Opinião

Hidrelétricas até 50 MW são fortes aliadas para net zero e redução de desigualdades

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5 de julho de 2023, 21h28

Na última semana, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, em Paris, fez discurso [1] para os representantes de diversos países. Focado nas questões da Amazônia, mudanças climáticas e acordos comerciais e internacionais, o presidente Lula enfatizou diversas vezes o setor elétrico ao dizer, por exemplo, que: a matriz elétrica do Brasil se destaca por ser uma das mais limpas do mundo (sendo que 87% da energia brasileira é renovável, contra 27% do restante do mundo); o Brasil está no caminho para cumprir com a meta de, até 2030, acabar com desmatamento na Amazônia.

Para além de todas essas falas, o discurso do presidente da República ficou marcado pela seguinte mensagem: não adianta tratar sobre as mudanças climáticas sem tratar sobre a pauta da desigualdade no mesmo patamar de prioridade.

A mensagem transmitida não passa despercebida e impõe reflexões profundas de que o papel da energia elétrica deve ser para além das metas net zero. É necessário fomento às fontes e aos mecanismos de contratação que, para além dos objetivos de descarbonização, auxiliam na diminuição das desigualdades, e não o contrário.

É nesse contexto de necessidade de metas concomitantes (net zero e diminuição das desigualdades) que as hidrelétricas, em especial as autorizadas até 50 MW (Central Geradora Hidrelétrica com Capacidade Instalada Reduzida — CGH [2], Pequena Central Hidrelétrica — PCH [3] e Usina Hidrelétrica — UHE [4] autorizada) ganham relevância, uma vez que representam alternativas tecnologicamente eficientes para atingimento de ambos os objetivos.

Sob a ótica pró net zero, a fonte hídrica é responsável pela geração de energia com as menores emissões de CO2, de acordo com estudo da EPE [5]. Segundo esse estudo, todas as fontes renováveis emitem menos gases de efeito estufa em comparação às fontes convencionais. E, em sendo comparado apenas às fontes renováveis (o que inclui eólica e solar), a hídrica é a menor emissora de CO2, considerando toda a cadeia produtiva, somada à sua vida útil, de mais de cem anos.

Sob o ponto de vista da redução de desigualdades, insta salientar que as hidrelétricas correspondem à fonte que, além de comprovadamente apresentar vida útil maior do que cem anos e estarem instaladas próximas aos centros de consumo, possuem tecnologia e cadeia produtiva 100% nacional, enquanto outras fontes possuem a maior parte de seus equipamentos de origem importada. Por conseguinte, além da significativa geração de receita e impostos em nosso país, tem-se a criação de empregos diretos e indiretos, que se estendem desde a construção das usinas até a sua operação ao longo de sua vida útil (frisa-se, de mais de cem anos). Não à toa, estudos [6] apontam que PCHs e CGHs geram pelo menos 1,6 x a 2,8 x mais empregos diretos e indiretos (cenário mínimo) por MWh:

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Fonte: A.T. Kearney, fevereiro de 2020, Estudo de condições para maior inserção das PCHs/CGHs na matriz elétrica brasileira

Naturalmente, quanto mais PCHs e CGHs, maior a quantidade de empregos diretos e indiretos gerados e mantidos na cadeia produtiva em nosso país, contribuindo com isto para redução de desigualdades e o desenvolvimento econômico.

Os índices socioeconômicos de municípios que têm PCHs em operação apresentam melhoras conforme pode-se evidenciar por intermédio do PIB per capita mostrado no quadro abaixo [7]:

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Fonte: A.T. Kearney, fevereiro de 2020, Estudo de condições para maior inserção das PCHs/CGHs na matriz elétrica brasileira

Não apenas o PIB per capta melhora para os municípios com PCHs e CGHs, como os demais indicadores (IFDM, IDHM e Gini) igualmente performam com indicadores melhores, considerando o fomento da economia local através da fonte, empregando pessoas e agregando valor ao município, inclusive para fins de lazer e turismo:

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Fonte: A.T. Kearney, fevereiro de 2020, Estudo de condições para maior inserção das PCHs/CGHs na matriz elétrica brasileira

Depreende-se, portanto, que se a instalação de PCHs e CGHs implicam aumento da performance de índices socioeconômicos, um excelente remédio para ajudar a combater a desigualdade é, sem dúvidas, o investimento e o fomento para construção desse tipo de empreendimentos em mais municípios do país. A esse respeito, vale destacar que o país possui um estoque de potencial de 8,7 GW [8] para implantação de centrais hidrelétricas de pequeno porte no curto ou médio prazo, cujos projetos estão localizados de forma distribuída em praticamente todo o território nacional, sendo os maiores potenciais localizados nos estados de Goiás, Mato Grosso, Santa Catarina, Minas Gerais e Paraná.

