Controvérsias Jurídicas

Prisão após a segunda instância: entendimentos do STF

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  • é procurador de Justiça do MP-SP mestre pela USP doutor pela PUC autor de obras jurídicas ex-presidente da Assembleia Legislativa de SP presidente do Procon-SP e secretário de Defesa do Consumidor.

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6 de janeiro de 2023, 13h42

Até fevereiro de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendia pela constitucionalidade da execução provisória da pena. Caso o indivíduo fosse condenado e interpusesse recurso especial ou extraordinário, teria de iniciar o cumprimento da pena enquanto aguardava a análise dos recursos. Tal perspectiva sofreu drástica mudança com o julgamento do HC 84.078, de relatoria do ministro Eros Grau, quando a corte passou a entender que nosso ordenamento jurídico não era compatível com a execução provisória.

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Nesse período, o condenado até poderia ter sua liberdade cerceada enquanto aguardava a análise do REsp ou RE, desde que estivessem presentes os requisitos necessários da prisão preventiva, conforme o artigo 312 do CPP. Assim, a prisão do condenado tinha natureza jurídica cautelar e não de execução da pena antes do trânsito em julgado do édito condenatório. Foi solidificado o entendimento de que a prisão antes do esgotamento das vias recursais somente poderia ser decretada cautelarmente; a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação implicava em restrição ao direito de defesa e que a antecipação da execução penal era incompatível com a Constituição Federal.

A Suprema Corte sustentou a tese até o dia 17 de fevereiro de 2016, quando ao julgar o HC 126.292, de relatoria do ministro Teori Zavascki, retornou para o entendimento firmado antes de 2009 acerca da possibilidade de execução provisória da pena. À época, argumentou-se ser possível o início da execução da pena após a prolação do acórdão condenatório em segundo grau, sem mácula ao princípio constitucional da presunção de inocência. Entendia-se também que, por não possuir efeito suspensivo (CPP, artigo 637), os efeitos da decisão recorrida não eram obstados pela interposição de recurso especial ou extraordinário.

O entendimento predominante passou a ser o de que até que fosse prolatada sentença penal condenatória confirmada em 2º grau, devia-se presumir a inocência do acusado. Contudo, após esse momento, exaure-se o princípio da presunção de inocência, tendo em vista que os recursos cabíveis nas instâncias superiores não comportam a discussão de autoria e materialidade, mas apenas controvérsia de direito material ou constitucional. Em continuidade interpretativa, estar-se-ia diante da consagração da teoria da presunção de inocência mitigada, que admitia o cerceamento da liberdade do acusado antes mesmo do trânsito em julgado.

A execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não comprometia o pressuposto essencial do princípio da não culpabilidade, desde que o acusado tivesse sido tratado como inocente no decorrer do processo, com as devidas garantias do contraditório e ampla defesa, utilização de provas lícitas e legítimas e respeito ao sistema acusatório. Entendia a corte que era necessário harmonizar o princípio constitucional da presunção de inocência com a verdadeira função jurisdicional criminal, não apenas atentando-se à garantia dos direitos do acusado, como também aos interesses da sociedade, a qual perdia a confiança no Poder Judiciário ante os longos anos de espera para julgamento e infindáveis recursos.

"Em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando o referendo da Suprema Corte" [1].

Todavia, nova guinada interpretativa mudou esse entendimento, sendo que a partir da 7/11/2019, ao julgar as ADCs 43, 44 e 54, de relatoria do ministro Marco Aurélio, o STF retornou à interpretação de 2009, afirmando que o cumprimento da pena somente pode ter início com o exaurimento de todas as vias recursais. Ressalte-se que remanesce a possibilidade do acusado ser preso antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, desde que presentes os requisitos da prisão preventiva, em decisão individualmente fundamentada pelo juiz. Retorna, portanto, a natureza cautelar da prisão antes do trânsito em julgado, extinguindo-se a execução provisória da pena.

"Assim, cabe ao Legislativo dispor sobre a temática de maneira diversa da que está no art. 283 do CPP, desde que o faça em respeito ao postulado da presunção de inocência. Enquanto não houver essa mudança, a prisão que não estiver fundada nos requisitos de prisões cautelares somente poderá subsistir se baseada no trânsito em julgado do édito condenatório" [2].

