Ação monitória e o uso de prova escrita retirada do WhatsApp/e-mail
14 de fevereiro de 2023, 7h14
A legislação processual brasileira está em constante evolução e vem se adaptando ao avanço tecnológico, sendo aceito cada vez mais a utilização das provas escritas eletrônicas para fundamentação das ações monitórias.
A ação monitória é um procedimento especial, de cognição sumária, previsto no Código de Processo Civil Brasileiro, para que o credor possa compelir o devedor ao cumprimento de obrigações, sejam elas de pagamento ou entrega de coisas, ou de fazer ou não fazer algo. Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro permite ao credor a utilização da ação monitória para cobrar valores devidos ou para fazer cumprir obrigações contratuais, segundo o previsto nos artigos 700 a 702 do Código de Processo Civil (MITIDIERO, 2017).
O artigo 700, I, II e II do CPC, discorre que:
"Artigo 700. A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz:
I – o pagamento de quantia em dinheiro;
II – a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel;
III – o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer".
Em um contexto em que as tecnologias de informação e comunicação se espalharam consideravelmente na vida cotidiana, os seres humanos vêm cada vez mais incorporando essas ferramentas digitais no dia a dia. O uso de WhatsApp e E-mail são frequentes pelos brasileiros, fazendo com que seja realizado contrato verbais e não verbais a todo momento.
Destaca-se que, por exemplo, o uso de serviços bancários de forma online, negociações empresariais, assim como, contratação de prestação de serviço de profissional autônomo, são usualmente feitas por e-mail e WhatsApp. Além de ser mais prático e eficiente, o uso de meios eletrônicos também contribui para a preservação do meio ambiente, uma vez que diminui o uso de papel.
Vista disso, o caput do artigo 700 do CPC deixou uma lacuna sobre a admissão de provas escritas, porém produzidas pelos meios eletrônicos, cabendo ao judiciário e a doutrina à responsabilidade de adaptação do dispositivo legal a vida moderna.
Assim, podemos considerar como prova digital todos os dados registrados em formato eletrônico e que constituem elementos de prova, incluindo as fases de extração, tratamento e interpretação (PECK, 2016).
O código de Processo Civil deixou o tema explicitamente regulado em sua seção VIII: "Dos documentos eletrônicos", seguido dos artigos 439 a 441 do diploma legal. Em síntese, as provas eletrônicas podem ser utilizadas com dependência a verificação da sua autenticidade, sendo valoradas pelo juiz, devendo ser assegurado as partes o acesso ao seu teor.
Por outro lado, sendo o processo convencional (físico), não é possível somente a juntada de documentos eletrônicos, pois o acesso a tais documentos deverá ser feito mediante audiência em que todas as partes participem e tomem o devido conhecimento, conforme discorre o artigo 434, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
Nesse passo, o Código Civil faz a regulamentação não só dos contratos escritos, mas também regula os contratos verbais. Desse modo, o pacto verbal entre as partes vem entabulado nos artigos 117 e 104 do referido diploma, necessitando conter para plena validade do negocio jurídico verbal a: declaração de vontade, agentes capazes, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Surgindo, então, o pacta sunt servanda (o contrato faz lei entre as partes).
Superado isto, convém destacar o artigo 369 do Código de Processo Civil que aduz que "As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz" (artigo 369 CPC). Isto é, qualquer que seja o meio de prova eletrônica ou não deverá se admitida em juízo.
Isto significa que, por exemplo, qualquer documento retirado de E-mail ou WhatsApp, quer seja uma cópia eletrônica ou uma cópia em papel de algum documento eletrônico, após a sua autenticação será considerada prova plena. Além do mais, poderão ser lavrados em ata notarial pelos notários públicos, os documentos fundados em som ou imagem gravado em arquivo, como dispõe o artigo 384, parágrafo único do CPC.
Ainda assim, poderia surgir outro caso de autenticação de documentos eletrônicos, quando se refere às cópias a serem juntadas nos autos do processo, na ocasião o próprio advogado, Ministério Público, Defensoria Pública e seus auxiliares, procuradorias ou pelas repartições públicas em geral, podem realizar a autenticação desses documentos, dando-lhes fé pública, fazendo por vezes o papel dos notários públicos. Trata-se de inovação trazida pelo CPC/2015, constante no seu artigo 425, VI.
Em julgamento do REsp nº 1.381.603, o Superior Tribunal de Justiça entendeu sobre o cabimento da prova digital como fundamento para ação monitória:
"A exigência de prova robusta e sem dúvidas para a admissibilidade da ação monitória não é imprescindível. É possível aparelhar a ação com documentos idôneos, mesmo que emitidos pelo próprio credor, desde que seja possível verificar, por meio de um prudente exame pelo juiz, que existe um juízo de probabilidade em relação ao direito afirmado pelo credor. Portanto, a apresentação de documentos que comprovem o direito do credor é importante, mas não é necessário que essa prova seja extremamente robusta" (REsp nº 1.381.603, 4ª Turma do STJ, ministro relator Luis Felipe Salomão, julgado em 6/10/16).
No que se fere a segurança do teor dos documentos eletrônicos, as relações presentes no ambiente virtual vem passando por reformulações por meio da adoção de certificações eletrônicas de assinaturas, garantindo a autenticidade dos documentos elaborados no ambiente digital, em que essa autenticação é realizada por algoritmos e por validação das assinaturas das partes. Tema legislado na Medida Provisória 2.200-2 de 2001, que estabeleceu a infraestrutura de chaves eletrônicas no Brasil.
