Quebra-quebra no DF

'Não é possível se aproveitar da democracia para buscar uma ditadura'

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20 de janeiro de 2023, 20h47

O subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos afirmou nesta sexta-feira (20/1), em entrevista exclusiva à revista eletrônica Consultor Jurídico, que atos como os do último dia 8 não podem ser tolerados em tempos de normalidade democrática e que os episódios de vandalismo se traduzem no uso da democracia "para buscar uma ditadura".

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Carlos Santos atua com o STF nos casos envolvendo a invasão dos prédios públicos
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No dia 11, ele foi designado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para atuar com o Supremo Tribunal Federal nos casos envolvendo a invasão da corte, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto. 

"É um episódio novo na nossa história e na nossa República. Realmente é uma situação que desafia o Ministério Público e a Justiça. Isso não pode ser tolerado em momento algum em tempos de democracia, aproveitar-se da democracia para buscar uma ditadura", afirma Santos. 

Ele também voltou a dizer que o crime de terrorismo não pode ser aplicado contra quem participou ou financiou a depredação das sedes do Judiciário, do Legislativo e do Executivo. Segundo o subprocurador, foi decisão do Congresso deixar "crimes de natureza política" fora da Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/16).

A atuação da PGR foca em quem participou do quebra-quebra, financiou os atos ou foi autor intelectual do vandalismo. Nesse sentido, quem só compareceu, pedindo ou não uma intervenção militar, está, ao menos por ora, fora do alcance do órgão. 

"Até agora denunciamos executores que ingressaram nos prédios públicos. No Supremo Tribunal Federal e no Parlamento brasileiro. Até agora esses dois. Estamos esperando informações do Planalto." 

Leia a seguir a entrevista:

ConJur — Em que medida atos tão excepcionais quanto os do último dia 8 podem ser examinados à luz da legislação convencional?
Carlos Frederico Santos — É um episódio novo na nossa história e na nossa República. Realmente é uma situação que desafia o Ministério Público e a Justiça. Mas o que se torna mais importante nisso tudo são o Estado democrático de Direito e a sua preservação. Os artigos 359-L e 359-M do Código Penal são disposições que substituíram a antiga Lei de Segurança Nacional, e preenchem os crimes contra o Estado democrático de Direito e criminalizam essa condição de violência ao Estado democrático e o golpe de Estado. Isso não pode ser tolerado em momento algum em tempos de democracia, aproveitar-se da democracia para buscar uma ditadura.

ConJur — A competência concorrente da titularidade da ação penal com o Supremo é contraproducente?
Carlos Frederico Santos — De acordo com o artigo 129 da Constituição, só existe um titular da ação penal para a ação penal pública, que é o Ministério Público. Então não há competência concorrente a esse respeito. O dono da ação penal é sempre o Ministério Público, em se tratando de ação penal pública. É o caso em questão. O MPF tem a exclusividade. 

ConJur — Os infratores fardados devem ser investigados e processados pela Justiça civil ou pela militar?
Carlos Frederico Santos — Cada caso é um caso. Temos de ver a extensão dos fatos e de quem se trata. Buscamos exatamente essa identificação para que possamos, aí, sim, verificar qual o juízo competente e o Ministério Público que tem atribuição para processar quem praticou o ato de vandalismo. (Mas) Tenho de saber quem praticou. Se eu estivesse dizendo: "Ah, os fardados têm de ser (investigados por essa ou aquela Justiça)", eu já estaria dizendo que há pessoas das Forças Armadas envolvidas. E eu não sei se há. Até agora nós identificamos civis praticando esses atos. Se for identificado alguém (militar), vamos tomar as providências cabíveis. 

