Opinião

'Resolve Já', 'Transaciona São Paulo' e a igualdade tributária

Autor

  • André Felix Ricotta de Oliveira

    é advogado professor de Direito Tributário doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-Pinheiros conselheiro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomercio-SP coordenador do Ibet de São José dos Campos e ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da Sefaz-SP.

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16 de dezembro de 2023, 13h21

Na esteira da transação tributária implementada pela União, o estado de São Paulo, alinhado a essa política fiscal, promulgou os programas “Resolve Já” e “Transaciona São Paulo.”

O “Resolve Já” encontra-se devidamente regulamentado pela Lei Estadual nº 17.784/2023, que altera a Lei nº 6.374/89, responsável por dispor sobre o ICMS. Seu objetivo é facilitar o recolhimento de valores exigidos em autos de infrações e imposições de multas (AIIM), mesmo que estejam sob discussão em processo administrativo tributário, e antes da inscrição em dívida ativa. Isso é realizado mediante a concessão de redução de multas e juros.

O artigo 95 da Lei nº 6.374/89 já previa descontos para o pagamento de multas, variando de 35% a 70%, de acordo com o prazo e as fases do processo administrativo tributário. A Lei nº 17.784/23 alterou esses percentuais, estabelecendo desconto de 70% no pagamento à vista, 55% no julgamento da defesa e 40% no julgamento do recurso apresentado pelo contribuinte.

Ainda antes da inscrição na dívida ativa, há desconto de 30% no julgamento do recurso apresentado pelo contribuinte; 40% na intimação do julgamento da defesa, quando não apresentado recurso pelo contribuinte; 55% quando não apresentada a defesa e o pagamento ocorrer após 30 dias contados da notificação da lavratura do auto de infração.

Apesar de não apresentar diferenças substanciais em relação aos descontos anteriores, o “Resolve Já” permite o parcelamento dos autos de infrações com desconto de até 40%. Além disso, possibilita a utilização de crédito acumulado de ICMS e crédito do agricultor rural para compensar os valores exigidos nos autos de infração.

Outra iniciativa do governo de São Paulo é o programa “Transaciona São Paulo”, que entrará em vigor em 6 de fevereiro de 2024. Ele possibilita a quitação de débitos inscritos em dívida ativa por meio de parcelamento em até 120 meses, com descontos em multas, juros e demais acréscimos legais, limitados a 65% do valor total transacionado. Para pessoas físicas, microempresas, empresas de pequeno porte ou empresas em recuperação judicial, os descontos podem chegar a 70% com pagamento em até 145 parcelas.

A transação no âmbito do “Transaciona São Paulo” ocorrerá por adesão, com a Procuradoria Geral do Estado publicando edital para estabelecer os termos e condições do acordo. Além disso, poderá ocorrer por proposta individual ou conjunta, respeitando os limites previstos em lei.

O programa permite a utilização de precatórios do Estado, de suas autarquias, fundações e empresas dependentes, assim como créditos acumulados e ressarcimento de ICMS, inclusive de ICMS-ST e de créditos do produtor rural, próprios ou adquiridos de terceiros. No entanto, a utilização desses instrumentos para compensação da dívida tributária de ICMS, multa e juros é limitada a 75% do valor do débito e deve ser homologada pela autoridade competente.

Além de tímidas, essas medidas não oferecem um apoio significativo à recuperação e regularização fiscal de empresas com dificuldades financeiras. Contribuintes nessas condições raramente têm acesso a precatórios ou créditos de terceiros para compensar seus débitos, devido aos valores de mercado e às condições de pagamento, geralmente à vista.

Empresas endividadas devido a dificuldades financeiras geralmente não possuem créditos acumulados de ICMS ou ressarcimento de ICMS-ST homologados para aderirem aos programas apresentados. Enquanto a União permite que contribuintes com prejuízo fiscal ou saldo devedor de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) compensem seus débitos federais, o Estado de São Paulo restringe a utilização de créditos de ICMS previamente homologados pela Secretaria da Fazenda em algumas situações e setores específicos.

É um contrassenso editar dois programas de regularização fiscal e não permitir a compensação de débitos tributários com o saldo credor de ICMS. Isso só se justifica pela falta de confiança na escrita fiscal dos contribuintes, evitando a posterior fiscalização e validação do saldo credor apurado.

A Lei Complementar nº 1.320/18 foi promulgada para estabelecer um relacionamento de confiança entre o estado de São Paulo e o contribuinte, incentivando a autorregularização e a conformidade fiscal. A não permissão para a utilização do saldo credor de ICMS, vai de encontro a essa legislação, prejudicando a construção de um ambiente de confiança entre os contribuintes e o Estado.

Permitir somente a utilização de crédito acumulado de ICMS, ressarcimento de ICMS-ST e créditos do produtor rural prejudica a igualdade entre os contribuintes, favorecendo apenas aqueles que possuem essas opções. O estado de São Paulo deveria seguir o modelo da União, possibilitando a utilização dos saldos credores de ICMS nos programas “Resolve Já” e “Transaciona São Paulo”. Essa utilização deveria ocorrer mediante a fiscalização e verificação do saldo credor, promovendo assim a regularidade fiscal e construindo um ambiente de confiança e boa-fé entre os contribuintes paulistas.

Autores

  • é advogado, professor de Direito Tributário, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-Pinheiros, conselheiro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomercio-SP, coordenador do Ibet de São José dos Campos e ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da Sefaz-SP.

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