça. Nesse sentido, cito a expansão e qualificação dos Escritórios Sociais, espaços multisserviços com mais de 50 unidades já funcionando em todo o país para atendimento a pessoas egressas e seus familiares; e o incentivo à recente fundação da Rede Nacional de Atenção a Pessoas Egressas do Sistema Prisional, que conecta redes locais iniciadas no Rio de Janeiro em 2006 e já em oito unidades da federação.

No campo do trabalho, importante lembrar que o CNJ executa a Ação Nacional de Fomento ao Trabalho e Renda de Pessoas em Privação de Liberdade e Egressas, a qual amplia e qualifica o percentual de vagas e de capacitação para esse público, aprimorando mecanismos de gestão junto a atores relevantes com foco na sustentabilidade. Já houve a adesão do Maranhão, Pernambuco, Paraíba e Paraná a essa Ação, e até o final do ano esperamos chegar a dez estados.

Na semana que ontem se iniciou, em que estou me propondo a estar presente, com minha equipe, em cinco diferentes estados do país — Rio Grande do Norte (25), Bahia (26), Minas Gerais (27) e São Paulo (28) — faremos visitas a penitenciárias e a serviços penais, celebraremos atos para o fortalecimento da atuação da magistratura diante do desafio prisional, e firmaremos compromissos com a humanização e a otimização das penas, tudo com o objetivo de chamar a atenção para a urgência que o sistema prisional reivindica de todos nós.

Aproveito a oportunidade para agradecer a cada um dos que tomam parte nessa caminhada pelos esforços que haveremos de empreender conjuntamente. Não há como tolerar abusos, ignorar situações de descalabro material nem fazer vista grossa para as vulnerabilidades a que submetidas as pessoas sujeitas à custódia do Estado, no cárcere ou depois dele.

Estou particularmente convicta da boa escolha de Mato Grosso para ponto de partida neste mês em que buscamos colocar foco sobre o tema penal e sobre a situação carcerária nacional. São auspícios como esses que transformam a nossa realidade e promovem a efetiva paz e a justiça social

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!