Opinião

Judicialização da responsabilização climática é realmente a solução?

Autor

22 de fevereiro de 2023, 18h12

A área ambiental é multidisciplinar. É cada vez mais comum a contratação de especialistas das mais variadas áreas, tanto técnica como jurídica, para blindar a execução de um projeto. Evitar riscos é uma premissa para bons empreendedores. E isso ocorre com mais probabilidade quando há a união de esforços de especialistas.

Por certo, riscos são salutares. Podem, e devem, após a devida análise, ser corridos. O problema, contudo, é quando um tema tão plural e complexo, que demanda decisões técnicas, passa a ser discutido e decidido no judiciário. O resultado, como alguns já experimentaram, tende a não ser o mais benéfico, tanto para o empreendedor, como para a sociedade e o meio ambiente.

Nesse contexto, torna-se fundamental se atentar a um dos temas ambientais mais pujantes do momento: as mudanças climáticas, também chamada de emergência climática, e seus reflexos.

De acordo com o Relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) [1], o aumento da temperatura da terra está acontecendo. As emissões antrópicas decorrentes das atividades humanas têm colaborado com isso. Não é à toa que contínuos debates sobre sobrevivência humana, responsabilização de países, formas de mitigação e compensação dos efeitos climáticos, danos e etc. vêm ocorrendo em todas as esferas.

Nesse contexto, é necessária uma reflexão acerca de uma análise [2] feita recentemente por um ex-desembargador e um ex-assessor de um procurador norte americano. Na matéria, eles analisam os motivos por trás da crescente judicialização por responsabilização climática por parte de estados e municípios americanos em face de empresas do setor energético, especialmente as que atuam com óleo e gás. Ou seja, os casos em que a administração desses entes públicos aciona no judiciário essas empresas.

No artigo, com base em suas próprias experiências, eles pontuam oito razões pelas quais estados e municípios americanos não deveriam ingressar com essas demandas, além de apontar os motivos pelos quais o judiciário deveria indeferi-las.

Os oito argumentos, sintetizados abaixo, em suas devidas proporções, são plenamente compatíveis com a realidade do nosso país, apesar de estarem em um contexto e legislação distintos. Além disso, as considerações também servem para refletirmos sobre os caminhos a serem tomados com relação ao combate às mudanças climáticas no Brasil e no mundo.

1. A hipocrisia dos Estados. Segundo os autores, além de o poder público reconhecer os impactos do aumento da temperatura e os cientistas americanos estudarem o assunto desde a década de 50, tanto o governo federal quanto os estaduais seguem fomentando a produção e o consumo de combustíveis fósseis nos EUAs. O Estado de Nova Iorque, por exemplo, ingressou com uma ação em 2021, enquanto é o maior consumidor de petróleo e o sexto maior de gás natural.

2. As mudanças climáticas estão ocorrendo globalmente e todos nós somos responsáveis por isso. Neste ponto, eles indagam por que responsabilizar apenas as empresas (óleo e gás) se mais de um quarto das emissões são advindas do transporte — carros, barcos e aviões, meios de transportes dos quais todos nós usufruímos todos os dias?

3. O propósito por trás das ações judiciais aparenta ser mais uma investida de alguns escritórios de advocacia em busca de notoriedade. Algumas autoridades locais já perceberam que por se tratar do "assunto do momento", alguns escritórios de advocacia, na busca por seus "15 minutos de fama", têm as procurado para financiar tais investidas.

4. Juízes federais já se manifestaram no sentido de que cabe aos Poderes Executivo e Legislativo endereçar as questões climáticas e não ao Judiciário. Por essa razão nenhuma ação climática teve êxito na justiça federal americana até o momento. No entendimento dos juízes federais o judiciário não é o local para resolver questões tão complexas entre energia e meio ambiente, sobretudo sobre a dependência estrangeira de petróleo, bem como o aumento do preço do gás natural. Em 2011, a Suprema Corte Americana, sob a relatoria da saudosa ministra Ruth Bader Ginsburg, decidiu de forma unânime, em American Electric Power v. Connecticut, que não cabe aos juízes, em razão da ausência de conhecimento técnico, científico e econômico, decidir sobre medidas climáticas. Em 2021, a justiça já havia indeferido uma ação da cidade de Nova York por entender que a competência dada pelo Clean Air Act para regular a emissão de gases de efeito estufa é do órgão ambiental federal (EPA) e não dos tribunais federais.

5. A incoerência. As mesmas jurisdições que estão processando as empresas de energia por supostos danos às mudanças climáticas também declaram em suas próprias divulgações de títulos (bonds) que não podem atestar os efeitos das mudanças climáticas.

