Opinião

Em concursos públicos, a cláusula de barreira embarreira?

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  • é mestre em Regulação e Políticas Públicas especialista em Direito Público graduado em Direito e Segurança da Informação ex-conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal servidor do Superior Tribunal de Justiça e autor de artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

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3 de janeiro de 2023, 6h32

Deveria, pois essa é a sua função.

A cláusula de barreira posta em editais de concursos públicos tem como finalidade selecionar os melhores classificados, a fim de atender ao interesse público e à prestação de um serviço público de qualidade.

Trata-se de um mecanismo quantitativo-qualitativo em que o edital do certame estabelece previamente, que até determinado número de vagas, os candidatos estarão habilitados a prosseguir na disputa, sendo que os demais que não alcançaram aquela posição estipulada no instrumento convocatório, serão considerados eliminados e não terão classificação alguma no concurso público.

Uma vez prevista no edital do certame, deve ser observada pelos administrados e pela própria administração pública, mormente, em razão dos princípios da vinculação ao edital, da boa-fé objetiva, da segurança jurídica, da legalidade e da impessoalidade, que predicam, dentre outras questões, o impedimento de atos contraditórios (nemo potest venire contra factum proprium).

Conforme a jurisprudência pacífica do STJ, "A parêmia de que o edital é lei do concurso obriga a Administração Pública e o candidato à sua fiel observância, pena de malferimento ao princípio da vinculação ao edital, ao princípio da legalidade e ao princípio da isonomia" [1].

Assim, se por exemplo, o edital de determinado concurso público estabelecer uma cláusula de barreira prevendo que após a posição nº 600 os demais candidatos estarão eliminados, e a administração pública nomear candidatos além dessa posição e lotá-los em posto diverso para o qual prestaram o concurso público, e, ainda, lançar e homologar novo certame para ocupação de vagas que estão sendo ocupadas pelo excedente, os aprovados nessa última seleção terão direito líquido e certo à imediata nomeação, eis que estarão em flagrante estado de preterição. Nesse sentido:

"(…) No certame em questão, o edital estipulou uma cláusula de barreira que dispôs que os candidatos, inscritos para o município de Cuiabá/MT, que não se classificassem entre as quatorze maiores notas, não teriam suas provas discursivas corrigidas, sendo que tais limites estão expressamente dispostos no edital do certame.

XI – Alinhando-se ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu, no julgamento do RE 635.739/AL, pelo regime da Repercussão Geral, válida a chamada cláusula de barreira, o Superior Tribunal de Justiça entende incidir a referida cláusula para a convocação de determinado número limite de candidatos para as etapas subsequentes, considerando-se eliminados os candidatos excedentes, não conferindo direito líquido e certo ao candidato que, depois de excluído do certame, alega ter obtido a informação da existência de mais vagas que poderiam ser oportunamente providas pelo mesmo concurso público. Nesse sentido: AgRg no RE nos EDcl no AgRg no RMS 42.820/GO, relatora ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 6/4/2016, DJe 6/5/2016 e AgRg no RMS 44.171/DF, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 28/4/2015, DJe 15/5/2015" [2].

A preterição de candidatos nesses moldes, viabiliza a impetração do mandado de segurança com pedido de liminar, ou, se passado o prazo decadencial de 120 dias, o ajuizamento de ação ordinária com pedido de antecipação dos efeitos da tutela. É que, nesse contexto, "O princípio da vinculação ao instrumento convocatório impõe o respeito às regras previamente estipuladas, as quais não podem ser modificadas com o certame já em andamento" [3].

A cláusula de barreira existe justamente para selecionar os candidatos com melhor desempenho no concurso público, não fazendo o menor sentido a administração pública dispor em edital determinada ordem de classificação que entende como ideal para preenchimento de seus quadros, e logo após, nomear dezenas ou até centenas a mais do número que ela mesma estipulou em edital. A propósito:

"(…) Consoante entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do RE-RG 635.739/AL, 'é constitucional a regra inserida no edital de concurso público, denominada cláusula de barreira, com o intuito de selecionar apenas os candidatos mais bem classificados para prosseguir no certame'(Tema 376/STF).

Tendo o Superior Tribunal de Justiça decidido em consonância com a tese acolhida pelo Pretório Excelso, no sentido de que os candidatos classificados além das vagas inicialmente oferecidas pelo edital para formação de cadastro reserva não têm direito líquido e certo à nomeação, considerada a cláusula de barreira, deve ser mantida a decisão que negou seguimento ao apelo extremo" [4].

