Opinião

Desafios da legislação internacional ESG e do dever da devida diligência

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7 de julho de 2023, 19h37

A expressão environmental, social and governance (ESG) há muito deixou de ser uma novidade, fazendo parte das atuais discussões, estratégias, medidas e metas dos governos, empresas, organizações e instituições financeiras, de forma geral e globalizada.

Com efeito, nos dias de hoje, o que se verifica é uma preocupação globalizada com as questões climáticas, de biodiversidade, desmatamento e direito humanos, o que tem acarretado na adoção de uma série de medidas extra normas, fazendo com que a sociedade e o mercado se auto regulem, elevando com isso os padrões de comportamento e de desenvolvimento das relações em sociedade.

Ao lado desse despertar, sobretudo das entidades privadas quanto à necessidade de se assumir responsabilidades mais amplas, que vão além do cumprimento objetivo das normas legais, tem-se assistido à criação de crescentes normas, com o objetivo de tratar de uma forma mais uniforme e vinculante as respectivas responsabilidades decorrentes do cumprimento da agenda ESG.

Nesse sentido, no Brasil, verificam-se iniciativas por parte do Banco Central e da CVM, como, por exemplo, a Lei nº 4.327/2014, que instituiu a Política de Responsabilidade Socioambiental, as Resoluções BCB nºs. 139 e 140/2021, que tratam do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas (GRSAC), a Resolução CMN nº 4.945/2021, que trata da Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC) e a Resolução nº 175/2022, da CVM, que criou o Marco Regulatório para os Fundos de Investimento, onde são definidos os fundos que podem carregar o rótulo ESG.

Para além do segmento das instituições financeiras temos igualmente a Lei nº 13.986/2020, que criou os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), a Lei nº 13.576/2017 (Lei do Renovabio), que trata do Crédito de Descarbonização (CBIO), a Lei nº 14.199/2021, que trouxe a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, a PR 2030, editada em 2022, pela ABNT, com os principais conceitos e diretrizes ESG, a serem incorporados pelas entidades, dentre outras normas legais.

Mundo afora legislações têm sido editadas com o objetivo de impor às empresas o dever da devida diligência em matéria de direitos humanos e meio ambiente, sendo conhecidas, em países de língua inglesa, como Human Rights and Environmental Due Diligence (HREDD).

O intuito por traz dessa legislação é fazer com que as grandes corporações, que controlam o processo produtivo e estabelecem subcontratações para fornecimento de insumos, exerçam controle sobre toda a sua cadeia produtiva, mediante a atribuição de responsabilidades pelas violações ocorridas em sua cadeia de valor.

Nesse contexto, temos as seguintes legislações:

1) Reino UnidoSlavery Act, legislação abrangente do ano de 2015, que busca regular e abordar as questões da escravidão moderna nas operações comerciais e em suas cadeias de suprimentos globais;

2) FrançaDuty of Vigilance Law, datada do ano de 2017, que criou para as grandes empresas francesas a obrigação de exercer a vigilância de todo seu processo produtivo, desde a produção da matéria prima, passando pelo fornecimento dos insumos, até a venda do produto ao consumidor final;

3) HolandaResponsible and Sustainable International Business Conduct Act, apresentada originalmente no ano de 2021, e ainda sob discussão, tem por objetivo criar um padrão normativo mínimo envolvendo a responsabilidade social corporativa;

4) AlemanhaSupply Chain Due Diligence Act, datada de 2023, que tem por objetivo melhorar a proteção dos direitos humanos nas cadeias de abastecimento globais;

5) União EuropériaEU Corporate Sustainability Due Diligence Directive, datada do ano de 2022, com expectativa de entrar em vigor a partir de 2024, que trata do dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade e prevê a responsabilização empresarial por danos ambientais e por violações a direitos humanos em sua cadeia de fornecedores, a nível global.