6. Lobo em pele de Cordeiro. Conforme levantamento realizado pela American Tort Reform Foundation, alguns desses processos foram iniciados por ONGs financiadas pela iniciativa privada, patrocinadas por escritórios de advocacia de renome, o que leva a questionar o real interesse por trás da medida. Na visão dos autores, o sistema judiciário deveria estar livre de agendas de interesses específicos e financiadores privados.

7. Há fundos disponíveis pelo governo federal destinados aos Estados para fins de solucionar danos à infraestrutura por questões climáticas. Os autores questionam as razões pelas quais Estados e Municípios ingressam com ações em face das empresas de energia enquanto poderiam se valer de recursos e fundos ainda disponíveis pelo governo federal na ordem de US$ 6,7 bilhões para esse fim.

8. Investir em inovação tecnológica é o caminho para proteger o meio ambiente. Por fim, pelo entendimento dos autores, é através de políticas públicas que o poder público pode fomentar a iniciativa privada a investir em projetos de inovação tecnológica necessários à redução dos riscos climáticos. Os autores citam como exemplo o processo de transição energética, cuja transição do carvão para o gás natural já contribuiu para uma queda de 32% das emissões de carbono desde 2005. A judicialização e eventuais decisões, podem inibir que empresas invistam em novas tecnologias mais limpas.

Não é possível, por óbvio, generalizar todas as motivações dessas ações. Tampouco isentar aqueles que de alguma forma contribuíram, contribuem ou se eximem de contribuir para reduzir suas emissões. Em qualquer caso, a responsabilidade é comum, porém também é diferenciada conforme o grau de contribuição de cada um.

Cabe refletir, considerando as diversas incertezas, se medidas judiciais são de fato o modo mais eficaz de reduzir os impactos climáticos sofridos e de proteger o meio ambiente. Será que tais medidas não acabam por inibir parcerias público e privada com vistas a direcionar investimentos a novas tecnologias para soluções climáticas? Ou talvez, deixar de fomentar políticas públicas que visem incentivar a prevenção?

No caso do Brasil, a responsabilização civil por dano ambiental independe da comprovação de culpa do autor (responsabilidade objetiva) [3], é imprescritível e o dever de recuperação dos danos ambientais pode ser atribuída ao proprietário do imóvel mesmo que ele não tenha contribuído com dano (natureza propter rem). Além disso, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "a inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental" (Súmula nº 618 do STJ). Ou seja, cabe ao réu provar que não causou o dano [4].

Nesse cenário, ações como as estudadas pelos autores, dentro de um cenário repleto de incertezas, tornam-se ainda mais preocupantes, tornando a discussão no Brasil ainda mais relevante

Nessa perspectiva, não há outra alternativa aos empreendedores a não ser diligente e blindar seus projetos desde a fase de planejamento. Como externado, tal blindagem se faz através da adoção de medidas preventivas de forma antecipada, considerando a característica multidisciplinar da área ambiental. Essa antecipação é possível por meio do mapeamento de riscos e da adoção de ações que minimizem as chances de responsabilização ambiental em razão de demandas judiciais como essas.

A título de demonstração, recentemente o Tribunal Regional Federal da 4ª Região [5], confirmou decisão da Justiça Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, julgando improcedente o pedido de indenização por danos morais ambientais em face de uma olaria. A relatora, além de considerar que o empreendimento possuía licença ambiental vigente, destacou que a perícia comprovou que a empresa ré manteve as emissões de poluentes dentro dos parâmetros legais exigidos.

Desse modo, considerando as reflexões trazidas pelos autores, especialmente sobre o fato de que o mesmo poder público que analisa a viabilidade ambiental e concede uma licença ambiental, que fomenta o consumo, é o que aciona judicialmente empresas por danos climáticos. De igual forma, consumidores usuários, representados por ONGs, Ministério Público e outras entidades, há de existir medidas menos antagônicas que promovam a segurança jurídica aos empreendedores.

Mas, por fim, como dito no início do presente artigo, cabe aos empreendedores estarem atentos a todo esse cenário. Devem, ainda, anteciparem os riscos e evitar danos futuros. E farão isso antecipando todas essas questões e garantindo, assim, um desenvolvimento sustentável.

 


[3] A responsabilidade civil por dano ambiental, como se infere do art. 14, § 1º da Lei n° 6.938/81, é objetiva, isto é, não há que se provar culpa do poluidor. Para sua caracterização há que comprovar somente o evento danoso, a conduta lesiva e o nexo causal entre o dano e a conduta do poluidor. Delgado, José Augusto. Responsabilidade Civil por Dano Moral Ambiental. Informativo Jurídico da Biblioteca Oscar Saraiva, v. 19. nº 1, jan/jun.2008. pg. 88.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!