Fórum de Lisboa

Fiscalização frágil do MP sobre polícias resulta em grande volume de ações penais

Autor

13 de julho de 2023, 18h48

O frágil monitoramento fiscalizatório do Ministério Público sobre a atuação dos agentes policiais faz com que as ações penais se avolumem nos tribunais brasileiros, de acordo com os ministros do Superior Tribunal de Justiça Sebastião Reis e Rogério Schietti Cruz.

Reprodução
Os magistrados falaram sobre o tema durante a mesa "Mecanismos de aprimoramento das investigações criminais: reflexões sobre o poder de investigar", que fez parte do XI Fórum Jurídico de Lisboa, evento que reuniu no fim de junho vários dos mais importantes nomes do Direito de Brasil e Portugal. O debate do qual os ministros fizeram parte foi mediado pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti.

Segundo Sebastião Reis, em tempos recentes o STJ tem tomado decisões que têm por objetivo preservar os direitos e as garantias individuais. Como exemplo, ele citou processos com flagrantes falhas de reconhecimento de supostos criminosos e ações policiais baseadas em denúncias anônimas sem ordens judiciais.

"É preciso ter um mínimo de razoabilidade, de justificativa, para quebrar um direito que é garantido constitucionalmente", disse ele.

O magistrado apontou o MP como um dos responsáveis pelo grande número de processos criminais que são julgados pelo STJ. "Provavelmente, se existisse um controle maior por parte do Ministério Público em uma das suas competências, que é o controle da atividade policial, grande parte dos processos que hoje chegam ao tribunal não chegaria."

Já Schietti observou que, quando as cortes superiores firmam diretrizes jurisprudenciais, estão tentando dar civilidade às investigações criminais.

"É trazer o inquérito policial para um patamar de uma atividade estatal que minimamente possa representar algo correspondente àquele modelo constitucional, da República fundada na dignidade da pessoa humana. Não estamos impedindo o trabalho da polícia, embora muitos assim o digam", comentou o ministro.

Gustavo Lima/STJ
Gustavo Lima/STJO ministro Sebastião Reis foi um dos participantes do debate no Fórum de Lisboa

"Infelizmente, a tradição das nossas polícias é autoritária, talvez porque não tenha fiscalização e porque a atuação aconteça distante dos órgãos que poderiam coibir essa prática. O público destinatário dessas práticas é o que vem das periferias. Jovens, negros, mal vestidos, desempregados, sem educação formal, totalmente desamparados e invisíveis. São alvos fáceis para todo tipo de truculência e abuso", continuou ele.

"O que acontece em uma delegacia de polícia ainda é um mistério. Nós não sabemos o que se passa lá. E muito menos o que se passa nas ruas, quando cidadãos são abordados pelos agentes de segurança pública. O que as autoridades policiais fazem com os cidadãos dentro das delegacias é algo ainda pouco controlável. O Ministério Público teria esse papel externo, mas bem sabemos que não é fácil fiscalizar o que acontece na atividade policial."

Sem julgamentos morais
Desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), Ney Bello Filho afirmou que o sistema judicial brasileiro precisa mudar a lógica da discussão dentro do processo penal e partir para o embate argumentativo sobre teses que tendem a justificar a existência do fato, e não o escrutínio moral ou "uma busca por uma verdade que só vai existir na cabeça do magistrado".

"Não podemos misturar conteúdos morais ou reprovações de natureza subjetiva com buscas objetivas com relação aos fatos. A maneira de tratar o processo penal está na origem dos problemas que nós temos em relação a todas as hipóteses de instrumentos, tanto de busca pré-processual quanto de instruções processuais."

Para a advogada Fernanda Tórtima, sócia-fundadora do escritório Tórtima, Galvão e Maranhão Advogados, o Brasil é um país que já importou muitas práticas de aplicação das leis, mas ainda falta incorporar ideias que ofereçam garantias aos réus. Ela citou os princípios presentes na Doutrina Brady, que apresenta propostas de atuação dos acusadores que são relativamente novas no país.

Rafael Luz/STJ
Rafael Luz/STJPara o ministro Rogerio Schietti, missão do MP de fiscalizar atuação policial é difícil

"O cenário começou a mudar no Brasil. O Ministério Público não só tem de recolher, mas tem de apresentar. Não pode selecionar. Diante dessa nova realidade das investigações brasileiras, acho que os tribunais superiores devem passar a visitar o tema de forma a compatibilizá-lo."

Sócio-fundador da banca Callegari Advogados e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), André Callegari listou uma série de erros que, na avaliação dele, o país ainda comete em matéria de Direito Penal. Ele mencionou a má aplicação de conduções coercitivas, as prisões provisórias e as quebras de sigilos, 

"Nós usamos e abusamos das conduções coercitivas. prisões provisórias e temporárias. quebras de sigilo telefônico, telemático e interceptações. Temos medo de fazer esse tipo de jurisprudência. O Direito Penal investiga mal e condena mal. Se não tivéssemos ministros corajosos para rechaçar esse tipo de investigação, talvez teríamos uma situação ainda pior do que estamos vivenciando hoje", falou o advogado, lembrando precedentes que têm sido reiteradamente adotados em casos de falha em reconhecimento facial de réus.

Além disso, Callegari questionou os juízes que produzem provas de ofício. "Como um juiz, na Lei de Lavagem de Dinheiro, pode ser independente para julgar um processo em que, de ofício, baseado em provas indiciárias, decreta um sequestro? Quando ele vai ser imparcial para julgar esse delito? Nunca."

O advogado civilista Andrea Marighetto encerrou o debate abordando a possibilidade de comparação entre sua área de atuação e o Direito Penal. "Não nos referimos exclusivamente aos diferentes sistemas de Direito, common law, civil law etc.. Dentro do próprio ordenamento, do próprio sistema do Direito, existem modelos que podem ser utilizados, e até instrumentalizados, para resolver problemáticas", falou ele.

"Eu os convido à provocação para considerar outros modelos internos dos próprios ordenamentos para que a luta contra a criminalidade aconteça ao mesmo tempo em que os direitos fundamentais e os equilíbrios processuais sejam mantidos."

Clique aqui para ver o debate ou assista abaixo: 

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!