Para que tal entendimento voltasse a prevalecer, o STF aludiu à compatibilidade do artigo 283 do CPP, com redação dada pela Lei nº 12.403/11, o qual dispõe que: "Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou preventiva", com o artigo 5º, LVII, da CF, segundo o qual: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Como é de se notar, o posicionamento atual voltou a descartar a teoria do princípio da presunção de inocência mitigada, não se admitindo nenhuma transgressão aos direitos e garantias fundamentais do acusado.

"É vedado, até mesmo aos Deputados e Senadores, ainda que no exercício do poder constituinte derivado do qual são investidos, extinguir ou minimizar a presunção de inocência, plasmada na Constituição de 1988, porquanto foi concebida como um antídoto contra a volta de regimes ditatoriais" [3].

É sabido que a o sistema judicial brasileiro é complexo, moroso e com vias recursais excessivas, trazendo ao tecido social a sensação de ineficiência das leis, principalmente no que tange aos casos de repercussão criminal. Contudo, dar interpretação diversa àquilo que claramente determina a Constituição Federal, à título de atalhos para a concretização de prisões merecidas, abre precedente deletério ao sistema, uma vez que não podem as decisões judiciais se pautarem no clamor público.

"Embora fortes razões de índole social, ética e cultural amparem seriamente a necessidade de que sejam buscados desenhos institucionais e mecanismos jurídicos-processuais cada vez mais aptos a responder, com eficiência, à exigência civilizatória que é o debelamento da impunidade, não há como, do ponto de vista normativo-constitucional vigente – cuja observância irrestrita também traduz em si mesma uma exigência civilizatória -, afastar a higidez de preceito que institui garantia, em favor do direito defesa e da garantia da presunção de inocência, plenamente assimilável ao texto magno" [4].

Portanto, caso o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal condene ou mantenha a condenação de primeira instância, a prisão do réu não será automática, devendo cada caso ser analisado individualmente. O acórdão deverá se pautar na imprescindibilidade do cerceamento da liberdade do réu para a garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Caso assim não o seja, deverá ser mantido em liberdade até o esgotamento das vias recursais.

Curiosa é a situação daqueles que foram condenados em segunda instância entre fevereiro de 2016 e novembro de 2019, período em que vigorou no STF o entendimento da legalidade da execução provisória de pena ultrapassados eventuais embargos declaratórios contra o acórdão do TJ ou TRF. Cada caso deverá ser analisado de acordo com suas peculiaridades. Se o acusado estiver preso única e exclusivamente por força do acórdão de segunda instância, deverá ser colocado imediatamente em liberdade; porém, se ainda presentes os requisitos da prisão preventiva, nada se altera.

"O art. 283 do CPP, que exige o trânsito em julgado da condenação para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo compatível com o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88. Assim é proibida a chamada execução provisória da pena. Cale ressaltar que é possível que o réu seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento de todos os recursos), no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão judicial individualmente fundamentada, na qual o magistrado demonstre que estão presentes os requisitos previstos no art. 312 do CPP. Dessa forma, o réu até pode ficar preso antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente (preventivamente), e não como execução provisória da pena" [5].

Não se pode deixar de enfatizar o efeito vinculante da decisão do STF, uma vez que foi proferida em Ação Declaratória de Constitucionalidade, a qual entendeu pela compatibilidade do artigo 283 do CPP ao texto constitucional. Nesses casos, apesar de haver certa divergência doutrinária, é majoritário o posicionamento de que as decisões proferidas pelo STF em ações de controle de constitucionalidade possuem efeito vinculante e erga omnes.

As constantes alterações de entendimento da Corte Suprema acabam por gerar insegurança jurídica, sendo recomendável a pacificação desse entendimento, até porque avizinham-se novas mudanças na composição do STF com a possibilidade de rediscussão da matéria.

 


[1] STF. HC 126.292/SP, rel. min. Teori Zavascki, julgado em 17/2/2016.

[2] STF. ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, min. Gilmar Mendes, julgados em 7/11/2019.

[3] STF. ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, min. Ricardo Lewandowski, julgados em 7/11/2019.

[4] STF. ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, min. Rosa Weber, julgados em 7/11/2019.

[5] STF. Plenário. ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, rel. min. Marco Aurélio, julgados em 7/11/2019 (Info 958).

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  • é advogado, procurador de Justiça aposentado do MP de SP, mestre pela USP, doutor pela PUC, autor de obras jurídicas, ex-presidente da Assembleia Legislativa de SP, do Procon-SP e ex-secretário de Defesa do Consumidor.

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