Um é pouco

Para criminalistas, implantação do juiz das garantias é obstáculo fácil de superar

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22 de julho de 2023, 8h47

O Plenário do Supremo Tribunal Federal retomará no próximo mês o julgamento que discute a figura do juiz das garantias — criado pela lei "anticrime", em 2019, e responsável pela fase investigatória. A corte discute a constitucionalidade da alteração legal no processo penal, mas a comunidade jurídica também se preocupa com a viabilidade de sua implementação, especialmente em comarcas pequenas, que precisariam de ao menos dois juízes.

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Juiz das garantias foi concebido pela lei 'anticrime' para atuar na fase investigatóriaFreepik

De acordo com a maioria dos especialistas no assunto consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, esse obstáculo pode ser facilmente superado.

Na visão do criminalista Alberto Zacharias Toron, a medida é perfeitamente possível, até mesmo nas comarcas em que apenas um juiz atua: "Hoje, com o processo eletrônico, pode haver uma conjugação de esforços entre juízes de diferentes comarcas. O Brasil inteiro tem processo eletrônico e funciona". Ele também ressalta que, em tais comarcas, pode haver uma implantação paulatina do juiz das garantias. "É uma questão de vontade política."

O também criminalista Fernando José da Costa, coordenador do curso de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), tem um ponto de vista semelhante: "É plenamente viável a implementação do juiz das garantias em todo o território nacional, inclusive nas comarcas pequenas, por meio de uma reestruturação do Judiciário, sobretudo ao considerar que, atualmente, a tendência é a digitalização dos processos, o que permite que um magistrado atue em um determinado caso sem que esteja presente na comarca em que ele tramita".

Doutor em Direito Processual Penal e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), o advogado Aury Lopes Jr. entende que toda a argumentação contra a viabilidade da implementação do juiz das garantias "caiu por terra com a nossa vida online pós-pandemia".

Ele lembra que, com os processos eletrônicos e a cultura de audiências remotas, não existe a necessidade de "levar os autos" para outra comarca. "Há muito que a sociedade pós-moderna vive o online como realidade diária e inexorável. Não interessa mais onde estamos fisicamente, mas apenas que estejamos na mesma temporalidade e conectados."

Assim, Lopes Jr. sugere a possibilidade de criação de centrais digitais nas comarcas médias, para atender às comarcas que possuem apenas um juiz. "O resto da estrutura requer baixíssimo investimento", afirma ele.

Na sua opinião, o que falta para implementar o juiz das garantias é boa vontade. "Quem alega não ter verbas para melhorar a administração da Justiça desconsidera o imenso custo da injustiça", diz o advogado. "O problema não é financeiro, mas cultural mesmo".

Rodízio de magistrados
O criminalista Rogério Taffarello, sócio do escritório Mattos Filho, também considera "plenamente viável" a implementação do juiz das garantias "nas mais distintas comarcas do país".

Nas comarcas menores, onde há apenas um magistrado, ele defende a adoção de um revezamento com algum juiz de uma comarca adjacente. Além disso, Taffarello concorda que "o processo eletrônico já resolve problemas logísticos e custos de transporte de autos que teríamos tido em um passado recente".

Carlos Moura/SCO/STF
Ministro relator Luiz Fux já votou pela inconstitucionalidade do juiz das garantiasCarlos Moura/SCO/STF

Segundo ele, ainda fica pendente um tema orçamentário: geralmente, na Justiça e nos órgãos do Ministério Público, há uma remuneração adicional pelo acúmulo de processos que vêm de fora do acervo específico da vara onde se atua. Assim, o rodízio sugerido para as comarcas menores poderia gerar um desejo de aumento da remuneração de todos os juízes envolvidos.

Taffarello considera que isso causaria um "impacto de custos relevante e injustificado", pois o trabalho seria apenas redistribuído, e não incrementado. Mesmo assim, ele enxerga uma forma simples de resolver tal problema: "Cumprir-se fielmente o teto constitucional do serviço público — e todos esperamos que os tribunais estejam dispostos a isso".

Outro ponto destacado pelos advogados é o tempo decorrido desde a sanção da lei, ocorrida em dezembro de 2019 — mais de três anos e meio, portanto. "Por que os tribunais não se preparam?", indaga Lopes Jr..

"Claro que um tempo razoável, não excessivo, para implementação pelos tribunais pode ser adequado", diz Taffarello. Mas ele lembra que, além do período de vigência da lei, os debates legislativos e acadêmicos sobre o tema no Brasil existem há cerca de 15 anos. "Portanto, é preciso que essa espera não se eternize a pretexto de dificuldades de implementação que devem ser resolvidas em alguns meses", conclui.

Pé atrás
Por outro lado, o advogado Arthur Rollo, que representa o partido União Brasil, autor de uma das ações diretas de inconstitucionalidade em discussão no STF, considera que a viabilidade do juiz das garantias depende do tribunal. Segundo ele, a implementação não é viável, por exemplo, no Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC), onde há falta de juízes. Já o TJ de São Paulo, de acordo com Rollo, enfrenta problemas de orçamento.

Para ele, há um longo caminho a ser percorrido "entre a constitucionalidade e a implantação". De qualquer forma, o advogado entende que, "havendo boa vontade, é possível implantar, com alguma despesa, que vai ter de ser viabilizada de alguma forma".

O problema, segundo Rollo, é que a lei prevê uma implantação obrigatória. Ele defende que o STF faça uma interpretação para dizer que a implantação é, na verdade, facultativa e pode acontecer de acordo com a situação de cada tribunal.

Para isso, seria necessário estabelecer um prazo máximo para a implantação. Mas, de acordo com o advogado, tal prazo deve variar entre Justiça estadual, Justiça Federal e Justiça Eleitoral. "Isso vai ter de ser feito por setores, paulatinamente."

Já a juíza Vanessa Mateus, presidente da Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis), ressalta que "o ponto crucial não é o instituto em si, mas a forma como está prevista sua implementação dentro do contexto do Poder Judiciário brasileiro".

Segundo ela, "não há magistrados suficientes para que sejam designados dois por comarca", tendo em vista que 65% das unidades judiciárias são de juízo único.

Vanessa reconhece que a tecnologia pode ajudar os juízes a analisar as ações de forma remota, mas destaca que ainda haverá dificuldade na implantação "enquanto houver obrigatoriedade de audiências de custódia presenciais".

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