Opinião

A prescrição intercorrente no CPC — movimentação útil do pleito executivo

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  • é doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP) especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD) bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT) advogado professor de Processo Civil no Núcleo de Direito à saúde da ESA/OAB-SP e em cursos de pós-graduação lato sensu.

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11 de janeiro de 2023, 12h15

Para Marcelo Meinberg Geraige e Nadime Meinberg Geraige

 

O passar do tempo é implacável. Se relacionado ao Direito, o tempo é, simultaneamente, criador, regulamentador e supressor de posições e de situações jurídicas [1]. Em si mesmo, o tempo não pode ser considerado fato jurídico, mas o transcurso dele é base para o suporte fático de inúmeras situações jurídicas, dentre as quais a prescrição [2].

A prescrição tem por objetivo o encerramento da incerteza derivada de relações jurídicas duvidosas e controversas. Com a passagem do tempo e o encerramento da incerteza, garantem-se a segurança e a paz públicas [3]. No âmbito do vigente Código de Processo Civil, os artigos 921 e 924 positivaram a prescrição intercorrente, visando a impedir a eternização da execução civil, uma vez que a inércia do exequente não pode ter o condão de tornar a obrigação imprescritível [4]. Realmente, a segurança jurídica não combina com a possibilidade de desarquivamento dos autos de uma execução que estava suspensa por considerável intervalo de tempo para a expropriação de bens do executado [5].

Mesmo sendo um instituto recém-positivado pelo CPC, a prescrição intercorrente já sofreu importante reforma no plano dogmático. A Lei 14.195/21 incluiu os parágrafos 4º-A, 6º e 7º no artigo 921, e alterou o inciso III e os parágrafos 4º e 5º do mesmo artigo 921. O parágrafo 5º passou a dispor que a extinção da ação executiva por prescrição intercorrente não se sujeita à regra do artigo 85 do CPC, uma vez que ela se dá "sem ônus para as partes". O parágrafo seguinte (6º) regulamenta a nulidade do "procedimento" de arguição da prescrição intercorrente: o preceptivo legal diz que a nulidade "somente será conhecida caso demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo". O conteúdo semântico da regra é mais exigente do que o texto do parágrafo único do artigo 283 do CPC. Esse último se contenta em reconhecer nulidade com a ocorrência de mero prejuízo, ao passo que no âmbito da prescrição intercorrente o prejuízo é qualificado, devendo ser "efetivo". Por último, o parágrafo sétimo do artigo 921 deixa bem claro que a prescrição intercorrente pode ser reconhecida em cumprimento da sentença voltado ao recebimento de quantia certa.

No que se refere à contagem do prazo da prescrição intercorrente [6], a redação original do § 4º do artigo 921 dispunha que ele começava a correr depois de um ano sem a localização do executado ou de bens penhoráveis [7]. Em 2021, com a promulgação da Lei 14.195, o termo inicial da prescrição intercorrente passou a ser "a ciência da primeira tentativa infrutífera [8] de localização do devedor ou de bens penhoráveis", o que está em conformidade com a atual redação do inciso III do mesmo artigo 921: antes da Lei 14.195/21, a execução deveria ser suspensa quando o executado não possuísse bens penhoráveis. Após a reforma da prescrição intercorrente, a não-localização do executado também é motivo ensejador da suspensão da execução.

A Lei 14.195/2021 também inseriu o § 4º-A ao artigo 921 do CPC. Mediante redação pouco clara, o referido dispositivo regulamenta as hipóteses de interrupção do prazo da prescrição intercorrente. Dois são os suportes fáticos: (1) efetiva citação ou intimação do executado e (2) constrição de bens penhoráveis. Ambos são seguidos pela condicionante de teor vago: "desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz". Qual seria o sentido dessa disposição? Para manter a execução "viva" [9], basta não deixar que os autos dela sejam arquivados? Há inércia do exequente se ele requer, por diversas vezes, a suspensão do feito executivo a pretexto de localizar bens do executado que possam ser penhorados, e não cumpre esse objetivo? A juntada de substabelecimento aos autos da execução, somente para evitar o arquivamento deles, é capaz de impedir a fluência da prescrição intercorrente?

