Opinião

Se não nas Arcadas, onde? Precedente é incompatível com a tradição da USP

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9 de fevereiro de 2023, 12h01

Em razão do recente debate público entre representantes da gestão Travessia do Centro Acadêmico XI de Agosto e o professor Floriano de Azevedo Marques Neto, ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), nós, representantes dos alunos de graduação perante os órgãos deliberativos da faculdade, entendemos ser necessário expor o sentimento de parcela significativa do corpo discente sobre a questão do retorno da professora Janaína Paschoal às salas de aula do Largo de São Francisco.

Carlos Alkmin/Flickr
Arcadas da Faculdade de Direito da USP
Carlos Alkmin/Flickr

Essa polêmica, que ganhou repercussão nos últimos dias, traz à tona um debate muito caro à faculdade sobre liberdade de expressão e que, de maneira nenhuma, deve ser reduzido a esse caso em específico. Estamos falando do debate público, a práxis de tudo aquilo que aprendemos no dia a dia na sala de aula, a materialização da dialética, a grande marca de uma democracia.

O território livre das Arcadas, em seus quase 200 anos de história, vivenciou  e,  por diversas vezes, protagonizou  os embates políticos mais relevantes da nação. Só no último século, pode-se dar alguns exemplos: em 1932, o Largo foi o epicentro da revolução constitucionalista, que opôs os estudantes e professores liberais à opressão do regime provisório getulista. Se nos tempos de chumbo da ditadura militar, as Arcadas contribuíram na reunião que desenhou o Ato Institucional nº 5, nas Arcadas também foi lida a Carta aos Brasileiros, em que o professor Goffredo da Silva Telles Jr. não se calou frente ao autoritarismo e exigiu o Estado de Direito, já.

Agência Brasil
A ex-deputada e professora Janaína Paschoal
Agência Brasil

Se o debate plural, com as divergências inerentes à própria democracia, não puder ser vivenciado  nas Arcadas, onde será? Ressalte-se que, até mesmo durante a ditadura militar (1964-1985), ainda assim os  professores divergentes aos ideais do militarismo no poder não foram exonerados. Ao se colocar como representante dos estudantes do Largo de São Francisco, é necessário promover, no mínimo, discussão nas Arcadas  o completo oposto da postura adotada pela atual gestão Travessia, do Centro Acadêmico XI de Agosto.

Que não se tome o presente posicionamento como uma defesa dos ideais professados pela professora Janaína Paschoal durante os últimos anos. Suas visões reacionárias e seu apoio ao bolsonarismo devem ser combatidos politicamente. Se pela liberdade de cátedra sentir-se legitimada a defender o autoritarismo, o golpismo ou qualquer que seja a pauta que atente ao Estado democrático de Direito, esta faculdade já deixou claro que não tolerará tais posicionamentos.

Repactuamos o compromisso firmado no XI de Agosto de 2022: as instâncias adequadas, nesse caso, serão acionadas e providências serão tomadas. Mas, em uma faculdade de direito, é vital refletir, antes de qualquer atitude precipitada, se houve conduta irregular cometida pela professora no âmbito acadêmico. É preciso ter muito cuidado ao se querer impedir que um (ou uma) docente retome sua cátedra. Casos assim são excepcionais, contudo, necessários em circunstâncias específicas  e que jamais serão balizadas por divergências políticas dentro dos limites salutares. Assim, materializar esse debate delicado na figura da Janaína Paschoal é esvaziar o discurso e banalizar a pluralidade democrática tão cara ao Largo de São Francisco.

Nos tempos sombrios em que vivemos, dizer o óbvio é quase que insuficiente, é preciso desenhar. O debate levantado pela indigesta nota do Centro Acadêmico XI de Agosto, sob a gestão Travessia, revela muito sobre a realidade da política brasileira, marcada essencialmente pelo apagamento do caráter plural inerente às democracias. Um dos legados do bolsonarismo foi justamente a intolerância àquilo que em qualquer grau gera divergência. Abrir esse perigoso precedente pode permitir que professores de esquerda, sejam silenciados ou até mesmo removidos arbitrariamente de seus cargos, em governos de extrema-direita — como, aliás, bolsonaristas tentaram fazer com o professor Conrado Hubner Mendes, se a memória não for seletiva.

A defesa da liberdade de cátedra não pode ser feita de maneira subjetiva. Como garantia jurídica que é, deve ser lida objetivamente. A professora Janaína foi aprovada em concurso público para o cargo que ocupa e tem o direito e dever de exercê-lo, de acordo com o Estatuto da Universidade de São Paulo. Quem pretende cerceá-la desse direito parece não ter compreendido que a academia é o espaço de dissenso intelectual e não de quem pretende falar mais alto.

A responsabilização política da deputada Janaína já foi dada pela sua fraca atuação na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) e pelo ainda mais pífio desempenho nas urnas. Na academia, o jogo é outro. Se não nas Arcadas, onde?

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