De mais recente, em 16.05.2023, foi publicado o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), mecanismo de taxação do carbono para determinados produtos exportados para a União Europeia (cimento, aço e ferro, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio), para que empresas europeias não sejam prejudicadas no custo final de seus produtos por empresas estrangeiras submetidas a regras ambientais menos rígidas.

A nova lei entrará em vigor em 2026, porém a partir de 2023 se iniciará uma fase de transição, em que os importadores terão que notificar, por meio da apresentação de relatórios, todas as emissões de carbono que possuam relação com os produtos importados.

Já no último dia 9.6.2023, a União Europeia publicou a Deforestation Regulation, visando reforçar as medidas de combate ao desmatamento e ao desflorestamento.

Assim, todos àqueles que visem fornecer produtos ao mercado europeu, quer se tratem de produtores locais ou internacionais, em particular de gado, cacau, café, óleo de palma, soja e madeira, e seus derivados, commodities que supostamente são as maiores responsáveis pelos atuais índices de desmatamento a nível mundial, terão que comprovar que atendem à competente legislação do país de origem dos produtos, seja em termos ambientais, seja em termos sociais. Oportunamente a legislação será revisada, de forma a que outros produtos integrem a relação de itens sob controle.

A ideia é garantir que toda a cadeia de produção e fornecimento de produtos em circulação no mercado europeu se encontre em compliance com a competente legislação, evitando a circulação de produtos que tenham contribuído para o desmatamento, o desflorestamento e a violação a direitos humanos.

As empresas deverão garantir que seus produtos: 1) não são derivados de desmatamento e desflorestamento; 2) que foram produzidos de acordo com a competente legislação; e 3) que foram submetidos a due diligence.

Todo esse novo espectro legislativo internacional tem gerado discussões em diversos setores da economia do Brasil, sobretudo do setor do agronegócio, diante dos impactos que necessariamente irão gerar sobre a produção do país, seja em termos de custo, seja em termos de novas obrigações.

Embora a norma, em seus considerandos, seja expressa em dispor que sua regulamentação será realizada em parceria com os países produtores, com os organismos e órgãos internacionais e principais stakeholders, há um fundado receio de que as especificidades do Brasil acabem não sendo consideradas e a norma, em vários aspectos, se faça de difícil ou impossível cumprimento.

Atualmente, 15% das exportações do Brasil são direcionadas a países que compõem a União Europeia, sendo que questões como o custo de atendimento a nova legislação, formato e meios de implementação da due diligence, rastreabilidade dos fornecedores diretos e indiretos, extensão continental do país, que faz com que o Brasil apresente situações ambientais, sociais e econômicas absolutamente diversas e discrepantes, têm sido colocadas em discussão, com o objetivo de melhor entender como o Brasil se colocará nessas novas regras de mercado que vêm se formando.

Outro ponto de grande discussão é que a referida norma abarca tanto o desmatamento legal quanto o ilegal, sendo que o Brasil, a par de apresentar uma política ambiental avançada e bem estruturada, em comparação a outros países, possui vastas áreas agricultáveis resultado de desmatamento ocorrido dentro das normas previstas no Código Florestal Brasileiro.

Nesse aspecto, a norma da União Europeia parece contraditória, pois ao mesmo tempo em que estabelece que os produtos objeto de exportação devem obedecer à correspondente legislação local, cria restrições a produtos derivados de área legalmente desmatada.

O Brasil possui grande importância econômica e política, a par de ser o maior produtor mundial de alimentos, de forma que o governo brasileiro, em conjunto com as entidades representativas dos diversos segmentos da economia, sobretudo do  agronegócio, há de intermediar as discussões com o fóruns internacionais, com o objetivo de garantir o alinhamento do Brasil ao cumprimento dessas novas normas internacionais, observadas as variáveis, peculiaridades e momento econômico em que nos encontramos. 

Enfim, estamos em um momento de avaliação de riscos e oportunidades, assim como de definição de estratégias, em que o maior risco é nos vermos excluídos da nova dinâmica de mercado fundada na agenda ESG.

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