Em nossa opinião, a prescrição intercorrente não flui apenas se o exequente se mantiver realmente ativo na procura de bens do executado que possam sofrer penhora. Malgrado a necessidade de exame casuístico daquilo que se entenda como movimentação útil do pleito executivo, há precedentes do TJSP que podem ajudar na tarefa de saber o que pode ser interpretado como atitudes inúteis para a satisfação do crédito exequendo. Em acórdão proferido na apelação cível nº 0000082-74.2012.8.26.0563, entendeu-se que meros pedidos sucessivos de suspensão da ação de execução não interrompem a prescrição intercorrente, uma vez que o processo estava sem receber movimentação tendente à efetiva satisfação do crédito por mais de seis anos seguidos [10]. Em outro julgado, censurou-se a inércia e a negligência da exequente, que demorou a promover a citação da executada em ação de restauração de autos [11]. Em julgado muito bem fundamentado, reconheceu-se que a simples juntada de substabelecimentos e de petição exibindo o número de telefone do advogado do exequente são providências inócuas para a satisfação do crédito exequendo [12]. Por fim, encerrando a listagem exemplificativa de julgados do TJ-SP sobre o assunto, há notícia de acórdão que considerou inerte o exequente que insistiu na localização de veículo anteriormente penhorado, sem tentar a constrição de outros bens que pudessem satisfazer o crédito [13].

Diante da situação concreta, é fundamental verificar se o exequente realmente promove movimentações úteis ao recebimento do crédito dele. Caso contrário, impõe-se o reconhecimento da prescrição intercorrente como forma de coibir a eternização de ação executiva marcada pelo desinteresse do exequente em materializar a prestação representada pelo título executivo, em atenção ao disposto no inciso LXXVII do artigo 5º da Constituição Federal e ao previsto no artigo 4º do Código de Processo Civil.

 


[1] "[O] direito afeta diretamente a temporalização do tempo, ao passo que, em troca, o tempo determina a força instituinte do direito. Ainda mais precisamente: o direito temporaliza, ao passo que o tempo institui" (OST, François. O tempo do direito. Trad. Élcio Fernandes. Bauru: EDUSC, 2005, p. 13).

[2] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 49.

[3] Essa é a lição de Agnelo Amorim Filho, amparada em Savigny e em Pontes de Miranda. (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. RT nº 744, out./1997, p. 734)

[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Prescrição e decadência. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 176.

[5] MIRANDA, Gilson Delgado. Breves comentários ao novo código de processo civil. Coords. Teresa Arruda Alvim et. al. São Paulo: RT, 2015, p. 2.065. Para ilustrar o acerto do CPC em positivar a prescrição intercorrente, o autor faz menção a um hipotético pleito executivo que volta a tramitar após sofrer suspensão de 70 anos.

[6] STF, Súmula 150. Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação. FPPC, Enunciado n. 196. O prazo da prescrição intercorrente é o mesmo da ação. Dessa forma, o executado que possui interesse em sustentar a consumação desse fato extintivo da execução deve se atentar aos prazos prescricionais previstos no Código Civil (art. 206), em disposições da legislação extravagante (ex.: Lei 9.279/96, art. 225) e, casuisticamente, nos precedentes dos tribunais.

[7] Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Melo criticaram tal regime de contagem da prescrição. Após salientarem que a disposição ia de encontro ao posicionamento do STJ, registraram que o CPC aplicou "por extensão o entendimento consolidado nas execuções fiscais". Por fim, os mencionados autores censuraram a escolha do legislador porque "[s]oa excessivo e desproporcional impor ao exequente a fluência do prazo prescricional diante de um fato – a ausência de bens do executado – alheio à sua vontade e sobre o qual não exerce qualquer controle". (Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: RT, 2016, p. 1.447)

[8] Segundo a lição de Paulo Henrique dos Santos Lucon, essa "primeira tentativa infrutífera" diz respeito ao esgotamento de todos os meios existentes e idôneos à localização de bens do devedor. O entendimento simplesmente literal do dispositivo acabará por contrariar a própria finalidade do processo executivo, que é a satisfação do credor. (Código de processo civil interpretado. Coord. Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Atlas, 2022, p. 1.478)

[9] Expressão de Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Melo. (Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: RT, 2016, p. 1.447)

[10] TJ-SP, Apelação Cível n. 0000082-74.2012.8.26.0563, Rel. des. Rezende Silveira, 14ª Câmara de Direito Público, j. 20/7/2022.

[11] TJ-SP, Apelação Cível nº 0567243-95.2000.8.26.0100, rel. des. Jesus Lofrano, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 8/5/2012. Aqui, a inatividade durou mais de 3 anos, que era o prazo de prescrição para a execução de duplicata contra o sacado, nos termos do artigo 18, da Lei 5.474/68.

[12] TJ-SP, Agravo de Instrumento nº 2253549-72.2021.8.26.0000, Rel. Des. Sandra Galhardo Esteves, 12ª Câmara de Direito Privado, j. 21/12/2021.

[13] TJ-SP, Apelação Cível n. 0210242-79.2010.8.26.0100, rel. des. Gilberto dos Santos, 11ª Câmara de Direito Privado, j. 31/1/2022.

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  • é doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD), bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT), advogado e professor de Processo Civil no núcleo de direito à saúde da ESA/OAB-SP e em cursos de pós-graduação lato sensu.

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