Opinião

Notas sobre levantamento de sigilo de documentos e transparência

Autor

  • Rafael Beltrão Urtiga

    é advogado assessor mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco (FDR-UFPE) e especialista em Tecnologia e Inovação com ênfase em Direito Público pelo Instituto New Law (Uniftec).

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13 de janeiro de 2023, 7h15

Encerrou-se, em 31 de dezembro de 2022, um capítulo da vida política e social do país. No primeiro dia útil de 2023, vimos um novo cenário sendo delineado para os anos que se sucederão.

Para além da euforia política, discursos emocionados e liturgias simbólicas, tem-se que há caminho certo a percorrer para responsabilização. Ao que nos parece, o primeiro passo escolhido foi enfrentar o sigilo dos documentos oficiais confeccionados nos anos de 2019 a 2022.

Em tempo, é importante esclarecer que, por força de despacho presidencial, nos primeiros 30 dias, cabe à Controladoria Geral da União (CGU) rever individualmente as inúmeras decisões administrativas que recusaram acesso a documentos públicos, justamente por entender que neles existem informações privadas.

Note-se que a referida medida não é desconhecida do Planalto, uma vez que em outros governos já foi utilizada. Todavia, tornou-se inconvenientemente "impopular" por coincidir com atos políticos do passado governo, sendo muito comunicada pelos seus opositores através das TDICs (Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação) como escrutínio para teratologias.

Ao que importa, as medidas adotadas de sigilo até então são legais, justamente, por possuir arcabouço normativo na Lei de Acesso à Informação (LAI), em vigor desde 2011, a qual se assegura como direito fundamental o acesso à informação.

Assim, ao que nos parece, o passo a ser dado precisa, necessariamente, ser acompanhado de sobriedade, notadamente consubstanciado na construção de minucioso plano de trabalho, com indicação progressiva do necessário tempo de sigilo das informações restringidas, sem esquecer-se das disposições da Lei Geral de Proteção de Dados (artigos 6° e 7°, da LGP) como também das disposições do artigo 31, LAI.

Somado a isso, deve-se também dimensionar a capacidade institucional de lidar com as informações que vão ser publicizadas, justamente pela possibilidade de incidência de fenômenos — já conhecidos — de infodemia, fake news e desinformação.

Dessa forma, em deferência a obrigação do Estado em favor da transparência ambiental, recentemente ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em suas múltiplas dimensões (ativa, passiva e reativa[1], simples é nossa conclusão: a contumácia de imposição de sigilo não consiste em fundamento válido para promoção da sociedade do espetáculo [2].

É justamente o contrário. Em momentos de apuração da responsabilidade, espetáculos precisam ser evitados, cabendo sempre a impassibilidade do devido processo legal ditar as regras do caminho, de forma a permitir a devida responsabilização.

Por fim, na repetida máxima de Maquiavel [3], temos para a atualidade uma preciosa lição a rememorar: o fim não pode justificar o meio, sob pena de subversão do que nos é mais caro: a harmonia entre justiça e segurança jurídica.

 


[1] Incidente de Assunção de Competência (IAC), nº 13, quando do julgamento do REsp. nº 1857098/MS.

[2] DEBORD, Guy. A sociedade do espectáculo. 1991.

[3] Cf. O Príncipe, cap. XVIII, "Sobre como os príncipes devem manter as suas palavras".

Autores

  • é advogado, graduado em direito pelo Centro Universitário UniFBV Wyden em Recife – Wyden Educacional. Atua como pesquisador voluntário no PICT – Programa de Iniciação Científica; monitor de Direito Penal (Teoria da Pena) e Processo (Teoria Geral do Processo e Processo Penal); e mentoring. Integrante do grupo de pesquisa: Jurisdição e Processos Constitucionais na América Latina: Análise Comparada - UFPE/CNPQ. Parlamentar Juvenil do MERCOSUL – representante do Estado de Pernambuco (biênio 12/14).

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