'assim não quero'

Desistência antes da citação exime autor de complementar custas processuais

Autor

4 de janeiro de 2023, 17h49

A parte que ajuíza uma ação, paga custas processuais em valor menor que o correto e desiste do processo antes de a parte contrária ser citada não deve ser obrigada a complementar o pagamento.

Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região
Parte autora deu à causa valor mais baixo que o real e, intimada a complementar o pagamento das custas, desistiu da ação
Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região

Com esse entendimento e por maioria de votos, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial para desobrigar uma distribuidora de combustíveis a complementar o pagamento de custas processuais de uma ação movida contra um posto.

O processo, que aborda uma situação bastante específica e aparentemente incomum, dividiu o colegiado por tratar de uma estratégia que poderia ser usada na tentativa de pagar custas processuais reduzidas. A votação foi definida por 3 votos a 2.

O caso trata de uma ação ajuizada pela distribuidora contra o posto com objetivo de rescindir contrato, cobrar multa, impor obrigações e reintegrar posse. O valor atribuído foi de R$ 30 mil. As custas processuais iniciais foram pagas pela autora com base nesse valor.

Ao receber a inicial, o juiz percebeu que o montante é incompatível com a expressão econômica dos pedidos. Assim, deu prazo para a autora emendar a inicial, corrigir o valor e complementar as custas processuais.

Dentro do prazo, a distribuidora desistiu da ação. O juízo homologou a desistência e extinguiu o processo sem resolução de mérito, mas manteve intimação para complementar as custas inicialmente recolhidas. Essa posição foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Ao STJ, a distribuidora defendeu que não é lícita a cobrança de custas complementares após homologação de pedido de desistência formulado antes da citação da parte contrária.

Divulgação
Para ministra Nancy Andrighi, CPC impõe a quem desiste o pagamento das custas no valor correto, que já existia desde o início
Divulgação

Incide o artigo 90 do CPC
Relatora, a ministra Nancy Andrighi votou por manter a obrigação de complementar o pagamento. Foi acompanhada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Ambos ficaram vencidos.

Ela explicou que a desistência é um ato unilateral do autor da ação que, se ocorrer antes da citação da parte contrária, não depende do consentimento do réu. No entanto, isso não exime de recolher as custas e despesas processuais. É o que indica o artigo 90 do Código de Processo Civil.

A norma diz que, proferida sentença com fundamento em desistência, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu. Segundo a ministra Nancy Andrighi, isso significa o dever de recolher as custas calculadas corretamente.

"O fato de a ação ter sido extinta sem resolução de mérito em razão da desistência, ainda que antes da citação do réu, não afeta a definição do valor da causa, tampouco repercute no montante devido a título de custas iniciais", defendeu a relatora.

"Mais do que isso. No momento em que o pedido de desistência é formulado, o dever de recolher as custas iniciais no importe correto já existia no mundo jurídico desde o ajuizamento da ação, não sendo fruto, portanto, da atuação do juiz", acrescentou.

Eximir o autor de complementar o pagamento das custas, portanto, significaria incentivar a conduta de dar à causa um valor propositalmente mais baixo para tentar litigar pagando menos. Se a estratégia for notada, bastará desistir antes de haver a citação da parte contrária.

Lucas Pricken/STJ
Para ministro Bellizze, não seria razoável cobrar as custas no caso em que a parte desistiu da ação antes da citação do réu
Lucas Pricken/STJ

Incide o artigo 290 do CPC
Abriu a divergência vencedora o ministro Marco Aurélio Bellizze, que foi acompanhado pelos ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro. A posição se baseou em precedente da 1ª Turma do STJ, no AREsp 1.442.134.

A ideia é que a aplicação do artigo 90 deve ser relativizada nos casos em que a desistência for feita antes da citação do réu, pois esse ato consiste em verdadeira exteriorização da vontade do autor em não pagar o valor das custas processuais.

Ao não pagá-las, incide o artigo 290 do CPC, segundo o qual a distribuição do processo deve ser cancelada. Se a ação não é distribuída, a relação processual sequer é formalizada. Assim, a máquina estatal não chega a ser movimentada. Não seria razoável, nesses casos, cobrar custas processuais.

O cancelamento da distribuição, segundo o ministro Bellizze, impede a produção de de todo e qualquer efeito tanto para quem ajuizou a ação como para a parte ré. O autor não precisa pagar as custas iniciais. E a parte ré não precisará ser intimada, citada ou ouvida.

"Na hipótese dos autos, como visto, o pagamento das custas judiciais, em sua integralidade, não se aperfeiçoou, o que, por si, já tem o condão de obstar o recebimento da petição inicial e a determinação da citação do réu, a atrair a incidência da regra do artigo 290 do Código de Processo Civil (cancelamento da distribuição)", explicou.

"Não obstante, a parte demandante, em antecipação a esta inarredável consequência legal, requereu a desistência da ação, providência que, em minha compreensão, mais se aproxima da desejável cooperação da parte com o juízo do que, propriamente, de um comportamento reprovável", complementou.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 2.016.021

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!