Além do princípio da vinculação ao edital a administração pública deve respeitar a legítima confiança do administrado que, ao ter conhecimento de que haverá novo concurso público para a ocupação de cargos do concurso anterior em que não logrou êxito, e, acreditando que após o quantitativo de vagas estipulado no primeiro edital, as novas vagas que surgirem poderão ser por eles ocupadas, se esmera horas a fio na esperança de finalmente ocupar a tão sonhada vaga.

 Assim, o mais prudente seria o poder público não estabelecer cláusula de barreira no edital. Uma vez estabelecendo, essa deve ser fielmente obedecida, sob pena de violação ao princípio da legalidade, considerando a máxima de que "o edital faz lei entre as partes" (pacta sunt servanda). Veja-se que:

"'O edital é a lei do concurso', que estabelece um vínculo entre a Administração e os candidatos, sendo certo que a finalidade principal do certame é propiciar à coletividade igualdade de condições no ingresso no serviço público, sendo ali (no edital) pactuadas normas pelos dois sujeitos da relação editalícia: a Administração e os candidatos, ficando vedado àquela (Administração) limitar direito alusivo às condutas lineares, universais e imparciais adotadas no certame" [5].

Nem se cogite o emprego do (ultrapassado) princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Particular, ao genérico argumento de que a administração pública, na qualidade de tutora e guardiã dos interesses da coletividade, é dotada de prerrogativas institucionais, dentre elas, o dever constitucional de economicidade e aproveitamento do certame. Isso, porque, conforme o escólio de Rafael Carvalho Rezende:

"É inadmissível a fundamentação da atuação estatal em um abstrato e indecifrável interesse público ('razões de estado'), típico de atuações arbitrárias. A juridicidade dos atos estatais deve ser auferida à luz da ordem jurídica, notadamente dos princípios norteadores da atividade administrativa e dos direitos fundamentais.

Não obstante, o legislador, obviamente, não possui condições de prever todas as possibilidades que porventura possam ocorrer na complexidade da vida social, razão pela qual sempre haverá ponderações concretas (casos concretos), pautadas, predominantemente, pelo princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade.

Portanto, não existe um interesse público único, estático e abstrato, mas sim finalidades públicas normativamente elencadas que não estão necessariamente em confronto com os interesses privados, razão pela qual seria mais adequado falar em 'princípio da finalidade pública', em vez do tradicional 'princípio da supremacia do interesse público', o que reforça a ideia de que a atuação estatal deve sempre estar apoiada em finalidades públicas, não egoístas, estabelecidas no ordenamento jurídico. A atuação do Poder Público não pode ser pautada pela supremacia do interesse público, mas, sim, pela ponderação e máxima realização dos interesses envolvidos". (Curso de Direito Administrativo. Rafael Carvalho Rezende Oliveira. 8ª ed., Rio de Janeiro: Método, 2020, p. 116).

Diante do exposto, infere-se que a administração pública não é obrigada a estabelecer cláusula de barreira em edital de concurso público, mas, uma vez estabelecendo, deve respeitá-la fielmente, eis que, jungida ao princípio da legalidade e da vinculação ao instrumento convocatório, a cláusula de barreira, de fato, embarreira.

 


[1] STJ. RMS nº 54.936/RS, relator ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 24/10/2017, DJe de 31/10/2017.

[2] STJ. AgInt no MS nº 23.891/DF, relator ministro Francisco Falcão, 1ª Seção, julgado em 26/9/2018, DJe de 3/10/2018.

[3] STJ. RMS nº 59.369/MA, relator ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 9/4/2019, DJe de 21/5/2019.

[4] STJ. AgInt no RE nos EDcl no AgInt no RMS nº 42.184/GO, relatora ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, julgado em 27/11/2018, DJe de 3/12/2018.

[5] STJ. RMS nº 54.554/SP, relator ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma, julgado em 1/10/2019, DJe de 10/10/2019.

Autores

  • é conselheiro suplente do Conselho Penitenciário do Distrito Federal (Copen-DF), servidor do Superior Tribunal de Justiça, especialista em Direito Público (Faculdade Fórtium) e mestrando pelo Programa de Mestrado Profissional em Direito, Regulação e Políticas Públicas da Universidade de Brasília (UnB).

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