ConJur —  O Ministério da Justiça diz que identificou ao menos oito militares…
Carlos Frederico Santos — Se o Ministério da Justiça tem esses dados, deve enviá-los ao Ministério Público Federal. Mas não recebemos nada a respeito do tema. Então é difícil nos manifestarmos simplesmente pelo que se fala. O que vinga aqui é o princípio da oficialidade. Tudo aqui tem de ser oficial. Não podemos dizer: "Estamos pensando no que o fulano disse". Fica difícil trabalhar assim. As acusações que saem aqui da Procuradoria-Geral da República são consistentes e visam a unir as pessoas que comprovadamente praticaram esses atos no dia 8 de janeiro.

ConJur — Excluindo-se a quebradeira, quem participou da manifestação, mas não dos atos de vandalismo, pode ser enquadrado em algum crime?
Carlos Frederico Santos — Até agora denunciamos executores que ingressaram nos prédios públicos. No Supremo Tribunal Federal e no Parlamento brasileiro. Até agora esses dois. Estamos esperando informações do Planalto. 

ConJur Como o senhor avalia a atuação do procurador-geral da República, Augusto Aras, nesse caso?
Carlos Frederico Santos — O dr. Aras agiu prontamente, porque ele convocou o gabinete de gestão de crise no domingo (8 de janeiro). Ele criou o gabinete para esses casos, o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos. Eu fui convidado por ele, de forma impessoal, para coordenar o grupo, porque sou o coordenador criminal do MPF. Então ele achou mais apropriado que eu assumisse a função para que pudéssemos desenvolver o trabalho na esfera criminal de maneira mais célere e eficiente. 

ConJur — O MPF monitorou a movimentação de manifestantes antes dos últimos atos de 7 de Setembro para tentar evitar casos de violência. O que foi feito previamente ao dia 8 de janeiro e o que a PGR sabia sobre essa movimentação?
Carlos Frederico Santos — Essa gestão cabe à segurança pública, porque ao Ministério Público compete apurar e punir os crimes. Não é da competência da PGR monitorar e verificar o que estava acontecendo. Existem vários órgãos de segurança pública envolvidos. A atribuição da PGR nós estamos exercendo agora. 

ConJurA PGR não foi intimada para acompanhar o depoimento do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Já foi dada alguma explicação? Esse foi o único procedimento de que a PGR ficou fora?
Carlos Frederico Santos — Eu não sei o que foi que aconteceu — se foi erro de comunicação ou alguma coisa assim —, mas agora estamos sendo intimados de todos os atos. 

ConJur — Os atos de 8 de janeiro podem ser tipificados como terrorismo?
Carlos Frederico Santos — As elementares do crime de terrorismo não se adequam à situação. No Congresso Nacional ficou resolvido que isso não seria aplicado a crimes de natureza política. Se as elementares não se adequam e se não há como apurar legalmente essa situação em crimes políticos, não há como dizer que é terrorismo, afinal de contas essa foi uma decisão do Congresso Nacional, não nossa. O rito da democracia é esse: cada parcela de poder decide o que está na sua competência. O resto cabe a nós aplicar. Se o Congresso decidiu assim, cabe ao MPF aplicar a lei nos termos do que o Legislativo aprovou. A lei penal não pode ter interpretação extensiva de acordo com o ambiente ou com a pessoa acusada. Ela tem de ser aplicada igualmente a todos.

ConJur — O governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, foi alvo, a pedido da PGR, do cumprimento de mandado de busca e apreensão. Há a possibilidade de o órgão pedir a prisão do governador?
Carlos Frederico Santos — O pedido de prisão hoje em dia, dentro da esfera penal e das decisões dos tribunais competentes, inclusive os superiores, ocorre em última análise. Geralmente se estabelecem medidas alternativas. Mas isso depende da gravidade dos fatos e do que for apurado. A busca e apreensão que pedimos em relação ao governador afastado foi exatamente para verificar a extensão dos fatos em que ele está envolvido, porque até então não estamos sabendo em que essa omissão imprópria dele consiste. Para que possamos fazer uma acusação consistente, caso haja a constatação da prática de crime, precisamos ter as provas correspondentes. A busca se deu em razão disso. Não para incriminar, mas para verificar, de maneira correta, a extensão dos atos do governador afastado. 

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