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Fonte: SIGA/Aneel (jun/2023)

As PCHs e CGHs também desempenham um papel significativo na geração de impostos ao longo de sua cadeia produtiva e de sua operação, sendo responsáveis por R$ 62 a 110 milhões por MW instalado, o que equivale a um percentual entre 51% e 189% acima de outras fontes renováveis.

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Fonte: A.T. Kearney, fevereiro de 2020, Estudo de condições para maior inserção das PCHs/CGHs na matriz elétrica brasileira

Portanto, significa que a construção de PCHs e CGHs também é de interesse de estados e municípios para incrementar sua arrecadação, revertendo em posterior destinação em benefício e melhoria de vida de sua população.

Para além de todos os fatores indicados, há de se considerar um outro de grande relevância, intrinsicamente ligado à redução de desigualdades, qual seja, a confiabilidade no Sistema Interligado Nacional (SIN) que as hidrelétricas promovem, funcionando como verdadeiras baterias naturais e prestando serviços ancilares para estabilizar e prover o sistema elétrico da flexibilidade operativa necessária, especialmente devido à elevada penetração de fontes intermitentes e não síncronas (exemplos: eólica e solar). Por estarem localizadas de forma distribuída em praticamente todo o território nacional, otimizam o sistema de transmissão, reduzindo e/ou postergando investimentos e reduzindo perdas. Levando-se em conta o impacto nas tarifas de energia pagas pelos consumidores, as hidrelétricas autorizadas até 50 MW são seguramente a fonte de geração de energia mais barata para o consumidor.

Nesse cotejo, segundo a Aneel [9], "as fontes hídricas são essenciais para garantir o suprimento de energia firme e a confiabilidade do sistema elétrico brasileiro, sendo um importante diferencial do nosso país. Trata-se de um potencial energético renovável, cujo custo marginal de produção é nulo. Em realidade, no contexto brasileiro, a geração hidrelétrica é a fonte de energia que, no âmbito da operação em tempo real, modula o balanço energético do sistema em 0face das incertezas que invariavelmente permanecem entre o processo de programação e a operação em tempo real (desvios de carga, de afluências hidrológicas, de geração eólica e solar, de disponibilidade de equipamentos), provendo-lhe os principais serviços de confiabilidade".

Por todo exposto, demonstra-se que, ao promover o crescimento desse setor, podemos alcançar simultaneamente as metas de emissão zero, aproveitando a energia limpa e renovável fornecida pelas PCHs, CGHs e UHEs autorizadas até 50 MW, e contribuir para a redução de desigualdades, por meio da geração de empregos e desenvolvimento econômico em regiões que muitas vezes enfrentam carências socioeconômicas.

Para fomento da tecnologia em prol destes objetivos, são necessários mais investimentos em novos empreendimentos hidrelétricos, em especial as autorizados até 50 MW, lastreados em políticas públicas, sinais regulatórios e incentivos adequados e compatíveis com todos os atributos da fonte, dentre os quais se encaixa a concomitância para o atingimento tanto da meta net zero, como a meta de redução de desigualdades.

 


[2] Conforme REN 875/2020: "Central Geradora Hidrelétrica com Capacidade Instalada Reduzida corresponde aos aproveitamentos hidrelétricos enquadrados como Central Geradora Hidrelétrica com Capacidade Instalada Reduzida (CGH) são aqueles cuja potência seja igual ou inferior a 5.000 kW".

[3] Conforme REN 875/2020: "Pequena Central Hidrelétrica corresponde aos aproveitamentos hidrelétricos com as seguintes características: I – potência instalada superior a 5.000 kW e igual ou inferior a 30.000 kW; e II – área de reservatório de até 13 km² (treze quilômetros quadrados), excluindo a calha do leito regular do rio".

[4] Conforme REN 875/2020: "Usina Hidrelétrica corresponde aos aproveitamentos hidrelétricos que possuem as seguintes características serão enquadrados como), com os respectivos regimes de outorga: I – potência instalada superior a 5.000 kW e igual ou inferior a 50.000 kW, desde que não sejam enquadrados como PCH e estejam sujeitos à outorga de autorização".

[5] NOTA TÉCNICA EPE/DEA/SMA 012/2022.

[6] Fonte: A.T. Kearney, fevereiro de 2020, Estudo de condições para maior inserção das PCHs/CGHs na matriz elétrica brasileira.

[7] Fonte: A.T. Kearney, fevereiro de 2020, Estudo de condições para maior inserção das PCHs/CGHs na matriz elétrica brasileira.

[8] Potencial com Despachos de Registro de Adequabilidade do Sumário Executivo (DRS) ou projeto básico aprovado na Aneel. Fonte: SIGA/Aneel (junho/2023).

[9] OFÍCIO Nº 126/2022-DR/Aneel, de 04/05/2023.

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