Já os enunciados n° 297 e 298, aprovado na IV Jornada de Direito Civil (CJF/STJ) destaca que:
"297. É lícito ao juiz considerar, como prova, a documentação eletrônica, desde que mantida em condições que garantam a autenticidade dos documentos, a integridade dos dados e a preservação da evidência.
298. A autenticidade da documentação eletrônica pode ser comprovada por assinatura eletrônica avançada, por certificado digital, por assinatura eletrônica reconhecida ou por outro meio idôneo, desde que admitido em lei especial ou regulamento (IV Jornada de Direito Civil. Conselho da Justiça Federal. Coordenador-Geral ministro Ruy Rosado de Aguiar. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/. Capturado em: 20/01/23)".
Estes enunciados destacam a possibilidade de utilização de documentos eletrônicos como prova, desde que mantidos em condições que garantam a autenticidade dos documentos, a integridade dos dados e a preservação da evidência, além de serem comprovados por meio de assinatura eletrônica avançada, certificado digital, assinatura eletrônica reconhecida ou outro meio idôneo, admitido por lei especial ou regulamento (NETO, 2019).
Portanto, a partir da utilização dessas certificações é possível ter mais segurança nos negócios jurídicos formados nos meios eletrônicos, como e-mail e WhatsApp, atribuindo, desta maneira, uma segurança jurídica ao processo de formação contratual .
Em relação aos os áudios produzidos pelos usuários de WhatsApp que não são consideradas provas escritas, stricto sensu, entretanto valida o negocio jurídico, por seu teor, o Código de Processo Civil brasileiro no artigo 422 aponta o seguinte:
"Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, a cinematográfica, a fonográfica ou de outra espécie, tem aptidão para fazer prova dos fatos ou das coisas representadas, se a sua conformidade com o documento original não for impugnada por aquele contra quem foi produzida".
Neste sentido, a valoração da prova eletrônica é feita pelo juiz, tendo em vista que sua avaliação implica o exame dos elementos que compõem o ato probatório, além de uma verificação do contexto em que ele foi produzido. É necessário, porém, que, ao ajuizar a ação monitória seja comprovada a autenticidade desses meios de prova e sua idoneidade, já que sua utilização é condição essencial para seu reconhecimento do procedimento especial.
Desse modo, sendo evidenciado o direito do autor, com certificação das provas produzidas de WhatsApp e e-mail, o juiz expedirá o mandado de pagamento, de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer ou de não fazer, concedendo ao réu o prazo de 15 dias para cumprimento ou pagamento do débito, além dos honorários advocatícios de cinco por cento (artigo 701, CPC).
Em contra partida, não sendo aceitas as provas eletrônicas, com dúvida da idoneidade pelo juiz, o autor será intimado para, querendo, emendar a inicial, a fim de adequar o pedido ao procedimento comum (§5° do artigo 700, CPC).
Vale ressaltar que, a eficácia de título executivo é importante para que o credor tenha o direito de ajuizar uma ação de execução contra o devedor. Se não houver esse tipo de eficácia, o credor não pode utilizar o procedimento especial para solicitar a satisfação de seu crédito. Alguns exemplos de documentos sem eficácia de título executivo incluem cheques prescritos, contratos escritos não assinados por duas testemunhas, contratos de parceria agrícola e contratos de abertura de crédito em conta corrente, entre outros. É importante destacar que essas informações são reguladas pelo Código de Processo Civil brasileiro (artigo 784, III) e pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (súmulas 233 e 247), (BRASIL, 2015).
Derradeiramente, é de e notar que, a utilização de prints de mensagens de WhatsApp, seja por mensagens escritas, áudios ou E-mails eletrônicos, como meios de prova para ajuizamento das ações monitórias é possível, desde que sejam devidamente autenticados e comprovem a verossimilhança das alegações. No entanto, o juiz, no caso concreto, deverá avaliar, junto com outros elementos de prova, a validade das mensagens eletrônicas para fundamentar sua decisão.
Conclui-se que, as trocas de mensagens rotineiramente geradas pelos aplicativos de mensagens de WhatsApp ou e-mail podem ser usadas como meios de prova em processos judiciais, uma vez que atendidos os requisitos da veracidade, autenticidade e não violação de direitos de terceiros. Ademais, é importante levar em conta a possibilidade de impugnação da prova pelo réu, sendo a decisão final baseada na livre convicção motivada do juiz (artigo 371 CPC), ocasionando, assim, a admissão ou recusa da abertura da ação monitória.
Referências bibliográficas
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 20 jan. 2023.
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Atlas LTDA., 2017.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria da Prova. 17° Ed. São Paulo. Juspodivm. 2022.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca (org). Teoria geral do processo: comentários 49 ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015.
MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. Vol. II. Tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
PECK, Patrícia. Direito digital. 6. ed. Saraiva Educação, 2016.
NETO, Eugênio Pereira Dias. Ação monitória baseada em prova escrita produzida no WhatsApp. Revista Consultor Jurídico, 25 de janeiro de 2019, 11h16. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-25/eugenio-dias-acao-monitoria-baseada-prova-escrita-whatsapp. Acesso em: 21 jan. 2023.
TALAMINE, Eduardo. Tutela Monitória. 2ª ed., São Paulo: RT, 2000.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!